Lembro-me de há quase dez anos ter acompanhado a história da família Lindell que, nos arredores de Estocolmo, enfrentou um desafio: reduzir as emissões de CO2 para apenas uma tonelada – a média global ascendia a sete. Procurando demonstrar que é possível incorporar hábitos ambientais mais amigáveis sem deixar de viver uma vida normal, os Lindell – pai, mãe e dois filhos adolescentes – trocaram a casa construída na década de 70 e os dois carros antigos por uma moradia ecológica e um veículo eléctrico. Logo na segunda semana do projecto “One tonne life”, a pegada dos Lindell passou de 7,29 toneladas de CO2 por pessoa/ano para 5,27 toneladas. Todas as decisões foram monitorizadas, das escolhas alimentares à aquisição de energia.

Trago este exemplo para dizer o seguinte: seria bom começarmos a calcular a nossa pegada ecológica. Tenho a certeza de que o resultado seria surpreendente. Quantos planetas são necessários para suportar o nosso estilo de vida? Quantas emissões de CO2 geramos por ano?

Aprendi com os especialistas que mais importante do que diminuir a pegada ecológica é conhecê-la. Ninguém combate aquilo que ignora. A maior parte de nós não tem noção de como as coisas nos chegam, temos um desconhecimento profundo sobre a origem e concepção dos produtos. Falta rastreio.

Várias marcas e serviços já apostam na comunicação da pegada carbónica das soluções que oferecem aos consumidores. A norte-americana Apple, por exemplo, tem online os valores das várias fases do ciclo de vida dos seus produtos, da concepção ao transporte, da utilização à reciclagem. Postura que é muito valorizada em países mais sensibilizados para esta questão, como o Reino Unido, onde várias multinacionais já medem a pegada carbónica para permitir que os consumidores escolham os produtos também com base no impacto ambiental.

Tal como os produtos alimentares têm rótulo nutricional, também seria útil que todos incluíssem uma inscrição de emissões de carbono. Se houver duas laranjas, uma do Chile e outra de Portugal, isso influencia totalmente a minha escolha. E se só houver laranjas do Chile, simplesmente não compro. Para quem é apreciador de um bom bife, saiba que optar por vaca ou peru não é só uma questão de gosto. Os níveis de emissão de gases com efeitos de estufa são muito diferentes: 5 kg de C02 para um bife de vaca, 600 gr de CO2 para um bife de peru, e 400 gr de CO2 para um bife de frango. É cada vez mais urgente pensar duas vezes antes de decidir saboreá-lo. Aliás, a alimentação, com o exagerado consumo de ingredientes processados e carnes em geral, é mesmo um dos comportamentos mais agressivos para o planeta. Juntam-se outros dois: o excessivo consumo de bens materiais (muitos de curta duração) e o elevado uso de automóvel privado. Por exemplo, uma viagem de comboio de Lisboa ao Porto, em detrimento do carro, poupa, segundo os especialistas, 29 kg de gases com efeito de estufa. Claro que é preciso que as redes de transportes sejam funcionais e respondam às necessidades das pessoas. Afinal, a sustentabilidade é económica, social e ambiental. Não pode ser o cidadão a dizer “vou baixar a minha pegada ecológica desta ou daquela maneira” quando isso significa uma dose cavalar de sacrifícios. Parece um castigo.

Uma rápida pesquisa na internet permite-nos encontrar diversas calculadoras carbónicas, umas mais detalhadas do que outras. Na grande maioria é possível avaliar as emissões de vários modelos de automóveis, bem como o impacto das viagens de avião e do consumo energético em casa. Exercício informativo que pode ser mais ou menos consequente, caso decidamos compensar os valores emitidos e, sobretudo, alterar hábitos. E é nesta questão que as opiniões se dividem. Não sou muito apologista da aquisição de créditos de emissões – o velho conceito do utilizador-pagador. Simplesmente porque não eliminam as emissões – tentam minimizar os impactos de algo já feito. É como fazer algo errado tendo já ideia de pedir perdão depois. Os créditos são uma desculpa para não se mudar hábitos. Claro que podemos compensar agora e depois reduzirmos o que podermos, assumindo já a responsabilidade. Os que defendem este caminho explicam porquê: reduzir, por vezes, demora tempo. Estamos a falar de alteração de hábitos e de investimento.

O cálculo da pegada carbónica pode ser feito para empresas ou para indivíduos. Algo que em Portugal ainda não é habitual – monitorizar os nossos hábitos de vida, consumo de electricidade, água e gás, viagens de avião, carro, etc. Uma família média em Lisboa tem uma pegada aproximada de 7,25 toneladas de gases com efeito de estufa por ano. A compensação de emissões, sobretudo das empresas, pode passar por retirar o CO2 da atmosfera, sequestrá-lo através de florestas ou investir em tecnologias mais eficientes em países em vias de desenvolvimento.

Mas há quem seja mais radical. Lembro-me que em 2007 o norte-americano Colin Beavan, em plena Nova Iorque, anulou o seu impacto no planeta. Durante um ano foi um No Impact Man, título do documentário, livro e projecto sem fins lucrativos que esta experiência desencadeou. As alterações de hábitos foram extremas: durante um ano não produziu lixo, desligou-se da corrente eléctrica, só viajou a pé ou de bicicleta, e não fez compras, excepto de bens alimentares. Ao longo da experiência, que envolveu a família, Colin descobriu novas formas de viver e conviver, alimentou- se melhor e ganhou saúde.

Longe de mim sugerir que temos de fazer da vida uma forma exemplar de comportamento, até porque eu estou longe de ter uma conduta de emoldurar. Tenho ainda muito a melhorar e não escondo um manual de pilotagem debaixo o braço. Mas sem radicalismos, o que precisamos de fazer é partilhar experiências para alterarmos formas de vida. Esta luminosa energia da partilha ajudar-nos-á a fazer diferente. Porque isto é mesmo inevitável. Não havendo recursos infindáveis, é impossível continuar a consumir ao ritmo de hoje. Disso temos a certeza.

Prontos para encararem a vossa pegada carbónica?