Ainda não temos, ao dia de hoje, conhecimento da distribuição completa e definitiva dos deputados na Assembleia da República – faltando ainda contabilizar os votos das comunidades portuguesas no estrangeiro, havendo quatro deputados por definir –, mas já sabemos, sem qualquer margem para dúvida, que o panorama político português mudou por completo no dia 18 de maio.

Num país cuja história democrática sempre se escreveu virada à esquerda, vemos, pela primeira vez, uma larga maioria de direita, naquilo que é, em teoria, uma autêntica viragem ideológica.

A vitória da direita começa pelo reforço da maioria parlamentar da AD, que conquistou todo o Norte do país, e conseguiu mesmo virar concelhos onde, historicamente, o PS era vencedor crónico. Já o Sul, território onde só a esquerda ganhava, hoje está praticamente todo ele pintado pelo azul do partido Chega. Por fim, a Iniciativa Liberal consegue nove deputados, garantindo a sua relevância na Assembleia da República, nomeadamente no que toca ao assunto do momento: a revisão constitucional.

Por outro lado, olhando para a hecatombe da esquerda, o PS teve o pior resultado dos últimos 40 anos, e arrisca-se, com alta probabilidade, a cair para terceira força política no Parlamento, permitindo o fim do bipartidarismo em Portugal. O Bloco de Esquerda e a CDU continuam a caminhar para uma extinção lenta, promovida pelas fracas lideranças dos últimos anos, e o Livre é o único partido à esquerda que pode soltar um sorriso, ainda que tímido, dada a conjuntura geral.

Partindo do princípio de que os partidos respeitarão a regra não escrita de que quem vence as eleições deve governar – tudo indica que é o que irá acontecer –, podemos desde já assumir que será, novamente, Luís Montenegro a construir e a liderar o próximo Governo. No entanto, e ainda que tenha conseguido alcançar o objetivo a que se propôs ao ir a eleições – vencer e sair reforçado –, não conseguiu, nem com a perninha da IL, ter deputados suficientes para governar sem ter de conversar com o Chega ou com o PS.

Para o olhar mais desatento, isto pode parecer uma mera questão de bastidores ou apenas mais uma decisão dependente de tática política, mas é muito mais do que isso. As próximas opções de Luís Montenegro serão cruciais para entender o que será Portugal nos próximos quatro anos e, essencialmente, daí para a frente.

Olhando para o seu lado direito, desde o momento em que foram conhecidos os resultados, a AD pôde ver um André Ventura que mantém um discurso de combate, que se afirmou como líder da oposição e que releva que “com Luís Montenegro, nunca é nunca”. Mas, ao mesmo tempo, um André Ventura aparentemente mais moderado, e que garante que, ainda que seja oposição, será um pilar de estabilidade do país. Do seu lado esquerdo, vê um PS enfraquecido, em reconstrução interna e ainda sem líder, após a inevitável demissão de Pedro Nuno Santos, mas que reforça a necessidade de manter uma espécie de acordo tácito entre PS e PSD, no sentido de manter o país numa governação de bloco central.

Se Luís Montenegro optar por seguir aquilo que parece ser a vontade maior dos portugueses, dado o resultado das eleições, e decidir negociar com o Chega, pode, por um lado – no pior cenário para o atual Primeiro-Ministro –, abrir-lhes caminho para o seu estabelecimento como uma opção viável à direita, transformando-o num partido de poder, putativo vencedor das eleições de 2029, e sentenciando um decréscimo do PSD, que pode perder eleitorado para o partido de André Ventura. Simultaneamente, este cenário colaria o PSD de Luís Montenegro à direita, deixando, novamente, a vaga de partido mais ao centro para o PS, que poderia recuperar votos dos mais moderados, após recomposição interna.

Por outro lado, em caso de sucesso desta parceria, Luís Montenegro poderia sonhar com um resultado melhor ou semelhante em 2029, que lhe permitiria continuar a governar.

Na hipótese de a AD se agarrar à história e, consequentemente, ao PS, há, igualmente, dois cenários, na ótica do Primeiro-Ministro: um negativo, e outro positivo. No primeiro caso, uma parceria ao centro, juntamente com um fechar de portas total ao Chega, pode provocar uma reação de combate, onde não se pode excluir, também aqui, uma possível vitória do Chega em 2029, com uma larga perda de eleitorado do PSD à direita. Já no segundo caso, PSD e PS garantem estabilidade e, com políticas positivas, fazem perder o ímpeto do Chega, alcançando em 2029, de novo, um bloco central estável, com direita e esquerda equilibradas na Assembleia (ainda que, na minha opinião, a olhar para o exemplo dos últimos 51 anos, uma solução central tenha baixas chances de sucesso).

Pelo meio, parece-me óbvio que este será um Governo de maior duração do que o anterior, porque tanto o Chega de um lado, como o PS do outro, sabem que causar eleições pode trazer-lhes um resultado negativo – ou ainda mais negativo, no caso do PS.

É óbvio, portanto, o impasse de Luís Montenegro perante duas opções que parecem, tanto uma como outra, tão imprevisíveis. Independentemente da escolha que faça, deve ter em mente que não está em causa apenas a governação dos próximos quatro anos, mas a definição da moldura política da próxima década. Montenegro terá de decidir se quer segurar o sistema político como sempre o conhecemos em democracia, ou se abre as portas à sua transformação definitiva; terá de decidir, não só com quem irá governar, como também como será a moldura de representação política no futuro.

O preço a pagar pela prudência ou pela coragem, só o conheceremos mais tarde. Mas a decisão deve ser tomada agora, e tem muito mais peso do que aparenta.