Porque as ondas de calor vieram para ficar enquanto produto directo das alterações climáticas e porque a Câmara Municipal de Lisboa inscreveu na sua estratégia "Lisboa Verde 2020" — a qual, tanto quanto sei, continua em vigor — a mitigação das vagas de calor através da criação, designadamente, de "sistemas de sombras" e recordando que na onda de calor de 2003 morreram, e apenas em França, 14802 pessoas e que, em Itália, faleceram mais de 20 mil pessoas já deveria ter chegado o momento em que vemos na cidade de Lisboa de dez medidas:

1. A instalação de pequenos acumuladores de águas pluviais: para recolher águas das chuvas que poderiam ser usados na lavagem de ruas, rega de jardins e espaços verdes. Existem potenciais problemas com esta reutilização designadamente através da possibilidade de desenvolvimento nestes tanques de bactérias e algas nocivas mas esse risco poderia ser mitigado através de uma vigilância e monitorização desses sistemas de colecta de águas pluviais e através da garantia de que as águas não ficariam nestes tanques durante muito sendo rapidamente usadas em ciclos muito curtos.

2. Outro importante contributo para a mitigação das ondas de calor poderia ser dado pela multiplicação da quantidade de árvores na cidade. Ora, precisamente, Lisboa está cheia de caldeiras de árvores vazias. A navegação pela cidade através do Google Street View indica que algumas caldeiras estão à espera de replantação há mais de dez anos, outras há cinco e a grande maioria há mais de dois anos. Além disso, e apesar de um esforço recente (há cerca de três anos) de criação de novas caldeiras com árvores (p.ex. na Av Afonso Costa) praticamente mais nenhuma nova grande operação de plantação ocorreu nas vias e ruas de Lisboa. É urgente recuperar este processo e criar novas caldeiras em novos arruamentos (envolvendo os moradores através de um programa de sugestões) e realizar estas plantações com quem mora nesses locais por forma a criar uma ligação empática e a estimular a participação dos cidadãos na vida da sua cidade.

3. Depois de terem sido repovoadas as centenas de milhar de caldeiras vazias há que avaliar, rua a rua, parque a parque, espaço verde a espaço verde, os locais onde é possível plantar novas árvores e criar novas caldeiras e partir à ação. Este processo pode - e deve — ser participativo e envolver os moradores das ruas e parques nesta selecção de novos locais para a plantação de árvores. A plantação deveria, aliás, envolver os moradores por forma a criar empatia entre as árvores e os moradores das suas ruas. Acredito igualmente que deveriam ser priorizadas as ruas onde surgem — há décadas — sacos de lixo em caldeiras (p.ex. João XXI e Av de Roma). Nestas novas plantações deveriam existir também uma lógica sistémica e integrada que crie "corredores verdes" unindo numa rede global todas as ruas da cidade fazendo com que entre cada árvore nunca se diste menos que uma distância previamente identificada. Podem começar pela Avenida de Roma, João XXI e Almirante Reis integrando árvores de pequeno porte onde a largura do passeio não permita árvores maiores e instalando árvores assim em lugares de estacionamento que possam ser redesenhados para comportarem uma árvore e formas de mobilidade leve ou motociclos, contribuindo para os tirar do passeio e para devolver os passeios da cidade aos peões.

4. Como parte de uma estratégia para tornar a cidade mais verde, reduzir os efeitos das ondas de calor e permitir aos cidadãos a permanência nos jardins da cidade é possível instalar em todos os jardins de pequena e média dimensão pérgolas com bancos que possam ser usufruídos nas horas de maior calor durante o verão e estender esta criação até aos passeios públicos de maior dimensão usando, sempre que possível plantas trepadeiras de baixo consumo de água. Para aumentar este efeito de protecção, as pérgolas poderiam ter placas de irradiação e acumulação de calor.

5. Como acima já sublinhámos, é importante envolver os moradores neste tipo de processos designadamente através de árvores de rua co-cuidadas por moradores com contrato em que os moradores das ruas são contactados porta-a-porta pela divisão de espaços verdes da CML e subscrevem um "contrato" em que assumem a manutenção de uma caldeira de árvore perto de sua parte e onde podem plantar, com formação e apoio da CML pequenas plantas ou arbustos de baixo consumo de água.

6. Porque os arbustos e vegetação rasteira de baixo consumo de água arrefece a temperatura local através da evotranspiração (processo em que a água é movida das raízes das plantas para as suas folhas) e evapora arrefecendo o ar no processo: a substituição em alguns locais (p.ex. no Bº do Arco do Cego) da "floresta" de pilaretes por algumas floreiras (como as que já aqui existem ou como aquelas que se observam na Almirante Reis ou na Manuel da Maia): os tradicionais chorões.

7. Transformar todas as zonas expectantes (p.ex. na Sarmento de Beires) como "jardins provisórios" com plantações de plantas de baixos consumos de água que podem ser movidas para outros locais logo que esteja a começar no local novas construções (usando grandes vasos): a lá arco do cego :)

8. Porque os "telhados verdes" aumentam a qualidade de vida através da redução de ruído, aumento do valor das propriedades, embelezamento do espaço urbano e reduzem os custos de energia e protegem os edifícios contra a exposição solar excessiva: instalar estes equipamentos inicialmente em edifícios camarários (começando p.ex. no Pavilhão do Casal Vistoso): ou muros verdes, numa cidade com tanto declive.

9. Reduzir a irradiação nocturna de calor plantando árvores nas bermas das grandes vias de trânsito de Lisboa. Começar na Av Gago Coutinho: luz nocturna?! Ou considerar sistema de intensidade variável com sensor de movimento/infravermelhos.

10. Fazer como a Holanda e instalar telhados verdes nas paragens de autocarros com pequenos jardins aéreos de baixo consumo de água. Nestas paragens poderiam ser instalados termómetros, com registo e envio centralizado de dados, que permitam manter um mapa de calor urbano actualizado e em tempo real: assim medidores da qualidade do ar (humidade, partículas leves, etc).

Combater as ondas de calor urbanas é de extrema importância por diversos motivos, uma vez que esses eventos climáticos extremos podem ter sérias consequências para a saúde das pessoas, para o meio ambiente e para tornar a cidade mais resiliente às mudanças climáticas e o seu impacto económico e social. Deixo aqui estas dez sugestões para uso por parte dos nossos decisores políticos.

Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e fundador da Iniciativa CpC: Cidadãos pela Cibersegurança

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.