A discussão sobre a privatização da RTP tem sido constante, e, confesso, fico sempre estupefacto com a facilidade com que alguns propõem vender o que é, em última análise, um dos pilares do serviço público em Portugal. A RTP não é perfeita, longe disso, mas cumpre uma função que nenhum canal privado consegue substituir. E essa função é essencial: oferecer programação que sirva a população, em vez de apenas perseguir audiências e receitas publicitárias.

Dito isto, é impossível olhar para a RTP1 sem sentir frustração. O principal canal da estação pública parece muitas vezes um reflexo barato das generalistas privadas. Novelas latino-americanas? Check. Programas de daytime à la SIC e TVI? Check. Noticiários a horas idênticas às das privadas? Check. Programas da tarde de fim-de-semana cheios de música pimba e entretenimento popularucho à semelhança das privadas? Check. Aí está o problema: não faz sentido que a RTP, paga com dinheiro dos contribuintes, copie o que já existe no mercado, muitas vezes de forma menos competente. Se a RTP quer justificar a sua existência, precisa de ser diferente, precisa de ser alternativa.

Ser alternativa não significa apenas lançar programas “mais culturais” ou “mais sérios”. Significa questionar o que realmente interessa à sociedade portuguesa e oferecer conteúdos que façam falta. Significa, por exemplo, investir em informação de qualidade, em debates que vão além da polémica pelo espectáculo, em documentários que explorem a nossa história e sociedade. Significa pensar em entretenimento que eduque, divirta e enriqueça, em vez de repetir fórmulas que já saturaram o público.

E, convenhamos, a RTP1 tem também problemas internos que são difíceis de justificar. Apresentadores a ganhar milhares de euros sem que apareçam com regularidade na antena; concursos antigos, como O Preço Certo, que podem até ter boa audiência, mas pouco ou nada acrescentam à experiência do espectador ou à missão do serviço público. Há uma sensação de desperdício que se torna insuportável quando lembramos que grande parte do financiamento da RTP vem dos contribuintes. O dinheiro público não é um cheque em branco para manter estruturas inchadas ou fórmulas gastas.

Ainda assim, é preciso reconhecer: a RTP é muito mais do que a RTP1. Há canais, programas e iniciativas que fazem diferença, que inovam e que mostram que uma televisão pública pode ser vital, relevante e até inspiradora. Mas, sejamos claros: se o principal canal não cumprir a sua função, toda a reputação da estação fica em causa. Não se trata de nostalgia ou de um apego irracional a um modelo antigo. Trata-se de reconhecer que uma televisão pública é um serviço essencial, que tem de ser distinto do que as privadas oferecem, que tem de justificar cada euro gasto com criatividade, relevância e responsabilidade.

Privatizar a RTP seria um erro profundo. Um canal privado jamais terá a obrigação de servir o interesse público; um canal privado jamais investirá em programas que não tragam audiências massivas, mas que sejam essenciais para a pluralidade, cultura ou informação de qualidade. O problema não é a RTP ser pública: é a forma como a RTP pública tem decidido investir o seu tempo, o seu talento e o dinheiro dos portugueses.

É hora de mudar, e mudar com critério. A RTP1 precisa de um projecto ambicioso que vá além da imitação das privadas. Precisa de programas que desafiem a audiência, que provoquem reflexão, que representem Portugal de forma autêntica e diversificada. Precisa de cortar com fórmulas desgastadas, repensar os custos internos e redefinir prioridades. Só assim a estação pública poderá ser realmente pública, e não uma versão diluída do que o mercado já oferece.

Em resumo: não, a RTP não deve ser privatizada. Mas sim, a RTP precisa de ser reinventada. E isso exige coragem, visão e respeito pelo dinheiro dos contribuintes. Porque servir o público não é apenas um slogan: é a missão de uma televisão que, em teoria, pertence a todos nós.

Escreve no SAPO quinzenalmente à quinta-feira // Tiago Matos Gomes escreve com o antigo acordo ortográfico