Uma Conversa de Presidentes, com Marcelo Rebelo de Sousa e João Lourenço a desenharem pontes de futuro para melhor ligar Europa e África, foi o momento alto de mais uma edição do EurAfrican Forum, promovido pelo oitavo ano pelo Conselho da Diáspora e que reuniu governantes, empresários e altos responsáveis de organizações globais oriundos de 19 países.
Conselho da Diáspora Portuguesa
Dois chefes de Estado, cinco ministros (portugueses e angolanos), mais de 50 oradores internacionais, entre líderes empresariais e altos responsáveis de organizações globais oriundos de 19 países de África e Europa, cerca de 50 jornalistas registados e mais de 600 convidados. A contabilização dos dois dias do EurAfrican Forum 2025, que o Conselho da Diáspora Portuguesa levou uma vez mais ao palco da Nova SBE, a 25 e 26 de julho, impressiona mas está longe de refletir todo o potencial que se reuniu em Carcavelos para aproximar mais os dois continentes, resultando ainda na assinatura de 11 protocolos de cooperação entre Portugal e Angola, capitalizando na visita oficial de João Lourenço a Lisboa.
"Podemos desbloquear todo o potencial de África e inspirar o diálogo entre os dois continentes", afirmou António Calçada de Sá logo na abertura, destacando a "importância vital de África para o presente e para o futuro". E com essa frase resumiu muito do que é esta cimeira, que já vai na oitava edição a aproximar os dois continentes. Lembrando que "o mundo enfrenta um cenário complexo de crises políticas, económicas e sociais", o presidente executivo do Conselho da Diáspora apontou o caminho: "Esta é uma excelente oportunidade para discutir todos estes cenários", através de uma plataforma orientada para a ação, que procura reforçar a colaboração entre a Europa e a África, "melhorando o crescimento verde e inclusivo, revelando oportunidades inovadoras de negócio e de investimento de impacto social, bem como gerando mais sinergias entre ambos os modelos de inovação".
Sob o tema "Transformar o Amanhã: Estreitar Parcerias Globais para Cumprir a Agenda 2063", o EurAfrican Forum focou-se em temas que foram da energia à tecnologia, da geopolítica à formação, com um compromisso sério, assumido por Calçada de Sá: "Queremos passar das palavras aos compromissos e dos compromissos aos atos. Podemos desbloquear o potencial de África, desenvolver as políticas do progresso e abordar esta fantástica plataforma de colaboração."
E o reconhecimento pelo trabalho que vem desenvolvendo à frente da Diáspora veio não apenas do sucesso desta oitava edição do EurAfrican Forum, mas das mãos do próprio Presidente da República, presidente honorário do Conselho. Numa receção no Palácio de Belém, na quinta-feira, António Calçada de Sá foi condecorado com a Grã Cruz da Ordem do Mérito.
Angola e Portugal constroem pontes de futuro
João Lourenço e Marcelo Rebelo de Sousacréditos: Conselho da Diáspora Portuguesa
"A Europa poderia tirar um melhor proveito, no sentido de serem retiradas vantagens mútuas, do facto de conhecer melhor o continente africano, porque sempre esteve em África", afirmou o presidente angolano. Por vezes a União Europeia está "demasiado concentrada" em si mesma e "perde a visão do mundo", concordou o chefe de Estado português, apelando a que a UE "se vire para fora e tenha um novo empenho em África". Na Conversa entre Presidentes, que encerrou mais um EurAfrican Forum as visões de João Lourenço e Marcelo Rebelo de Sousa alinharam-se na necessidade mútua que Europa e África têm, alertando para a capacidade de aproximar ainda mais essa relação. E nessa aproximação, concordam, Portugal, pelo seu lugar na UE e na CPLP, pode desempenhar um papel fundamental, ajudando a construir pontes.
"A CPLP não é uma entidade abstrata. De cada vez que se celebram acordos bilaterais, como aqui se firmaram 11 e no ano passado 12, quando o primeiro-ministro foi a Angola, é a CPLP que está a mexer" vincou Marcelo. "Mesmo que se veja apenas quando há cimeiras, a CPLP reforçou uma empatia que se multiplica por todos os membros em áreas que vão da economia à cultura, passando pela área social, e que a projeta no mundo, assumindo uma influência essencial nos respetivos continentes."
Numa altura em que o investimento chinês no continente cresce, João Lourenço lembrou que a presença chinesa é muito mais recente do que a europeia: "A Europa está em África há cinco séculos, a China chegou há poucas décadas, por isso o velho continente deveria tirar maior partido dessa vantagem", nomeadamente afirmando-se no âmbito do investimento em infraestruturas de que África precisa para alcançar a ambição da Agenda 2063. Até porque, realçou, haver investimento chinês não invalida que exista também europeu — e a Europa também tem muito a ganhar com esse investimento, dado o potencial de desenvolvimento energético, agrícola e demográfico que África pode representar, respondendo aos grandes desafios europeus. Com um continente em que a idade média se fixa nos 18 anos e há muitos desenvolvimentos infraestruturais urgentes, investir na região é não apenas ajudar África e resolver desafios atuais da Europa, mas também evitar maiores problemas futuros. "Se tiverem condições nos seus países, estes jovens não vão emigrar à procura de uma vida melhor", lembrou o presidente.
A Europa "pode fazer mais e melhor em África", concorda Marcelo Rebelo de Sousa, apontando a "cooperação inevitável" entre os dois continentes em áreas como o digital, a alta tecnologia ou a transição energética e ambiental. "Porque é que a Europa demora tanto tempo a perceber coisas que são óbvias? Porque a Europa tem-se formado aos bocadinhos e com uma atenção muito grande à geopolítica interna", lembrou o Presidente português, realçando que, numa altura em que a "moda parece ser não o multilateralismo mas o fechamento", estas cimeiras que ligam as regiões são fundamentais para a Europa perceber melhor a importância das parcerias com África e a relevância que tem "na balança de poderes mundiais".
Investimento europeu lidera em ÁfricaEurAfrican Forum 2025créditos: Conselho da Diáspora Portuguesa
Contrariamente à perceção comum, a China está longe de ser o principal investidor em África, ainda que o stock de Investimento Direto Estrangeiro de Pequim no continente tenha quase duplicado nos últimos dez anos, para 42 mil milhões de dólares (cerca de 36 mil milhões de euros). O valor global aproxima-se do stock americano de IDE em África, que se fixou em 2023 (últimos valores disponíveis) nos 56 mil milhões (cerca de 49 mil milhões de euros), mas está bem longe dos números europeus. Com um stock de IDE a rondar os 239 mil milhões de dólares (cerca de 207 mil milhões de euros), a União Europeia continua, de facto, a ser o maior portador de investimento ao continente africano.
E a tendência tem sido de expansão, conforme reafirmaram os líderes europeus já neste ano, reforçando o compromisso de apoio ao Corredor do Lobito, infraestrutura de caminho-de-ferro que pretende conectar a região central da África — incluindo a República Democrática do Congo (RDC) e a Zâmbia — ao Atlântico, a partir do porto do Lobito, em Angola. Só para a formação profissional no Corredor, a União Europeia assinou com Luanda um acordo de 43 milhões de euros, com um total de 173 milhões, dos 600 milhões de euros destinados à infraestrutura a ser canalizados diretamente para Angola, contribuindo para a diversificação económica e a criação de empregos, bem como para a aração de empresas ao país.
Mas esse é apenas um investimento. Uma parte central da visão UE-África é o pacote de investimentos Global Gateway, através do qual a União Europeia decidiu apoiar a ambição comum para 2030 com um pacote de investimentos de pelo menos 150 mil milhões de euros, cujo objetivo é "impulsionar investimentos sustentáveis com base nas prioridades e necessidades dos países africanos". Conforme explica Bruxelas, entre as principais áreas de investimento estão as infraestruturas digital e de transportes, a saúde, a educação e desenvolvimento de competências, as mudanças climáticas e meio ambiente e a criação de empregos para a crescente população jovem da África.
Só no ano passado, o IDE na região disparou 75% relativamente ao ano anterior, com o World Investment Report da UNCTAD (unidade de Comércio Global das Nações Unidas) a apontar um valor de investimento recorde na ordem dos 97 mil milhões de dólares (84 mil milhões de euros), equivalente a 6% do IDE global (sobretudo motivado por um mega projeto de desenvolvimento no Egito).
E a adaptação de programas europeus tem vindo a demonstrar uma atenção especial às necessidades de desenvolvimento regionais. Se historicamente o IDE europeu na região tem tido como principal foco áreas que vão das indústrias extrativas, ao setor agroalimentar, obras públicas e serviços, uma diversificação gradual tem-se verificado, direcionada para outros setores. Exemplo disso foi o primeiro acordo de facilitação de investimentos sustentáveis da UE com um país africano, assinado em março de 2021 com Angola para "facilitar a atração e a expansão de investimentos", ao mesmo tempo que visa a integração de compromissos ambientais e direitos laborais na relação entre a Bruxelas e Luanda.