A investigação feita por Tütken e os seus colegas será apresentada durante a Conferência Goldschmidt deste ano, que decorre de 4 a 9 de julho (virtualmente), a principal conferência internacional sobre geoquímica e assuntos relacionados, organizada pela Associação Europeia de Geoquímica e a entidade sem fins lucrativos Geochemical Society.

A questão é que os dentes de tubarão com milhões de anos, conforme explica em comunicado de imprensa a organização da conferência, foram encontrados onde menos se podia esperar. O depósito de sedimentos arqueológicos em que descansavam, situado numa milenar zona urbana, data de há 2900 anos (período da Idade do Ferro), pouco depois de a cidade ter sido conquistada pelos hebreus.

“Estes fósseis não estavam no seu local original, pelo que foram movidos de outro sítio. Provavelmente eram valiosos para alguém, só não sabemos o porquê, ou porque objetos similares foram encontrados em mais do que um local [arqueológico] de Israel”, salienta Tütken no mesmo texto destinado aos média.

Basicamente, os dentes de tubarão foram encontrados no meio de entulho que foi usado há cerca de três milénios para preencher as fundações de uma casa típica da Idade do Ferro. Entre os sedimentos que escondiam os fósseis estavam, misturados com eles, ossos de peixe que foram deitados para o lixo na mesma altura, alem de fragmentos de cerâmica, pelo que, inicialmente, os arqueólogos não deram conta de que ali estaria algo de extraordinário.

Um dos dentes fossilizados de tubarão encontrado em Wadi Hilweh. O seu antigo dono nasceu há 80 milhões de anos. Omri Lernau

Só mais tarde, quando se preparavam para publicar o texto com a descoberta científica, é que um dos revisores do artigo suspeitou que um dos dentes só poderia ter vindo de um grupo de tubarões que viveu durante o período do Cretáceo Superior, na mesma altura que os dinossauros andavam pela superfície terrestre. Este grupo de tubarões, pertencentes aos do género Squalicorax (e que mediam entre dois a cinco metros], desapareceu por completo dos oceanos há 66 milhões de anos, quando um asteroide caiu na Terra e provocou uma extinção em larga escala dos seus seres vivos, incluindo os dinossauros.

A equipa de investigadores internacionais que fez o achado, liderada por Thomas Tütken, teve de voltar à mesa de amostras para tirar a limpo a suspeita levantada. Após analisarem o material orgânico dos dentes encontrados em Wadi Hilweh, assim como os elementos que os compunham e o seu nível de cristalinidade, conseguiram confirmar que estavam perante fósseis de dentes de tubarão.

O passo seguinte passou por descobrir a idade destes fósseis, algo possível através do método de datação por isótopos de estrôncio – elementos que são variantes do átomo de estrôncio, com massa diferente, mas dotados da mesma carga elétrica. Em resumo, o grupo de cientistas analisou a quantidade destes isótopos radioativos que ainda existia nos fósseis (são radioativos porque têm um excesso de energia nuclear, o que os torna instáveis), sendo que, com o passar do tempo, eles decaem (por via da perda de energia) e transformam-se noutros átomos mais estáveis. Ou seja, medindo a quantidade de isótopos de estrôncio que ainda subsistem consegue-se determinar a idade. Conclusão? Os dentes tinham 80 milhões de anos.

Não há provas que determinem o motivo para estes artefactos estarem ali reunidos, mas os investigadores especulam que fizesse parte da coleção de alguém, pois juntamente com os sedimentos em que estavam os fósseis foram encontradas centenas de bullae, bolas redondas e ocas de argila que eram antigamente usadas para selar cartas confidenciais ou objetos. Pode existir aqui, portanto, uma possível conexão com pessoas que pertenciam à classe administrativa ou governativa.

De onde podem ter vindo, originalmente, os fósseis? “Possivelmente do [deserto] de Neguev, que fica, pelo menos, a 80 quilómetros de distância, e onde fósseis similares foram encontrados”.

Não é para admirar. Este enorme e árido deserto esteve coberto, durante o período Cretáceo, pelo chamado mar de Tétis, o qual, acredita-se, separava as duas grandes massas continentais que então existiam – a Laurásia (a norte) e Gondwana (a sul). Estima-se que há entre 66 e 90 milhões o mar de Tétis desenvolveu condições especiais que o tornaram extremamente rica em nutrientes, levando a surgimento em massa de algas, o que atraiu muitos animais, desde peixes a tubarões, passado por repteis marinhos. Assim se explica os fósseis de tubarões que agora existem no Neguev, uma 'recordação' do que ali existia noutras épocas.

Imagem idealizada de duas espécies de tubarão do género Squalicorax, extinto no final do Cretáceo. Dmitry Bogdanov

A teoria do grupo de investigadores, com base nos resultados que depois publicaram no jornal científico Frontiers in Ecology and Evolution, é a de que “os dentes foram reunidos por colecionadores”, frisa Tütken no comunicado de imprensa. “Não há marcas de desgaste que possam mostrar que foram usados ​​como ferramentas, e não há furos para indicar que possam ter sido joias. Sabemos que ainda hoje existe um mercado para os dentes de tubarão, logo, pode ser que existisse uma tendência, na Idade do Ferro, para colecionar estes objetos”, até porque aquele foi um período, para a corte sedeada em Jerusalém, em que se acumularam grandes riquezas, finaliza.

Israel é quem dá o aval a escavações arqueológicas em território anexado. O objetivo é fazer descobertas ou tentar provar o seu 'direito histórico' sobre certos locais?

Quem sai da Cidade Velha de Jerusalém, onde estão alguns dos lugares mais sagrados do judaísmo, cristianismo e islamismo, e for em direção a sudeste, chegará ao bairro de Silwan, onde vivem cerca de 50 mil palestinianos. Israel, após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, anexou esta zona, que faz parte de Jerusalém Oriental, ao estado da Jordânia: em 1980, o governo israelita tomou a polémica decisão de inserir Jerusalém Oriental, incluindo Silwan, no município israelita de Jerusalém. Um verdadeiro imbróglio, mais um para o rol de querelas que dão forma ao conflito israelo-palestiniana, até porque Israel e a Autoridade Nacional Palestiniana reclamam Jerusalém como sua capital, numa disputa que parece não ter fim.

No entanto, e segundo a lei internacional, o controlo de Jerusalém Oriental pelos israelitas vai contra o que está estabelecido pelo Artigo 49 da Quarta Convenção de Genebra, assinada em 1949 e destinada a proteger as vítimas de guerra. Israel é um dos signatários deste documento, mas o seu argumento principal é o de que as convenções internacionais não se aplicam aos territórios palestinianos, pois estes não estavam, no passado, sob a legítima soberania de um estado. Desta forma, Israel alega que o Artigo 49 não se aplica à Faixa de Gaza e à Cisjordânia, tampouco aos anexados Montes Golã e Jerusalém Oriental.

Mas, afinal, o que tem a ver isto com arqueologia? Bastante, quanto mais não seja porque o estado de Israel é acusado de usar este campo científico como forma de legitimar a ocupação das regiões habitadas por palestinianos. Se a acusação é ou não justa, essa é outra história.

Feito este breve contexto, voltemos ao bairro de Silwan e ao que se esconde debaixo dele . De acordo com arqueólogos e historiadores, a cidade de Jerusalém terá começado a ganhar forma há cerca de 3500 anos, durante o período da Idade do Bronze. O núcleo inicial, estimam alguns especialistas, fica numa das zonas de Silwan, a já referida Wadi Hilweh (que significa Vale [da Água] Doce, em árabe). O problema é que há outros peritos que contestam esta conclusão, afirmando que não há qualquer indício arqueológico de que Jerusalém tenha aí nascido. Em suma, há muitas dúvidas e pouco consenso.

Habitações palestinianas no bairro de Silwan construídas sobre antigos túmulos, datados de quando Jerusalém era a capital do Reino de Judá. Daniel Ventura

A única indicação de que aquele lugar é o berço de Jerusalém surgem nas escrituras hebraicas a que os cristãos dão o nome de Antigo Testamento, e que compõem a primeira parte da Bíblia. Segundo essas escrituras, foi no local hoje conhecido como Wadi Hilweh que os jebuseus, uma das tribos que habitavam Canaã (corresponde à atual região do Levante), fundaram a cidade. A crer em quem estuda as crónicas bíblicas, a cidade foi tomada no ano de 1000 antes da Era Cristã pelos hebreus (dos quais descendem os judeus), liderados pelo rei David, monarca do Reino Unido de Israel e Judá.

Apesar dos historiadores apontarem para a falta de dados que precisem a data em que se deu mesmo a conquista, assim como de informação fidedigna que indique quem foi mesmo o rei David – a que se juntam as dúvidas sobre se foi mesmo ali que Jerusalém surgiu –, o local arqueológico de Wadi Hilweh passou a ser conhecido, pelos atuais israelitas e pelos muitos turistas que aí se deslocam, como «Cidade de David».

Do ponto de vista arqueológico, o que salta logo à vista na zona são as infraestruturas contruídas pelos Cananeus durante a Média Idade do Bronze (entre 2000 e 1550 antes de Cristo), assim como as que foram depois edificadas pelos reis hebreus durante a Idade do Ferro (entre 1200 e 720 da mesma era). Pedaços de cerâmica, metal e outros artefactos foram igualmente encontrados nas zonas de escavação arqueológica desde o século XIX, a que se juntam os dentes de tubarão com 80 milhões de anos agora encontrados.

Jerusalém, a cidade que foi duas vezes arrasada e ocupada por quase todos os grandes impérios da Antiguidade

Uma urbe que carrega séculos em cima de si sofre sempre transformações capazes de a transfigurar quase por completo, com a ‘nova’ cidade a relegar para as suas profundezas ou para a periferia a cidade mais ‘velha’. Por exemplo, a Lisboa moderna oculta a urbe que existia e foi destruída pelo terramoto de 1755, e, debaixo desta última, ainda conseguimos encontrar as ruínas que sobram do período da dominação romana. Jerusalém, com os seus milhares de anos repletos de história e histórias, tem muitas mais camadas através das quais podemos escavar.

O que sucedeu a esta cidade após o reinado dos monarcas hebreus, os quais, é preciso relembrar, a terão conquistado a outro povo? No ano de 586 antes da Era Cristã, ou seja, há mais de 2600 anos, Nabucodonosor II, rei da Babilónia (do Segundo Império Babilónico, para sermos mais concretos), iniciou o cerco à cidade de Jerusalém, então a capital do Reino de Judá –  os reinos de Judá e Israel já não estavam unidos, à época. O ato de guerra do suserano babilónico fez parte de uma campanha militar que levou a cabo na região do Levante, para conquistar vários reinos e cidades-estado que antes tinham estado sob o domínio vassalar do Império Assírio, o qual colapsara poucas décadas antes. Uma vez tomada a cidade, o impiedoso Nabucodonosor II, decidido a estabilizar a região sob o jugo da Babilónia e a consolidar o seu império, ordenou que Jerusalém fosse destruída, e, com ela, o famoso Templo de Salomão – que, segundo a Bíblia, albergava a Arca da Aliança, o artefacto dentro o qual estava as duas tábuas de pedra com os Dez Mandamentos.

Todavia, quando Ciro, o Grande, conquistou a Babilónia em 539 antes de Cristo, fundando no processo o Império Aqueménida (o chamado Primeiro Império Persa), permitiu aos judeus, que até então viviam em exílio forçado, regressar a Jerusalém. Mesmo assim, a cidade manteve-se nas mãos dos novos conquistadores.

Após o domínio dos persas, seguiu-se a invasão dos macedónios de Alexandre, o Grande, e, mais tarde, o controlo pelo Império Selêucida. Em 139 antes da Era Comum, a dinastia dos Hasmoneus conseguiu que Jerusalém e os restantes territórios da chamada Judeia se tornassem num reino judaico e independente.

Bastou menos de um século, e aproveitando as divisões e guerrilhas entre diversas fações do judaísmo, para que Roma entrasse pelo território adentro (63 antes de Cristo) e transformasse a Judeia num protetorado do império. Foi já no século I, no ano de 70, durante a Primeira Guerra Judaico-Romana e para fazer face à revolta dos judeus, que as tropas de Roma cercaram Jerusalém, na expectativa de travarem a insurreição. Como não o conseguiram, partiram, pela segunda vez na história da cidade, para a sua destruição. Conforme relatou, à época, Flávio Josefo, historiador que nasceu em Jerusalém, mas que, depois, tornou-se num muito fiel cidadão romano, a cidade foi “completamente arrasada” e “demolida até às suas fundações”, de tal forma que “nada sobrou que pudesse convencer [os futuros] visitantes de que aquele já foi um lugar habitado”.

Pintura de 1850, da autoria do escocês David Roberts, representando o cerco e destruição de Jerusalém pelo exército romano, sob liderança do general (e futuro imperador) Tito César Vespasiano

Foi preciso esperar pelo século II para que os romanos começassem a reconstruir Jerusalém. Nos últimos 1800 anos, e para não destoar da sua história mais antiga, esta nova Jerusalém teve tantos e diferentes conquistadores: o Segundo Império Persa da dinastia Sassânida (614); os cristãos do Império Bizantino (629); várias dinastias islâmicas desde o ano de 638, intervalada pela conquista da cidade pelos Cruzados vindos da Europa, em 1099 (perderam-na, de vez, em 1244); o Império Otomano (1517); e até os britânicos, que em 1917 a controlaram sob um regime de protetorado.

Em 1948, parte da cidade de Jerusalém passou para jugo do recém-formado estado de Israel, sendo que em junho de 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, o país tomou à Jordânia a região de Jerusalém Oriental e a chamada Cidade Velha, onde se encontram alguns dos lugares mais sagrados das três religiões abraâmicas: o Monte do Templo e o Muro das Lamentações (judeus); a Basílica do Santo Sepulcro (cristãos); a Mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha (muçulmanos), sendo que nesta última, e segundo os crentes do Islão, encontra-se – debaixo da sua icónica cúpula dourada –, a rocha de onde o profeta Maomé terá subido ao Céu.