O estudo, que analisou as perceções de mais de 1.000 executivos seniores em 25 setores e oito regiões globais, revela um paradoxo preocupante: 95% das empresas já investiram em IA, mas 71% dos líderes consideram que as suas equipas não estão preparadas para tirar partido dessas tecnologias. Apenas 14% das organizações estão efetivamente a aplicar IA para uso comercial direto pelas suas equipas, e menos de 20% indicam que a IA está a ser usada para o desenvolvimento de novos produtos ou serviços.

Se dúvidas houvesse, este estudo clarifica: há um fosso entre ambição tecnológica e preparação operacional.

Lideranças desalinhadas

Uma das revelações mais significativas do relatório é a desconexão entre os CEO e os responsáveis tecnológicos (CIO/CTO) quanto à maturidade da IA nas suas organizações. Os CEO tendem a adotar uma visão mais conservadora, reconhecendo os estágios iniciais da jornada de IA e apontando falhas de infraestrutura como barreiras críticas. Em contraste, os CIO e os CTO mostram-se mais confiantes na capacidade tecnológica, mas subestimam os desafios humanos e culturais.

Esta divergência não é apenas teórica: traduz-se em abordagens opostas à gestão do talento. Enquanto os CEO preferem recrutar competências fora da organização, os responsáveis tecnológicos tendem a apostar na capacitação interna. A falta de uma visão estratégica coesa pode comprometer os investimentos feitos até agora e atrasar o retorno esperado.

O medo da IA e a lacuna de competências

Outro dado preocupante: 45% dos CEO acreditam que a maioria dos colaboradores é resistente ou até hostil à IA. Este ceticismo pode ser explicado, em parte, pela escassez de competências — 51% dos líderes admitem não ter talento qualificado suficiente para lidar com IA de forma eficaz.

A resistência não é irracional. Em muitos contextos, a IA surge mais como uma ameaça do que como uma ferramenta. O receio de substituição, aliado à ausência de formação adequada, alimenta um ambiente de insegurança que bloqueia a adoção tecnológica.

Os “AI Pacesetters”: exceção que confirma a regra

Apesar do cenário geral, o relatório identifica um subgrupo de empresas pioneiras — os chamados AI Pacesetters — que estão a conseguir capitalizar os investimentos em IA. Estas organizações destacam-se por três características fundamentais:

  1. Gestão eficaz da mudança organizacional – Têm três vezes mais probabilidade de implementar estratégias de adaptação nos procedimentos de trabalho;
  2. Confiança dos colaboradores – Têm menos receios internos quanto ao impacto da IA e maior envolvimento das equipas;
  3. Mapeamento de competências – Utilizam ferramentas para identificar as capacidades existentes e colmatar lacunas com maior precisão.

O resultado? Estas empresas estão a conseguir utilizar a IA não apenas para melhorar a eficiência, mas para impulsionar o crescimento real dos negócios.

O fator humano como vantagem competitiva

“O nosso estudo mostra que, embora a arquitetura de dados e a infraestrutura tecnológica sejam fundamentais, as organizações que não priorizarem as suas pessoas ficarão para trás”, sublinha Michael Bradshaw, líder global da área de aplicações, dados e IA da Kyndryl.

Na mesma linha, Maryjo Charbonnier, Chief HR Officer da empresa, defende que preparar as equipas para a era da IA é simultaneamente uma prioridade e um desafio estrutural: “É fácil de dizer, difícil de fazer — mas inevitável para quem quer estar à frente”.

A urgência do alinhamento

A mensagem do People Readiness Report não é derrotista, mas sim um apelo à ação estratégica. As empresas que conseguirem alinhar tecnologia, pessoas e objetivos de negócio estarão mais bem posicionadas para tirar partido da IA de forma sustentável. O desafio não está apenas em programar algoritmos, mas em reprogramar culturas organizacionais.

Como sintetiza Kim Basile, Chief Information Officer da Kyndryl: “O alinhamento da estratégia tecnológica com os objetivos mais amplos do negócio é a principal medida que os líderes devem tomar para desbloquear o potencial da IA”.

No fundo, a revolução da inteligência artificial não será ganha nos centros de dados, mas nas salas de formação e nas conversas francas entre líderes e equipas. E enquanto a maioria das empresas continua presa entre o investimento e a hesitação, os verdadeiros inovadores já perceberam que a chave do futuro não é só tecnológica — é profundamente humana.