Adolescentes e jovens adultos, do sexo masculino, que tentam descobrir como podem ser genuínos para consigo próprios, ao mesmo tempo que têm de lidar com as expectativas, sociais e culturais, do que deve ser um “homem a sério”. Em causa estão as mensagens, vindas de tantos quadrantes das suas vidas, que os encorajam a desconectar-se das suas emoções, a desvalorizar exibições de autêntica amizade e a objetificar as mulheres, ao ponto de as inferiorizar. Uma luta interior que tem como contexto uma definição estreita, tóxica, do que é a masculinidade e a pressão para viver em conformidade com ela. Eis a premissa de The Mask You Live In (traduzível para ‘A Máscara Com Que Vives’), documentário norte-americano, lançado em 2015, que ampliou a discussão pública sobre este problema nos Estados Unidos. 

O que sucederá a esta geração quando forem mais velhos, que tipo de ideias e comportamentos irão manifestar? Eis uma das dúvidas que a longa-metragem suscita.

Todavia, a problemática em torno da validação de determinados ideais de masculinidade (visões que são construídas pelos média, os grupos de amigos ou personalidades com poder de influência), não se fica pelo sexo masculino, sendo mais abrangente e complexa.

Recentemente, dois investigadores da Universidade Estadual da Pennsylvania, nos EUA, verificaram que tanto homens como mulheres, em Terras do Tio Sam, subscrevem aquilo a que o seu estudo, publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, chama de “masculinidade hegemónica”, ou seja uma “forma culturalmente idealizada de masculinidade” em que os homens devem ser, e mostrar que são, fortes, duros e dominantes.

Mas o pormenor mais importante, inclusive se tivermos em conta os recentes acontecimentos na América, é que a investigação também concluiu, com base em sete diferentes inquéritos realizados a 2007 pessoas, que quem endossa (consciente ou inconscientemente) a masculinidade hegemónica mostra-se mais propenso a votar e a ter sentimentos positivos em relação a Donald Trump. Aliás, a masculinidade hegemónica tem mais peso, quando se trata de apoiar Trump, do que outras variáveis, como a filiação partidária, o género, a etnia, grau de escolaridade ou o nível de confiança no Governo, indica a investigação.

Além do mais, e sem fugir ao que outras análises já tinham concluído, a masculinidade hegemónica surge associada a um maior sexismo, racismo, xenofobia, homofobia e islamofobia.

Segundo Nathaniel Schermerhorn, um dos co-autores do estudo, apesar de os EUA parecerem estar preparados para ter uma mulher presidente, os resultados publicados sugerem que, até se chegar a esse dia, talvez tenha de ocorrer, no seio da sociedade norte-americana, uma clara rejeição da masculinidade hegemónica.

“Existe uma disseminação da masculinidade hegemónica porque nem sempre sabemos que as nossas atitudes e comportamentos estão a contribuir para isso”, explica no comunicado de imprensa emitido pela Universidade Estadual da Pennsylvania. “O sucesso da campanha [eleitoral] de Donald Trump em 2016 mostra que, apesar de termos feitos progressos a afirmar que a discriminação e o preconceiro são indesejáveis, não questiónamos, enquanto sociedade, as formas sistémicas como esses preconceitos são mantidos”.

O mundo da política é um mundo de homens, e nos EUA isso não é excepção, daí que, frisam os pesquisadores envolvidos no estudo, as campanhas políticas costumam dar maior destaque a características que, culturalmente, identificamos como sendo masculinas, junto do eleitorado, indo à boleia do estereótipo de que isso é sinónimo de competência e habilidade para exercer cargos com poder político.

Voltando a 2016, quando Donald Trump concorreu contra Hillary Clinton para chegar à Casa Branca, o então candidato do Partido Republicano não pareceu ter problema algum em manifestar atitudes sexistas para com a sua rival, tampouco com outras mulheres, como jornalistas que lhe faziam perguntas difíceis ou desconfortáveis. Ao mesmo tempo, sempre se ‘vendeu’ ao eleitorado, seja na qualidade de candidato ou de presidente, como um ‘durão’, alguém poderoso, um homem de negócios de sucesso, sem paciência para o politicamente correto de políticos ou ativistas ‘flocos de neve’ (snowflake, em inglês), uma expressão, com fins pejorativos, usada para transmitir uma ideia de feminilidade em relação a adversários, especialmente do Partido Democrata.

“Na América contemporânea, as formas idealizadas de masculinidade sugerem que os homens devem ter muito poder, status e capacidade de dominação”. começa por salientar Theresa Vescio, a outra autora da pesquisa, no texto de imprensa. “Mas este é um padrão de exigência incrivelmente alto, que poucos podem alcançar ou manter. Logo, é um ideal que muitos homens se esforçam para alcançar mas que poucos, efetivamente, exibem”.

Se tivermos em conta que a masculinidade hegemónica está entranhada nas instituições políticas e sociais dos EUA, como aponta Nathaniel Schermerhorn, então é de esperar que as pessoas internalizem este status quo como sendo algo benéfico para elas, mesmo quando não é.

E é precisamente neste último ponto que a toca do coelho aprofunda-se — como no livro Alice no País das Maravilhas —, levando-nos por outros caminhos, até outras realidades que pareciam escondidas. Embora exista uma correlação entre a masculinidade hegemónica e uma maior probabilidade de votar em Trump, isso não implica, necessariamente, que exista um sentimento negativo em relação a candidatos democratas, aponta Schermerhorn: ou seja, a masculinidade hegemónica pode também estar associada ao desejo de manter o status quo, garantir que tudo fique na mesma, socialmente e culturalmente, por exemplo.