O radiotelescópio do Observatório de Arecibo, um instrumento científico do tamanho de um vale que também é monumento histórico, foi cenário de filmes do James Bond (GoldenEye, 1997) e de ficção científica (Contacto, no mesmo ano). Foi usado em séries de televisão como os Ficheiros Secretos, na literatura e em variados videojogos. Em 1963 começou a olhar para além da estratosfera terrestre e durante muito tempo ocupou o imaginário de cientistas, artistas e de quem sonhava falar com extraterrestres.

Este instrumento foi o maior do seu género até 2016, quando entrou em operação o dantesco radiotelescópio chinês FAST (Five-hundred-meter Aperture Spherical radio Telescope), com os seus impressionantes 500 metros de diâmetro. O disco do Observatório de Arecibo é um mosaico composto por cerca de 39 mil painéis de alumínio, cada um com dois metros de comprimento e um de largura, a que se junta um recetor de 900 toneladas suspenso a 150 metros do centro do disco, tudo suportado por uma malha de grossos cabos de aço.

A situação em que neste momento se encontra é crítica. A 7 de novembro foi outra vez vítima de um acidente aparatoso, quando um dos principais cabos que o sustenta – no total são 12 – se partiu e destruiu parte do disco. Esta ferida surge pouco depois de ter sofrido, a 10 de agosto e igualmente no disco, um enorme rasgão de 30 metros causado pela quebra e queda de um cabo auxiliar, de 13 centímetros de espessura, responsável por suportar a plataforma que tem o recetor. Em setembro de 2017, o furacão Maria já tinha causado alguns danos menores.

De acordo com a revista Science, os investigadores do observatório estão preocupados com o aumento da tensão nos restantes cabos, o que poderá levar a um conjunto de falhas em efeito de dominó que culminem na queda do pesadíssimo recetor sobre o disco. A Universidade da Florida Central, que lidera o consórcio que gere o radiotelescópio, já tinha pedido em outubro uma soma de 10,5 milhões de dólares ao seu dono, a Fundação Nacional para a Ciência dos EUA, para fazer as reparações necessárias.

O problema é que o Observatório de Arecibo tem sido afetado, nos últimos 15 anos, por constantes cortes orçamentais da parte do Governo dos EUA, que é, na prática, quem dá o dinheiro, e há dez anos que corre o risco de encerrar portas. Todavia, a torneira de dólares acabou por não fechar, devido à mobilização da comunidade científica. Neste momento, o orçamento anual ronda os 12 milhões de dólares, estimando-se que a partir de 2022 apenas dois milhões desse bolo venham dos cofres do Estado.

Observatório de Arecibo, antes dos danos que sofreu, com a plataforma que tem o receptor no topo e ao centro
Observatório de Arecibo, antes de ficar danificado, com a plataforma que tem o receptor no seu topo Arecibo Observatory

Descobertas científicas de fazer abrir a boca… e que podem salvar a nossa vida

Pormenor importante. Em radioastronomia, ‘observar’ um corpo celeste ou um fenómeno astronómico significa que se está a usar ondas de rádio para analisar as radiações eletromagnéticas que emitem ou refletem, explicando de forma rudimentar. Ou seja, aqui não há imagens para analisar, como os que são obtidos por telescópios óticos, apenas sinais, mas estes sinais são responsáveis por algumas das maiores descobertas em astronomia, daí que os radiotelescópios sejam tão fundamentais

O Observatório de Arecibo fez história por variados motivos. Em abril de 1964 descobriu que a órbita de Mercúrio em torno do Sol – de todos os planetas que giram em seu torno é o que tem um trajeto que mais se assemelha a uma elíptica – dura quase 88 dias, em vez dos 59 que antes se estimava.

Forneceu a primeira evidência concreta de que as estrelas de neutrões existem mesmo, objetos estelares que giram em torno de si a velocidades incríveis enquanto libertam feixes de partículas, o que os torna semelhantes a um farol: é por isso que são conhecidos como pulsares. Basicamente, o Observatório de Arecibo verificou que os feixes emitidos pelo Pulsar do Caranguejo dão 30 voltas completas a cada segundo, mais especificamente, esta estrela de neutrões gira uma vez a cada 33 milissegundos.

Em 1974 permitiu a dois investigadores que descobrissem o primeiro pulsar binário, duas estrelas de neutrões que rodam uma em torno da outra, como se fossem um par de dançarinos. Este feito valeu-lhes o Nobel da Física de 1993.

Novo recorde em 1982, quando se deu de caras com um pulsar que perfaz 642 rotações por segundo, o PSR B1937+21 – é o seu nome científico, com a sigla PSR a significar pulsating star (estrela pulsante). Até então, não se pensava que seria possível a um pulsar girar tão rápido sobre si.

Os três primeiros planetas extrassolares a serem encontrados orbitam o PSR B1257+12, um pulsar detetado em 1989 a partir do radiotelescópio de Porto Rico.

No mesmo ano conseguiu-se a primeira modelação (a delineação dos contornos) de um asteroide, o 4769 Castália, um objeto com mais de 150 metros de diâmetro cuja órbita intersecta a da Terra, existindo uma probabilidade de poder vir a chocar com o nosso planeta. Mas não se preocupe, a sua órbita para as próximas centenas de anos está calculada, com base na informação sobre a sua morfologia, e não há perigo algum para nós: passará relativamente 'perto' da Terra a 27 de agosto de 2080, a uma distância de dez mil quilómetros. Um exemplo de como os sensíveis feixes de radar do Observatório de Arecibo, emitidos para o espaço, são importantes na deteção e modelação de asteroides capazes de ser uma ameaça para a vida humana.

Junte-se, ao rol de deteções feitas no atual milénio, os sinais de moléculas prebióticas – moléculas orgânicas complexas, necessárias para a vida como a conhecemos – na distante galáxia de Arp 220, a 250 milhões de anos-luz da Terra.

ET, estás a ouvir-nos?

Números, figuras, fórmulas químicas e até a imagem rudimentar de um telescópio. Tudo isto coube numa única imagem feita a partir dos números 0 e 1 (o sistema binário, a linguagem dos computadores), enviada em 1974, pelo Observatório de Arecibo, para o espaço interestelar na forma de radiomensagem. O seu destino, a 25 mil anos luz, é a vida extraterrestre inteligente que pode estar a viver no aglomerado globular de estrelas de Messier 13, composto por centenas de milhares de estrelas situadas na constelação de Hércules – diz-se ‘globular’ porque o conjunto tem um formato esférico.

Porquê o conglomerado de Messier 13? À época, era o maior e mais próximo conjunto de estrelas que se conseguia distinguir no céu, o que levantava todo o tipo de especulação sobre que civilizações poderiam aí estar escondidas e em que ponto estaria o seu avanço tecnológico. Dito de outra forma, não existia (nem existe) qualquer tipo de garantia de que a mensagem possa ser detetada por uma civilização extraterrestre, tampouco que, a existir tal coisa, consigam perceber o que estão a receber.

O grande objetivo desta mensagem histórica passou, acima de tudo, por mostrar a engenhosidade tecnológica humana e as potencialidades do observatório, o qual tinha sido recentemente inovado com novos instrumentos.

Não obstante, o radiotelescópio de Arecibo continua a ser a peça principal do projeto SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence – Busca por Vida Extraterrestre), responsável por perscrutar a radiação eletromagnética que chega ao nosso planeta, na espectativa de nela encontrar um qualquer sinal de uma transmissão feita por civilizações de outros planetas. Atualmente, a atenção está na busca por ondas de rádio de baixa frequência, pois podem ser geradas artificialmente.