Li recentemente o famoso discurso de José Mujica, então presidente do Uruguai, perante a Assembleia das Nações Unidas, em Nova Iorque, em 2013. Nesse discurso, aquele que foi considerado o “presidente mais pobre do mundo” – pela forma modesta como sempre viveu na zona rural de Montevideo – põe o dedo na ferida. Afirma, sem papas na língua, que “aquilo que alguns chamam a crise ecológica do planeta é a consequência do triunfo avassalador da ambição humana”. E acrescenta: “A população quadruplicou e o produto interno bruto cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990, a cada seis anos aproximadamente, duplica o comércio mundial”.

A propósito disto ele conta a história da lâmpada da estação de bombeiros de Livermore, na Califórnia, que se mantém acesa desde 1901. Podem constatar indo ao site www.centennialbulb.org/ e vendo através da câmara web. Eu não conhecia esta história e fiquei impressionada. Fabricada com um material semi-condutor e um filamento muito grosso, esta lâmpada está acesa, ininterruptamente, há mais de 1 milhão de horas. As lâmpadas LED mais modernas do mercado estão preparadas para durar cerca de 50 mil horas, e as velhas lâmpadas incandescentes não duram mais de mil. Mujica questiona-se: “Quererá dizer que há 100 anos sabiam fazer lâmpadas melhor do que hoje? Não. Quer dizer que actualmente as lâmpadas, como tantas outras coisas, são desenhadas para deixarem de funcionar ao fim de algum tempo”.

A isto chama-se “obsolescência programada”. É o que acontece quando o fabricante e a empresa que vende determinado produto decide que ele é construído para durar pouco tempo e assim criar uma necessidade no cliente – que é obrigado a substituir o produto por um novo, e assim sucessivamente. O objectivo da obsolescência programada não é criar produtos de melhor qualidade nem satisfazer as nossas necessidades. O objectivo é o lucro das empresas – com desprezo pelo esbanjamento dos recursos naturais, pela criação de resíduos ou pela poluição descontrolada que a prática obviamente provoca.

O primeiro caso de obsolescência programada conhecido é da década de 1920, precisamente quando fabricantes de lâmpadas da Europa e dos EUA decidiram, em comum acordo, diminuir a durabilidade de seus produtos de 2,5 mil horas de uso para apenas mil. Assim, as pessoas seriam forçadas a comprar o triplo das lâmpadas para suprir a mesma necessidade de luz.

A verdade é que uma parte considerável do nosso sistema económico actual baseia-se nesta forma de encarar o consumo – um consumo desnecessário, supérfluo e programado pelas empresas sem que nos apercebamos disso. “Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos, fabricando deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e continuem a comprar!”, questiona Mujica.

Hoje há uma legião de defensores da tese de que produtos duráveis desfavorecem a economia. Entre os economistas norte-americanos tornou-se popular o seguinte jargão panfletário: “Um produto que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”.

Além da obsolescência técnica, há ainda a obsolescência psicológica – quando o consumidor, mesmo tendo um produto em bom estado de conservação, resolve comprar um novo e descartar o antigo, por estar fora de moda, por não  ter uma funcionalidade adicional, por querer o status associado ao novo modelo…

Ao contrário do que podemos pensar, comprar não nos torna mais felizes nem ajuda a resolver os problemas da Humanidade. Apenas serve para criar novas necessidades, provocar frustrações e aumentar as desigualdades entre pessoas e regiões do mundo. “É certo que se hoje aspirássemos, enquanto Humanidade, a consumir em média como um cidadão dos Estados Unidos, seriam necessários três planetas para podermos viver. Ou seja: a nossa civilização montou um desafio mentiroso”, afirma Pepe Mujica, como é carinhosamente conhecido. A pergunta é legítima: qual é o limite do nosso planeta se adoptarmos o ritmo de consumo da população dos países mais ricos? Qual o limite da água disponível e dos recursos naturais? Qual o efeito que tudo isto terá no clima?

Contra a ambição e o desperdício insano, é preciso reconhecer que o crescimento do consumo como forma de sustentação do crescimento da economia é, por si só, um instrumento limitado. Em algum momento esgotar-se-á. A cada um de nós, não podendo fugir inteiramente dos estímulos que nos chegam de todos os lados, cabe-nos pelo menos tentar viver de forma mais frugal e ecológica.