Além do preço muito alto a pagar, o investigador aponta ao SAPO algumas das hipóteses que se levantam com esta guerra, desde a possibilidade de virmos todos a aprender algum treino militar básico, como já acontece na Finlândia ou Suíça, à forma como a NATO e União Europeia se têm posicionado.

Numa época em que estamos habituados a outro tipo de exigências nos Orçamentos de Estado, em que lugar fica agora o investimento em defesa e a nossa capacidade enquanto civis de nos armarmos e lutarmos pela nossa liberdade?

Qual o impacto que a Guerra na Ucrânia tem tido nos portugueses?

Os europeus não estão habituados à guerra nesta escala, que não vivíamos no nosso continente desde 1945. E o impacto vai ser grande. Portugal permaneceu neutro durante a Segunda Guerra Mundial, mas não deixou de sofrer com a forte subida dos preços e até a escassez de alguns produtos e alimentos por causa da guerra económica global.

"Deixar esta invasão passar sem a Rússia de Putin pagar um preço muito elevado, seria um perigoso encorajamento a novas agressões armadas"

A história não se repete, mas estamos novamente numa guerra económica com impacto global e já estamos a ver uma forte subida dos preços, por exemplo, da energia e dos alimentos. Temos de estar dispostos a pagar um preço pela defesa da liberdade. Deixar esta invasão passar sem a Rússia de Putin pagar um preço muito elevado seria não só errado face aos nossos valores, mas também um perigoso encorajamento a novas agressões armadas deste tipo.

Mas é fundamental, e tem de ser feito ao nível da União Europeia para ter mais eficácia, que rapidamente se desenvolva uma resposta em grande escala para atenuar os piores efeitos para nós desta guerra económica, que pode ser prolongada. As guerras são caras, e na Segunda Guerra Mundial os principais Estados tiveram de recorrer muito a dívida de guerra. A UE fez isso para responder à pandemia, devia fazer isso para responder a esta guerra. É claro que o tempo não abunda e não se ganha esta guerra económica com a falência de empresas na Europa.

Faz sentido pensar num regresso do serviço militar obrigatório?

Quanto ao serviço militar obrigatório, ele foi retomado por alguns, poucos, países europeus vizinhos da Rússia. Mas é significativo que o tema tenha regressado, embora, tanto quanto sei, nenhum partido defenda, para já, esta opção para Portugal. Temos, em todo o caso, de ter a noção de que as Forças Armadas atuais precisam sobretudo de profissionais altamente treinados, e isso não se consegue com um serviço militar obrigatório que dá quantidade e não qualidade, e terá sempre de ser de duração limitada.

Pode ser que se veja pela Europa o desenvolvimento de um modelo miliciano do tipo da Finlândia ou da Suíça com algum treino militar básico para toda a população. E podemos debater isso também em Portugal em termos de custos e benefícios seja ao nível militar, seja até cívico. Não tenho uma resposta firme, exceto dizer que o simples regresso ao modelo anterior de serviço militar obrigatório não me parece acertado.

Em que pé ficam instituições como a NATO? Um inimigo comum traz um reforço desta aliança? Como considera que tem sido a reação da opinião pública dos Estados-membros sobre a postura da aliança neste conflito? 

Creio que o regresso da guerra à Europa numa escala que não víamos desde o fim da Segunda Guerra Mundial com esta invasão de Putin à Ucrânia, depois de meses de mentiras da parte do Kremlin, ajudou a maioria das pessoas a perceber como é vital para a segurança de países como Portugal fazer parte de um sólido sistema de alianças. Não existe melhor garantia de segurança contra uma agressão do que o Art. 5 do tratado fundador da NATO que diz que a agressão a um país membro é um ataque a todos.

É fundamental que a Aliança Atlântica esteja à altura do desafio de defender a segurança dos países membros na linha da frente da agressão do Estado russo. E realmente não se via tão grande coesão entre os Aliados desde o início da Guerra Fria, quando o Exército Vermelho de Estaline ocupava metade de uma Europa arruinada e ameaçava a outra metade. Nada como um exército à porta para por de lado divisões e tensões secundárias.

créditos: Dimitar DILKOFF / AFP

Tem-se falado na criação de um exército europeu. Considera uma boa hipótese? De que forma este poderia ser compatível com a NATO e com o nacional?

Creio que esse conceito do exército europeu cria alguma confusão. Ninguém entre os líderes europeus defende o fim das Forças Armadas dos 27 Estados-membros. Isso seria sempre muito complicado e especialmente arriscado no momento atual. Esta não é altura de refazer tudo.

O que é fundamental é aumentar a coordenação no investimento em defesa. Os estados europeus já gastam mais de 200 mil milhões de euros em defesa face, por exemplo, aos 61 mil milhões da Rússia. A Europa só é ultrapassada em investimento na defesa pelos EUA e a China, mas faz isso de forma pouco eficaz, muito fragmentada entre os 27. É por isso que, sobretudo desde 2014, se vem desenvolvendo, com a coordenação da Agência Europeia de Defesa, um esforço de investimento mais coordenado e até em projetos colaborativos.

"Terá de se apontar para capacidades novas como drones, ciberdefesa ou espaço"

Também pela primeira vez no atual orçamento da União Europeia passou a haver fundos para a defesa – 7,9 mil milhões euros. Creio que tudo isto terá de ser reforçado e sobretudo terá de se apontar para capacidades novas como drones, como ciberdefesa, como o espaço, ou outras em que ainda há lacunas importantes. A este nível, há já uma coordenação grande entre a NATO e a UE, que deve ser reforçada.

Com a NATO a ser sobretudo financiada pelos EUA, e a Alemanha a dizer que aumentará o PIB na Defesa de forma a cumprir o Compromisso de Gales com os 2% do PIB, como pensa que este aumento na despesa vai ser visto pela opinião pública portuguesa?

Há duas questões distintas. O financiamento do orçamento da organização da Aliança Atlântica propriamente dita é assegurado de acordo com regras claras por todos os 30 Estados-membros tendo em conta o seu nível de riqueza. E aí por exemplo a Alemanha contribui o mesmo que os EUA (cerca de 16%). Aquilo que geralmente se critica é a assimetria de investimento em defesa, com os EUA a serem responsáveis por cerca de 70% do total da despesa em defesa da Aliança e a gastarem mais de 3% do PIB, face aos demais Estados-membros a serem responsáveis por 30% e apenas 1/3 a atingirem os 2% que todos se comprometeram a atingir até 2025.

Apesar de tudo, vale a pena repetir que na sequência da ocupação militar russa da Crimeia, em 2014, houve um compromisso no sentido do reforço do investimento em defesa, e desde então os serviços da NATO avaliam anualmente esse esforço e apontam para um reforço em todos os Estados-membros da Europa e também em Portugal.

"A despesa em defesa é um seguro contra todos os riscos, e que este esforço deve ser intensificado"

Um estudo de julho do ano passado, do Instituto de Defesa Nacional, Instituto de Ciências Socais e Instituto Português de Relações Internacionais, mostrou que a maioria dos portugueses consideravam que o mundo se estava a tornar mais perigoso e mostravam alguma disponibilidade para reforçar o investimento em defesa. A dificuldade, em Portugal como em qualquer país, é conciliar esse investimento, com outras prioridades do Estado. Mas creio que ficou claro com a importância da Forças Armadas na resposta à pandemia, e agora com esta invasão, que a despesa em defesa é um seguro contra todos os riscos, e que este esforço deve ser intensificado.

No que diz respeito à União Europeia, parece que a diplomacia terá falhado. Considera que há uma quebra de confiança na diplomacia desta instituição ou, por outro lado, esta também pode sair reforçada?

Tem-se insistido muito na aversão que Putin tem à NATO, mas a verdade é que não tem menos receio da União Europeia. O autocrata russo sabe como foi importante na falência das ditaduras comunistas a atração que a prosperidade da Europa livre teve nos povos da Europa Central e de Leste. A verdadeira origem da revolta popular de Euromaidan de 2013/14 foi Putin ter forçado o presidente Yanukovic – que era pró-russo, e não queria a Ucrânia na NATO ou na UE – a por de lado um acordo de associação com a União Europeia. Esse acordo estava a dias de ser assinado e ia reforçar as relações económicas da Ucrânia com o resto da Europa e foi isso que provocou uma explosão popular em Kiev e acabou com a fuga de Yanukovic, e, em retaliação, a ocupação russa da Crimeia.

A UE representa 16% da economia mundial – mais ou menos a par da China e dos EUA – e é o principal parceiro comercial da Rússia. É isso que torna as sanções lançadas contra a Rússia de Putin tão poderosas. A UE é, por isso, fundamental na guerra económica contra a agressão russa. E mais uma vez vimos um reforço da coesão entre os 27 Estados-membros face a esta ameaça.

Ao mesmo tempo, é verdade que a Europa não pode ficar desarmada num mundo em que cada vez mais temos crises militarizadas, e as grandes potências têm aumentado muito o seu investimento em defesa. Há um esforço, que vem pelo menos desde 2014, para reforçar e coordenar a defesa europeia, mas que tem de ser muito acelerado e intensificado para a União Europeia ser um ator credível no mundo mais perigoso em que vivemos hoje.