
Nesses belos Países, temos de manter os olhos acima do chão, para não encararmos com o lixo desgovernado ou os excrementos de vacas sagradas. A magnificência dos monumentos é tão contrastante com o povo inculto, que nos perguntamos sobre o que terá acontecido para tamanho retrocesso civilizacional.
O Senhor Hiroshi, guia local, começou por nos contar alguma coisa sobre a forma como os japoneses encaram a religião. Explicou-nos que quase todos são Budistas e Xintoístas, ao mesmo tempo. Não há necessidade de escolher. As duas religiões convidam à reflexão e ao culto absoluto da natureza, valorizando cada momento como único e irrepetível. Também há quem acrescente ao Budismo e ao Xintoísmo a cultura Zen, que nos recorda aquilo que é básico na vida. Ter trabalho, comida, família e casa onde dormir, é suficiente e devemos sentir-nos obrigados a sermos felizes.
O trabalho é considerado uma dádiva suprema, sem o qual não é possível ter uma vida equilibrada. É impensável inventar uma razão para faltar ao trabalho. É sagrado! Por isso, não há absentismo, e o próprio conceito de horário de trabalho ou de férias é algo fluido e adaptável às necessidades da empresa. O japonês nunca falta, porque o seu maior receio é que o chefe dê conta que ele é dispensável.
Nas ruas não há um papel no chão ou um saco plástico esvoaçante. Mas, o curioso é que não há caixotes do lixo. As pessoas são advertidas de que devem levar o lixo que fazem para sua casa. Até nas casas de banho não há papel para secar as mãos. Os japoneses andam com uma toalhinha no bolso, que utilizam quando precisam. Nas escolas são os estudantes que tratam da limpeza do espaço comum e essa tarefa rotativa entre todos faz parte da sua educação cívica.
Não tive a experiência de um terramoto, mas disseram-me que a população participa em simulacros em todos os locais possíveis. As casas são simples, mas com construção antissísmica, havendo obrigatoriamente um espaço entre elas, o que lhes permite que, em caso de sismo, não caiam como baralhos de cartas.
As casas de banho são no início de difícil compreensão! Do lado esquerdo da sanita, de bordo sobreaquecido, encontra-se um painel de comando, que nos faz parecer termo-nos sentado inadvertidamente no cockpit dum pequeno avião. Há um repuxo para a frente, um repuxo para trás, um bufador para a frente e outro para trás, terminando com um botão para música, com volume regulável, para que ninguém tenha de ouvir as nossas fraquezas humanas. O papel higiénico é translúcido, de uma só folha, porque de facto já tudo passou por um sistema de lavagem muito eficiente!
Para um japonês, ultrapassar o lugar numa fila é uma atitude repugnante. A nossa “esperteza saloia” de cortar caminho e entrar de soslaio mais à frente no trânsito compacto é, para eles, coisa de bruto ocidental. Também nos admiramos com a sua cultura do silêncio, que não é mais do que a tradução do respeito que têm pelo outro. A multidão imensa no metro ou na entrada do comboio bala, move-se de forma ordeira, sem atropelos, sem que ninguém ouse elevar a voz.
A nossa fantástica guia portuguesa, Sofia Pinheiro, avisou-nos também acerca de algo que nunca tinha visto em locais turísticos. Desde a ninja vestida a rigor no Castelo de Matsumoto em Nagano, munida de espada samurai para tirar fotografias conosco, até ao condutor do autocarro, dar gorjeta é ofensivo. Estão ali para fazerem o seu trabalho e basta-lhes a vénia à saída, como recompensa pelo bom serviço.
Já não vi as cerejeiras em flor, a não ser algumas enganadas pelo ar da montanha, mas deliciei-me com a floresta densa, de vários matizes de verde. Não há sinais de fogos florestais, mas também não se pode fumar em lado nenhum e mesmo nos parques há caixas para fumadores, tão horríveis como as dos aeroportos.
Vão-me ficar memórias maravilhosas dos jardins japoneses, em que cada recanto dá um postal. Carpas multicolores de grandes dimensões, passeiam nos lagos rodeados de bonsais. Pequenas pontes vermelhas, convidam a uma fotografia romântica, mesmo em casais cansados. Achei extraordinário o trabalho dos mestres podadores jardineiros, que fazem das árvores de grande porte, muitas iguais às nossas, um milagre de simetria, a convidar-nos a colocar em cada uma gambiarra de Natal.
No Japão, damos mais valor à vida, com saúde, em comunhão com a natureza. A saúde e o bem-estar, ganham uma nova dimensão e até esquecemos que estamos rodeados pelo último grito da tecnologia!
Artigo escrito por: João Araújo Correia,
Medicina Interna ULSSA-Porto
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