
Após semanas de tensão crescente, em que os Estados Unidos (EUA) chegaram a ameaçar a União Europeia (UE) com tarifas de até 30% sobre as importações europeias, eis que é encontrada a solução para evitar uma guerra comercial entre a UE e o seu principal parceiro comercial.
Washington e Bruxelas chegaram a um acordo que é "bom para toda a gente", segundo Trump, fixando as tarifas sobre produtos europeus em 15%. Apesar de não ser o que a UE procurava, Ursula von der Leyen classificou-o também como um “bom negócio” para ambas as partes.
O que significa isto?
A União Europeia almejava tarifa zero tendo proposto uma reciprocidade "zero por zero" para um regime não tarifário sobre mercadorias e, inclusive, ofereceu-se para comprar energia, tecnologia e produtos agrícolas dos EUA para pôr fim à guerra comercial lançada pelos EUA em meados de março.
A proposta acabaria por não cair nas 'boas graças' do presidente norte-americano que anunciou, antes das negociações com Bruxelas, que as tarifas sobre a maioria dos produtos da UE seriam aumentadas da base universal de 10% para uma taxa de 30% a partir de 1 de agosto, alegando que os EUA e a UE têm um dos "maiores déficits comerciais" e não conseguiram chegar a um acordo até ao prazo anterior de Trump, 9 de julho.
O braço de ferro chega agora a um fim com uma tarifa de 15% que absorverá, apartir de agosto, todas as tarifas anteriores e aplicar-se-á à maioria dos produtos. O acordo é pior do que o assinado pelo Reino Unido, que conseguiu garantir uma taxa de 10%. Ainda assim, Von der Leyen defende-o, lembrando que "esses 15% representam um limite máximo, portanto, com tudo incluído", mas, acima de tudo, garantiu que "é o melhor que conseguimos alcançar".
O setor automóvel, por exemplo, ganha um 'desconto' com esta tarifa, mas no que diz respeito aos medicamentos ou até ao aço, este acordo é mais ambíguo. Vamos aos dados?
Setor automóvel vê tarifa reduzir (mas ainda não são boas notícias)
No que respeita aos veículos, o setor verá as tarifas reduzir da base de 27,5% para 15%, em troca da eliminação das tarifas europeias. Esta tarifa será aplicada a produtos mecânicos e máquinas industriais.
De acordo com a Associated Press, o impacto poderá ser significativo para algumas empresas que têm reportado perdas milionárias no lucro no primeiro semestre do ano devido às tarifas mais altas. Ainda assim, os fabricantes mantêm-se cautelosos quanto ao futuro.
Já em relação ao aço e ao alumínio, atualmente sujeitos a uma tarifa de 50%, esta manter-se-á. Segundo Von der Leyen, será estabelecido um sistema de quotas de importação com o objetivo de reduzir as tarifas, mas não é imediato.
Além disso, Bruxelas e Washington comprometeram-se a enfrentar conjuntamente o desafio do excesso de capacidade de produção chinesa.
Medicamentos ficam com tarifa de 15%, mas até quando?
As tarifas sobre as exportações europeias de medicamentos para os Estados Unidos aumentarão de uma média de 4,8%, como na era pré-Trump, para 15%. A confirmação foi feita pela presidente da Comissão Europeia, embora admita que isto possa mudar em breve.
Von der Leyen assumiu a possibilidade de Trump tomar outras medidas para resolver a questão "globalmente".
Recorde-se que Trump chegou a dizer aos jornalistas que os produtos farmacêuticos não fariam parte do acordo pelo que a decisão agora anunciada sobre estes produtos poderá ter o tempo contado.
Aeronaves e matérias-primas críticas com tarifas zero
A proposta inicial da UE para os Estados Unidos era uma tarifa de zero por zero que não foi aceite por Donald Trump. Ainda assim, a tarifa zero sobreviveu dentro do acordo para um número limitado de produtos.
Estarão isentos de impostos em ambos os lados do Atlântico aviões e respetivos componentes (Boeing e Airbus), alguns produtos químicos e farmacêuticos genéricos, máquinas para a produção de microprocessadores, alguns recursos naturais e matérias-primas críticas, e alguns produtos agrícolas. Ainda não foram avançados mais detalhes sobre as especificidades destes produtos.
Embora reduzidas, essas isenções são significativas no que respeita, por exemplo, à produção estratégica, onde os Estados Unidos e a Europa podem cooperar para criar cadeias de abastecimento autónomas menos dependentes da China.
O objetivo, afirmou Von der Leyen, é aumentar esta lista de produtos isentos. Uma possível isenção para bebidas destiladas (mas não para vinho) estará em cima da mesa de discussão.
750 mil milhões em aquisições aos EUA
O acordo inclui também o compromisso da Europa de comprar mais produtos americanos, especialmente armas e energia. A energia - gás natural, petróleo e combustível nuclear para substituir o fornecimento de energia russo - deverá custar 750 mil milhões de dólares (aproximadamente 640 mil milhões de euros) ao longo de três anos, ou 250 mil milhões de dólares (aproximadamente 213 mil milhões de euros) anualmente.
O valor é significativo se comparado, por exemplo, com as importações de petróleo e gás dos EUA que totalizara 84 mil milhões de dólares (aproximadamente 72 mil milhões de euros) em 2024.
Além deste valor, haverá ainda um investimento de mais de 600 mil milhões de dólares (511 mil milhões de euros) nos EUA, incluindo equipamentos militares americanos, segundo avançou a BBC.
EUA são o principal parceiro comercial da UE
Os dois blocos são indissociáveis uma vez que têm a "maior relação bilateral de comércio e investimento e a relação económica mais integrada do mundo", segundo detalha um explicador no site do Conselho Europeu.
Segundo os dados publicados pela instituição europeia, juntos representam quase 30% do comércio global de bens e serviços e 43% do PIB global. Só em 2024, o valor de comércio dos dois blocos atingiu 1,68 biliões de euros. Nesse mesmo período, a UE importou 334,8 mil milhões de euros em comércio de bens provenientes dos EUA e exportou bens no valor de 532,3 mil milhões de euros para os EUA.
Os principais produtos que a UE exporta são medicamentos, veículos rodoviários e máquinas e equipamento industrial. Já em importações, dominam os produtos petrolíferos, também medicamentos, e máquinas e equipamentos geradores de energia.
Como é que Portugal pode ser atingido?
Sendo membro da União Europeia, a Portugal também será alvo da tarifa que estará em vigor para todos os Estados-membros.
Há vários setores altamente dependentes do mercado norte-americano no país. É o caso das indústrias têxtil e automóvel - onde já se temia o fecho de empresas e despedimentos -, mas, sobretudo, da indústria dos vinhos (que, em muitos casos, têm os EUA como primeiro comprador, a nível mundial).
Quais os Estados-membros da UE que mais exportam para os EUA?
Em 2023, os três países da União Europeia que mais exportaram para os Estados Unidos foram a Alemanha, Itália e Irlanda, de acordo com o Eurostat. Em conjunto, representaram 55% das exportações da UE para os EUA.
Apesar de a Alemanha arrecadar mais dinheiro com as exportações para os Estados Unidos, a Irlanda é o país da UE que mais depende da venda de produtos para os EUA. Portugal aparece em 9.º lugar, com 6,8%.