Quem visitar o site do Parlamento e aceder às páginas dos deputados encontrará uma opção para enviar uma mensagem a cada deputado. Desafio cada leitor a fazer um teste: envie uma mensagem a alguns deputados ou faça como eu, e durante alguns dias à hora de almoço, visite uma a uma as páginas dos deputados e em "enviar e-mail" tem a oportunidade de lhe enviar um mail, com anexo de até 8 MB.

É desde logo estranho que o site do Parlamento use cookies de rastreamento e que envie esses dados para a Google... Mas deixemos isso para já.

Ainda mais estranho é que desses 230 deputados, no meu último envio, apenas três tenham respondido (PCP, PPD e PS) e todos, sem excepção, tenham feito apenas um encaminhamento da proposta (um pedido de legislação que defendesse os cidadãos contra a inércia da SIBS a travar a burla "olá pai/olá mãe") para o seu grupo parlamentar o qual, de forma pouco surpreendente, nunca respondeu a este mails enviados em Maio.

Em Portugal, não existe uma obrigação legal específica que exija que os deputados respondam obrigatoriamente aos pedidos de contacto enviados pelos cidadãos por e-mail. No entanto, os deputados são eleitos para representar os interesses dos cidadãos e, muitas vezes, consideram importante manter um canal de comunicação aberto com seus eleitores. Enquanto eleito local numa assembleia de freguesia de Lisboa, nunca deixei uma resposta por dar, uma proposta por comunicar, uma pergunta por fazer a todos os que nesse sentido me abordaram (mesmo aqueles que sei, antecipadamente, que irão votar num partido diferente daquele em que fui eleito). Esperaria que os outros eleitos, nas outras casas da nossa democracia fossem semelhantes: não são. Embora a proclamação de que "é importante manter um canal aberto com todos os cidadãos" seja muitas vezes repetida em eventos e nas campanhas eleitorais não encontra execução nos pedidos de contacto que acima referi.

A Assembleia da República de Portugal possui um Código de Conduta para os Deputados que estabelece diretrizes éticas e comportamentais para os parlamentares e que pode ser consultado aqui. Este código não menciona explicitamente a obrigação de responder aos e-mails dos cidadãos, embora enfatize a importância da transparência, responsabilidade e respeito pelos eleitores designadamente no "Artigo 5.º Urbanidade e lealdade institucional, no qual se lê que "Os Deputados à Assembleia da República devem desempenhar as suas funções com respeito (...) pelos cidadãos que representam". Não responder, sistematicamente, aos pedidos de contacto, nem sequer com um mail automático ou com um encaminhamento passivo para o respectivo grupo parlamentar é "respeitar os cidadãos"?

A obrigação de resposta poderia ser incluída no Código de Resposta ou numa revisão do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a legislação que estabelece as regras e os procedimentos a serem seguidos pela administração pública ao lidar com os cidadãos em assuntos administrativos. O CPA aplica-se actualmente a todas as entidades da administração pública direta e indireta, bem como a entidades privadas que exerçam funções administrativas de interesse público incluindo:
1. Administração Pública Central: Ministérios, secretarias de estado, direcções-gerais, institutos públicos e outros órgãos do governo central.
2. Administração Pública Regional.
3. Administração Pública Local: Municípios, freguesias e outros órgãos locais.
4. Administração Pública Institucional: Entidades públicas empresariais, fundações públicas, institutos públicos e outras entidades que integram a administração indireta do Estado.
5. Entidades Privadas com Funções Administrativas de Interesse Público: Algumas entidades privadas que realizam atividades que têm impacto direto na esfera administrativa e no interesse público, tais como ordens profissionais e associações com responsabilidades regulatórias.
Mas o CPA não se aplica a... deputados à Assembleia da República.

A revisão do Código de Conduta e uma revisão do CPA que adicionasse estes eleitos parlamentares a esta lista de entidades aumentaria a transparência, a participação, a imparcialidade e a eficiência nos processos administrativos e qualidade da democracia.

Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e fundador da Iniciativa CpC: Cidadãos pela Cibersegurança

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.