A norte das fronteiras do Canadá, Europa e Ásia, ou seja, em pleno Oceano Ártico, assiste-se a uma situação penosa. O gelo que existe no Polo Norte está a diminuir a cada ano que passa, devido às alterações climáticas.

«Ver para crer». Esta expressão tem origem no Novo Testamento dos cristãos, em cujas linhas se pode ler a história do apóstolo Tomé e da enorme dúvida que tinha quanto à ressurreição de Jesus. Esse ceticismo teve um fim assim que este último surgiu perante Tomé, indica a Bíblia.

Atualmente, existe um vasto consenso científico em relação às alterações climáticas, a sua origem – as atividades humanas – e os seus nefastos efeitos futuros. Para reforçar este consenso foram igualmente importantes as imagens da Terra, obtidas a partir do espaço, captadas pelos satélites de observação do programa LANDSAT, coordenado pela NASA.

Recentemente, a agência espacial norte-americana publicou um conjunto de imagens assentes em dados obtidos por estes satélites entre 1990 e 2021. O seu alvo? O gelo do Oceano Ártico.

Tal como explica a NASA, a quantidade de gelo que aí existe varia ao longo do ano: atinge o seu pico no mês de março, no inverno, mas no verão derrete-se em grandes quantidades, chegando ao mínimo durante o mês de setembro.

O que mudou desde 1990? Nas imagens que se seguem podemos ver uma simulação da quantidade de gelo que foi detetada entre setembro de 1990 e março de 1994. À esquerda, e em cada quadro, podemos ver as áreas com gelo (a branco) quando este atinge o seu mínimo no Ártico; à direita surge representado até onde foi o pico de formação de gelo durante o inverno. Quanto mais gelo existe numa área, maior a sua tonalidade de branco. O contorno a amarelo, que aparece em cada imagem, representa a média da extensão de gelo que se observou entre 1981 e 2010 (para servir de comparação). O círculo branco, que às vezes se vê, é uma mera indicação de que ali está situado o polo norte geográfico da Terra.

setembro de 1990 e março de 1991 NASA Earth Observatory
setembro de 1991 e março de 1992 NASA Earth Observatory
setembro de 1992 e março de 1993 NASA Earth Observatory
setembro de 1993 e março de 1994 NASA Earth Observatory

Se compararmos o que vimos em cima com os quadros que se seguem, onde se mostra a variação da concentração de gelo entre setembro de 2017 e março de 2021, o contraste é evidente.

setembro de 2017 e março de 2018 NASA Earth Observatory
setembro de 2018 e março de 2019 NASA Earth Observatory
setembro de 2019 e março de 2020 NASA Earth Observatory
setembro de 2020 e março de 2021 NASA Earth Observatory

Vamos aos factos. As imagens obtidas a partir de 1990 – e que podem ser todas visualizadas, em formato de filme, se clicar aqui –, revelam que a taxa de declínio do gelo “acentuou-se no século XXI", informa a NASA. Mais concretamente, a partir de setembro de 2002 os níveis de gelo foram sempre caindo, batendo recordes mínimos.

“Ciclos de variabilidade natural, como é o caso da Oscilação Ártica, são conhecidos por desempenhar um papel na extensão do gelo no Ártico. Contudo, este declínio acentuado não pode ser explicado apenas pela variabilidade natural. A variabilidade natural e o aumento das temperaturas globais trabalharam juntos para derreter grandes quantidades de gelo nas águas do Ártico”, salienta a agência espacial. O caso é mesmo preocupante, até porque alguns modelos climáticos “preveem um Oceano Ártico sem gelo durante, pelo menos, uma parte do ano, isto até ao final do século XXI”.

Uma onda de calor infernal a oeste e o Ártico a derreter a norte. O Canadá já não sabe para onde se virar

O degelo do Ártico é apenas um sintoma do que está a acontecer ao globo devido às alterações climáticas. Que o diga o Canadá, pois os olhos desta nação não estão só fixados no que está a acontecer nas águas do Ártico que banham o seu território.

A região oeste da América do Norte tem sido fustigada, desde o dia 27 de junho, por uma onda de calor sem precedentes nesta parte do globo. Só no Canadá, o país mais afetado por este fenómeno meteorológico extremo, a temperatura chegou aos 49,6 graus Celsius na aldeia de Lytton, no distrito da Columbia Britânica. Um valor recorde, ocorrido a 29 de junho, e que poucos poderiam imaginar que ocorresse tão cedo, pois a máxima anterior, cifrada nos 45 graus Celsius, data de… 5 de julho de 1937.

Na segunda metade do século XX, o valor mais alto em solo canadiano foi de 36,7 graus Celsius, em 1976. A anterior maior temperatura registada durante este milénio ocorreu em 2004, com a marca de 36,5 graus Celsius. Entretanto, e durante esta recente onda de calor, as províncias do Quebeque (40 graus) e dos Territórios do Noroeste (39,9 graus) foram igualmente afetadas por temperaturas extremas.

A vaga de ar quente, que também atingiu o noroeste dos Estados Unidos da América, terá causado no distrito da Columbia Britânica, só nos primeiros cinco dias, um número anormalmente elevado de mortes: segundo as autoridades canadianas, faleceram 486 pessoas nesse curto espaço de tempo, quando a média, numa situação normal, é de 165.

Para piorar tudo, intensos e descontrolados incêndios estão a devastar as zonas do Canadá afetadas por este fenómeno meteorológico.

O que causou esta onda de calor? A crer nos especialistas, e tal como refere a BBC, a culpa é de uma bolha de “ar quente estático de alta pressão que se estica da Califórnia aos territórios do Ártico”. Apesar de, nos últimos dias, as temperaturas terem diminuído junto às áreas costeiras, nas regiões mais interiores o calor abrasador parece não querer abrandar, por agora.

Imagem da NASA em que as temperaturas anómalas de 27 de junho de 2021, na costa oeste da América do Norte, são comparadas com a temperatura média registada entre os anos de 2014 e 2020 desse mesmo dia. As regiões mais vermelhas do mapa correspondem às zonas onde as temperaturas mais variaram e subiram, durante o primeiro dia da onda de calor NASA Earth Observatory

Conforme relata o Washington Post, e a crer nos especialistas que contactou, a intensidade desta onda de calor “é tão rara, estatisticamente, que só pode ser esperada uma vez a cada vários milhares de anos, em média”. Todavia, acrescenta o diário norte-americano, as alterações climáticas provocadas pelas atividades humanas aumentaram, e muito, a probabilidade destes eventos excecionais e extremos ocorrerem.

Sim, tudo parece indicar que estamos perante mais uma das consequências das alterações climáticas. Tal como refere a revista Scientific American, as altas temperaturas que estão a varrer o oeste da América do Norte são geradas por altas pressões atmosféricas. Estas, por sua vez, têm uma muito maior probabilidade de ocorrer quando há uma maior atividade de ciclones tropicais no Oceano Pacífico. Ora bem, é precisamente devido às alterações climáticas que a água dos oceanos está cada vez mais quente, pelo menos à superfície, tornando mais frequentes e intensos os ciclones tropicais que aí nascem.

Em suma. Estamos perante uma complexa cadeia de eventos que, catalisados pelo aumento da temperatura média global, está a fomentar fenómenos climáticos extremos para o qual a humanidade parece ainda não estar preparada para lidar.