
Apesar de estar numa turma de Ciências (antiga área A), quando terminei o 12.º ano o maior medo dos meus pais era que eu, à última hora, decidisse ir para Artes ou algo do género. Dei-lhes um desgosto ainda maior: comuniquei-lhes que iria para Agronomia.
Como assim, Agronomia? O meu pai, do mais urbano que conheci, olhou-me como certamente não me olharia se eu lhe tivesse dito que ia aprender a arte do trapézio. A minha mãe, filha de um médio proprietário da região de Torres Vedras, profundamente desgostosa, disse que eu não tinha a noção de quão dura era a vida na agricultura.
De facto, de onde me tinha surgido essa ideia peregrina, se eu era uma menina da cidade? Afinal, a única ligação que eu tinha ao mundo rural eram as idas à terra da minha mãe, pelo verão e pelo Dia de Todos os Santos. E o TV Rural.
Realmente, o trapézio ter-lhes-ia causado menos impacto.
Acabei por ir para Engenharia Florestal, mas não fui a única urbana a entrar para o Instituto Superior de Agronomia (ISA), nesse ano de 1992. Éramos muitos, os vindos de Lisboa, Porto e respetivos subúrbios. Muitos destes urbanos licenciaram-se e continuaram pelas grandes cidades. Outros rumaram até ao mundo rural. Também houve quem, nascido e criado no mundo rural a ele não tivesse regressado, aproveitando bons empregos, direta ou indiretamente relacionados com a agricultura, nas tais cidades. Palpita-me que este padrão ainda se mantenha nos dias de hoje.
Criada num bairro suburbano do concelho de Oeiras, que, em plenos anos 90, ainda tinha vestígios de hortas e pastores que aproveitavam os descampados por detrás dos prédios, acabei por vir viver para um concelho rural, na região Oeste. Passados 25 anos, ainda aqui vivo. A urbana que foi para Agronomia, e que hoje trabalha em Humanidades, já vive há mais anos no campo do que alguma vez viveu na cidade.
E isso faz de mim uma dos urbanos ou uma dos rurais?
Não faço ideia, dado que, para mim, a fronteira nunca foi clara.
Talvez por isso invista grande parte do meu tempo, enquanto comunicadora e antiga aluna do ISA, a tentar desmontar a ideia feita (e portanto, um estereótipo) de que estudar e trabalhar em ciências agrárias é algo exclusivo aos agricultores.
Não é.
Há muita gente a trabalhar no setor agrícola, tanto em cidades, como em zonas rurais, com trabalhos tão diversos como gestão de projeto, aconselhamento jurídico ou comunicação (o meu caso). Outros desenvolvem a tecnologia com a qual hoje se trabalha em agricultura – drones, imagem de satélite, sensores ou robótica, por exemplo. Isto para não falar dos centros e unidades de investigação, onde se procuram novas soluções mais sustentáveis e adaptadas às condições em que vivemos. Centros de investigação que existem tanto em grandes cidades como Lisboa ou Porto, como em cidades mais pequenas e interiores como Elvas, Portalegre ou Bragança.
Trabalhar em ciências agrárias não implica necessariamente ser-se agricultor. Este é apenas uma parte de um setor que engloba muitas outras profissões, as quais são fundamentais para que a agricultura aconteça. Porque a agricultura não é feita apenas de agricultores, mas de uma enorme (mas pelos vistos invisível aos olhos) e diversa rede de profissionais, espalhada do interior ao litoral, do campo à cidade.
E foi precisamente esta abrangência das ciências agrárias que me levou, em 1992, a ir para o ISA e, anos mais tarde, me permitiu juntá-las com outras duas paixões minhas: a comunicação e a escrita.
O que começa por dividir qualquer coisa em duas ou mais partes é só querermos ver uma delas. Ou, como diria a minha mãe, que demorou muitos anos a conformar-se com a minha licenciatura, “o pior cego é aquele que não quer ver”.
Seja esse cego um rural ou um urbano.
Consultora em Comunicação das Ciências Agrárias e Extensão Rural