Com uma sobrevida curta, que oscila entre os dois e os cinco anos, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) não permite perder tempo. Exige uma intervenção rápida para desacelerar a evolução da doença e garantir qualidade de vida aos doentes e às suas famílias. Os adiamentos de consultas e tratamentos, devido à pandemia de COVID-19, poderá estar a tirar qualidade e esperança de vida às cerca de 70 mil pessoas que vivem com ELA em todo o mundo e aos cerca de 800 portugueses que sofrem desta doença neurológica degenerativa.

«A pouca mobilidade que tinha piorou. Faz muita falta a fisioterapia e a terapia da fala. Aprendia muitas coisas e acalmava o sistema nervoso. O convívio e o contacto com a família, amigos e as pessoas em geral também faz falta», conta-nos Fernando José Azevedo. Tem 56 anos e foi diagnosticado com ELA em 2008, quando tinha 44 anos. O Fernando tem a doença há 12 anos e é um caso atípico neste universo.

Estes últimos meses têm sido difíceis para a população em geral, mas a uma escala muito mais agravada para quem sofre de uma doença incapacitante. João Cabrita é fisioterapeuta na Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA) e viu de perto o impacto da pandemia nestes doentes: «Este período de confinamento afetou a maioria dos utentes com ELA, privando-os do acompanhamento clínico e terapêutico de proximidade, sobrecarregando ainda mais as famílias e os cuidadores que lhes dão suporte. O prejuízo maior deveu-se à imobilidade, que conduziu a um maior descondicionamento físico e motor, traduzindo-se em perdas funcionais mais rápidas. Considero, no entanto, ter sido mais prejudicial aos novos diagnósticos, que após receberem a notícia em tempo pré-COVID viram consultas de acompanhamento canceladas, sentindo-se na sua maioria perdidos e isolados, ainda sem saber reagir a uma notícia tão devastadora como é o diagnóstico desta patologia».

A suspensão de tratamentos que exigem contacto presencial, de consultas e do acompanhamento contínuo de doentes e dos seus cuidadores teve como consequências perdas físicas irreversíveis e um grande impacto psicológico sobre estes doentes e sobre os seus cuidadores informais, que continuam sem apoio do Estado, alerta a APELA, que realizou um inquérito aos seus associados para aferir os impactos que estão a sofrer nas suas vidas.

Cerca de 79% das pessoas com ELA viram as suas terapias serem suspensas em virtude da pandemia, a maioria delas (53%) por um período superior a três meses. Ainda no âmbito do período associado à suspensão das terapias, 29% das pessoas afirma ter tido um acompanhamento domiciliário durante a suspensão das terapias, por contraposição a uma maioria composta por 71% de casos que não tiveram qualquer alternativa ao acompanhamento presencial.

Para além do aspeto físico, o impacto a nível psicológico também tem sido tremendo em quem tem esta agravante na sua vida. «Este confinamento conduziu a um isolamento social, condição que considero ser umas das mais prejudiciais para qualquer processo de doença. A pessoa fica entregue a si e aos seus pensamentos, sendo mais difícil encontrar algo positivo no seu dia-a-dia, que lhe dê a força necessária para enfrentar os desafios que se vão apresentando. Na maioria dos casos, encontrei quadros depressivos, com perda de motivação e ânimo», conta João Cabrita.

Os cuidadores, também eles confinados e a tentar superar os seus próprios desafios, viram-se a braços com uma empreitada impensável. Sem apoio especializado nos tratamentos, tiveram de ser eles a assumir os cuidados que os pacientes diariamente precisam. Neste caso, o próprio Fernando Azevedo reconhece que «tem sido mais difícil porque eu ando mais nervoso, mais chato e são elas que me aturam».

Uma clausura galopante

O famoso físico britânico Stephen Hawking (1942-2018) deu protagonismo à doença, por ter sobrevivido durante décadas e ter mantido uma capacidade intelectual dinamizadora, embora aprisionada num corpo sem reação. Porque, como nos explica João Cabrita, a ELA  aprisiona: «Vai afetar todos os segmentos corporais, preservando os sentidos (olfato, visão, paladar, audição e tato) e raramente compromete o funcionamento da bexiga, dos intestinos, ou a capacidade de pensamento e raciocínio da pessoa».

Fernando tem a doença há 12 anos, o que faz dele também um caso atípico, no universo de pessoas que a APELA acompanha. Connosco partilha os maiores desafios que diz que tem enfrentando desde que lhe foi diagnosticada a doença: «Um dos maiores desafios que senti foi quando tive de deixar de trabalhar, juntamente com a minha mulher que deixou de trabalhar para cuidar de mim. Com uma reforma muito pequena, não conseguia pagar as despesas do dia-a-dia. Mais tarde, em cadeira de rodas, um grande desafio foram as acessibilidades que, à exceção de um lugar ou outro, não existem. Outro desafio foi o acesso a produtos de apoio que demoram uma eternidade a serem disponibilizados pela Segurança Social, entre outros».

Neste momento, este paciente não tem mobilidade nos membros superiores e inferiores. Mantém a fala natural, sem quaisquer alterações ao nível da disartria ou da disfagia, acede ao computador através do olhar, sobretudo para trabalhar, uma vez que integra os órgãos sociais de uma associação.

Esta doença é progressiva, rara e incurável. É considerada a terceira doença neurodegenerativa mais comum, sendo inclusive a condição neurodegenerativa mais frequente no adulto jovem. Provoca paralisia gradual, afetando a capacidade funcional da pessoa, comprometendo a fala, a deglutição, o movimento, e até mesmo a respiração.

Embora se conheçam os mecanismos de morte celular, ainda permanece por descrever a causa primária que causa a cascata de eventos que despoleta a rápida e progressiva morte neuronal, sobretudo dos neurónios motores.

Por tudo isto, «a reabertura das diversas terapias será extremamente importante, retomando-se o trabalho motor, procurando reverter, na medida do possível, as perdas ocorridas durante o surto de COVID-19, devido à imobilidade e ao desuso», reforça João Cabrita.