Vivemos um tempo de mudanças profundas, em que a transição digital deixou de ser uma promessa distante para se tornar uma realidade quotidiana. A digitalização está presente nos ambientes de trabalho, nos serviços públicos, nas escolas, nas empresas, nas famílias e até na forma como comunicamos, aprendemos ou tomamos decisões. No centro desta revolução está uma competência cada vez mais decisiva: a literacia digital.

Neste novo contexto, a literacia digital deixou de ser um mero instrumento técnico. Tornou-se uma competência estruturante, indispensável não apenas para aceder ao mercado de trabalho, mas também para exercer uma cidadania ativa, crítica e informada. Preparar os jovens para esta nova era não é apenas uma exigência do ponto de vista profissional, mas sim um imperativo social e democrático.

A urgência de qualificar digitalmente as novas gerações prende-se com a sustentabilidade das nossas comunidades. Uma sociedade que ignore a importância da literacia digital corre o risco de acentuar desigualdades, fragilizar a confiança nas instituições e perder terreno face a economias mais ágeis, inovadoras e resilientes. Formar cidadãos digitalmente competentes é garantir coesão social, equidade e competitividade.

Num mundo cada vez mais mediado pela tecnologia, a literacia digital funciona como uma nova linguagem. Saber utilizar ferramentas é apenas o primeiro degrau, no entanto, importa compreender os mecanismos e lógicas do mundo digital, interpretar dados, operar com segurança em ambientes virtuais, colaborar à distância, adaptar-se à automação, manter o pensamento crítico e agir com responsabilidade ética num ecossistema cada vez mais dominado por algoritmos.

Do ponto de vista da empregabilidade, os sinais são inequívocos. A transformação digital está a redefinir o perfil dos profissionais em praticamente todos os setores. No setor financeiro e da contabilidade, a mudança é particularmente evidente. De acordo com o estudo da Deloitte (2023), 72% dos Chief Financial Officers consideram a literacia digital uma das competências prioritárias no recrutamento. No domínio da contabilidade, um relatório da PwC revela que 84% das tarefas básicas estarão automatizadas até 2026, o que exigirá uma reconversão profunda da profissão.

A revolução digital está também a alterar profundamente o modo como o setor financeiro opera, tanto ao nível dos serviços disponibilizados como das competências exigidas aos profissionais. Neste novo ecossistema, a literacia digital não é apenas uma mais-valia é uma condição essencial para garantir eficácia, segurança e inovação nas práticas financeiras.

Este setor tem sido um dos mais ágeis na adoção de soluções tecnológicas. Plataformas de homebanking, aplicações de pagamento, carteiras digitais, serviços de crédito automatizado, investimentos algorítmicos, blockchain e inteligência artificial são hoje realidades que moldam a forma como os indivíduos e as organizações gerem os seus recursos. Esta transformação implica uma reconfiguração do perfil profissional exigido: já não basta dominar conceitos económicos e financeiros, é necessário compreender e interagir com ferramentas digitais, interpretar dados em tempo real e assegurar a proteção de informação sensível num ambiente de risco cibernético crescente.

Neste contexto, a literacia digital assume um papel multifacetado. Desde logo, permite aos profissionais do setor financeiro acompanhar a evolução das fintechs e dos novos modelos de negócio digitais, reforçando a capacidade de inovação e diferenciação dos serviços. Mais ainda, é a literacia digital que sustenta a adoção crítica de tecnologias como a inteligência artificial, essenciais para a automatização de processos, deteção de fraudes, gestão de risco e apoio à decisão financeira.

Para os clientes, sejam individuais e empresariais, a literacia digital é igualmente vital. Um cidadão que não compreenda o funcionamento das aplicações bancárias ou que não saiba reconhecer sinais de ciberfraude está mais vulnerável a práticas abusivas e a exclusão financeira. A literacia digital, quando aliada à literacia financeira, promove uma gestão mais informada do dinheiro, maior autonomia nas decisões económicas e uma utilização mais consciente dos produtos financeiros digitais.

Nas organizações, esta competência é também central para garantir a conformidade com regulamentações cada vez mais exigentes, nomeadamente no que diz respeito à proteção de dados, à rastreabilidade das operações e à transparência nos processos automatizados. A ausência de literacia digital nas equipas pode comprometer a segurança da informação, a qualidade dos serviços e, em última instância, a confiança dos stakeholders.

Por outro lado, o crescimento da análise preditiva e da modelação financeira com base em big data impõe novas exigências aos profissionais, que devem ser capazes de utilizar ferramentas de visualização, trabalhar com dados em ambientes cloud, compreender os fundamentos dos algoritmos que orientam decisões automatizadas e comunicar os seus resultados de forma clara e ética.

Estes dados revelam um novo paradigma: já não basta ter conhecimentos técnicos, sendo fundamental saber aplicá-los em ambientes digitais complexos, colaborativos e em constante mutação. A capacidade de adaptação, o raciocínio analítico e a fluência digital tornam-se fatores distintivos para quem deseja contribuir ativamente para a inovação organizacional.

O ensino desta literacia, desde cedo e ao longo da vida, fortalece a autonomia individual e contribui para uma sociedade mais justa, economicamente equilibrada e preparada para os desafios do mundo digital.

As instituições de ensino superior assumem aqui um papel decisivo, formando não apenas técnicos competentes, mas líderes preparados e com potencial transformador face aos desafios de uma sociedade digital. Isso implica currículos atualizados, metodologias ativas, transversalidade de competências e ligação constante ao tecido empresarial e à inovação tecnológica.

Portugal dispõe de uma geração jovem com talento, instituições com qualidade e um tecido empresarial com potencial. Mas para capitalizar esses ativos é essencial investir com visão na capacitação digital. Isso significa políticas educativas alinhadas com os desafios atuais, incentivos à transformação organizacional e uma cultura de valorização da literacia digital enquanto ativo estratégico do país.

Acima de tudo, precisamos de uma mudança cultural: valorizar a aprendizagem ao longo da vida, reconhecer a importância das soft skills digitais e perceber que a literacia digital não é uma competência técnica, mas sim uma competência de vida.

Se queremos uma geração preparada para liderar empresas, instituições e projetos com impacto e potencial transformador, temos de começar hoje. A literacia digital não pode ser uma promessa adiada, porque formar jovens digitalmente competentes é formar cidadãos mais livres, profissionais mais inovadores e contribuir para uma sociedade mais preparada para o futuro.