
Entrevista a Teresa Morais, candidata da Aliança Democrática, filiada no Partido Social Democrata. Na última legislatura ocupou o cargo de Vice-Presidente da Assembleia da República e este ano volta a candidatar-se por Setúbal. Diz que o maior contributo da AD para o Distrito foram as grandes construções anunciadas pelo Governo no contexto do projeto Arco Ribeirinho Sul.
Nasceu e cresceu no Distrito de Lisboa. Que memórias guarda da sua infância e juventude no concelho de Loures?
Naquela altura o concelho de Loures não era assim tão próximo de Lisboa como é hoje. Eu nasci na freguesia de Camarate que tinha uma grande marca de ruralidade. O meu avô era agricultor e eu nasci num meio bastante livre. Era muito comum e seguro brincar na rua até tarde, ninguém tinha um sentimento de insegurança naquele lugar.
O salto para Lisboa deu-se quando tinha idade e condições para ir para o Liceu. Estudei no Liceu Rainha Dona Leonor até ir para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Essa transição até nem foi muito fácil, sobretudo para o meu pai. A sua menina, filha mais nova, ia de uma freguesia que em termos territoriais ficava perto, mas em termos sociais longe da grande cidade. Para mim a transição até foi fácil, tinha algumas colegas da mesma zona que também iam para o Liceu, vínhamos juntas de manhã bem cedo.
Pode falar um pouco do seu percurso laboral antes de assumir funções políticas?
Eu fiz a Faculdade de Direito entre 1978 e 1983. Na verdade, eu sempre gostei muito de História e em adolescente achava que ia para arqueologia. Decidi ingressar na Faculdade de Direito por ter mais saídas profissionais, pensando que podia ser professora, funcionária pública ou diplomata.
Fiz o estágio de advocacia num escritório de advogados bastante conceituado em Lisboa. Percebi que não era para mim. Depois pensei tentar dar aulas, até porque estava com uma certa nostalgia de deixar a faculdade. Resolvi falar com um dos meus regentes, inscrevi-me no mestrado e fui convidada, primeiro como monitora, durante dois ou três anos, e depois acabei por ficar a dar aulas. A partir daí tive a experiência de ser adjunta do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, na altura Pedro Santana Lopes. A certa altura pedi para sair para conseguir terminar o mestrado.
Qual foi o seu primeiro contacto com a política?
O meu primeiro contacto foi político-profissional, precisamente com esse convite do então Secretário de Estado para que ficasse a trabalhar no seu gabinete. No Liceu, apanhei o 25 de abril, havia muita política, mas na altura eu não estava enquadrada em nenhum partido. Mas política fazia-se muita, principalmente mais tarde, na Faculdade de Direito, que era altamente politizada. Foi a experiência num Governo, enquanto assessora, que me aproximou da área política em que me encontro hoje.
A questão da disciplina partidária era uma coisa que não me agradava muito e era o meu principal argumento para não me inscrever no PSD. Depois, em 2002, fui candidata a deputada ainda como independente. Nesse mandato, o Dr. Durão Barroso convidou-me a inscrever-me como militante e disse que gostaria de ser ele o meu proponente. Quando lhe disse que não lidava muito bem com as disciplinas partidárias ele disse-me ironicamente, “não me diga que isso é um problema no PSD”.
Nem sempre foi deputada eleita pelo Círculo Eleitoral de Setúbal. Qual é a sua motivação para se candidatar às legislativas neste Distrito?
Fui eleita por três círculos eleitorais diferentes, em 2002 por Coimbra, em 2009, 2011 e 2015 por Leiria e em 2024 por Setúbal. Felizmente candidato-me a um Distrito que é mais próximo. Há uns anos que tenho uma casa no concelho de Grândola e passo lá todo o tempo que posso. Também tinha dado aulas na Universidade Moderna de Setúbal durante vários anos. Na verdade fui-me aproximando do sítio onde estou agora.
Sabe que no PSD os cabeças de lista são sempre escolhidos pelos presidentes do partido. Os candidatos a partir do segundo lugar são escolhidos pelas estruturas distritais e locais, há ainda uma percentagem da lista que as direções nacionais pedem para colocar candidatos com um determinado perfil que entendam fazer falta ao seu grupo parlamentar.
Tinha saído em 2019 e não tencionava voltar, mas aconteceu este convite do presidente Luís Montenegro e eu não teria dito que sim se fosse qualquer outro distrito, tinha de ser um distrito com que tinha maior proximidade. Desta vez a minha missão era Setúbal e fiquei satisfeita com esta escolha. De resto, não era para mim uma questão eu voltar ao parlamento, estava bem a dar as minhas aulas como sempre, a fazer o que mais gosto.
Qual é o projeto da Aliança Democrática para o Distrito de Setúbal?
Sublinhar, sobretudo, a área das infraestruturas, onde foram tomadas decisões que em alguns casos estavam adiadas há décadas e que vão ter um impacto direto no distrito. Para as executar, há decisões que passam pela aprovação de instrumentos normativos que têm impacto no distrito. Por exemplo, a decisão da localização do Aeroporto, o anúncio da terceira travessia ou a extensão do Metro Sul do Tejo.
Quais são as principais preocupações da AD no que diz respeito às forças de segurança na região de Setúbal e que medidas propõem para as resolver?
Apesar da ligeira redução nos números do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) em matéria de criminalidade geral e criminalidade violenta, a verdade é que há uma sensação de insegurança em muitos concelhos, em que as pessoas não se sentem à vontade para sair à rua durante a noite. Outra matéria que me é muito cara é a violência doméstica, que tem no nosso distrito uma incidência superior à média nacional. Consideramos importante reforçar o patrulhamento de proximidade e o reforço da escola segura.
Luís Montenegro foi recentemente a Setúbal anunciar a entrega de 19 viaturas para a PSP, mas na conferência não falou sobre as reivindicações das associações e sindicatos da PSP e da GNR para melhorar as suas condições de trabalho que tinham sido elencadas como uma das prioridades da Aliança Democrática em 2024.
Depois de um ano de governo, o que pode dizer às pessoas que trabalham nas forças de segurança do Distrito de Setúbal que melhorou nas suas condições profissionais e salariais?
Ainda antes da campanha eleitoral estava colocado um problema relativamente ao subsídio de serviço e risco das forças de segurança com o qual o governo anterior tinha lidado muito mal. Tinha sido aprovado um subsídio para a Polícia Judiciária que não foi alargado ao resto das forças de segurança. Isto criou uma tensão forte, com manifestações e uma posição muito radicalizada das forças de segurança que, a meu ver, tinham razão.
A primeira posição assumida pelo então candidato Luís Montenegro é que, imediatamente após as eleições, trabalharia num acordo relativamente ao subsídio de serviço e risco das forças de segurança e a verdade é que isto se fez. As forças de segurança abrangidas por este acordo já estão neste momento a receber mais algumas centenas de euros do que recebiam antes e até 2026 vai completar-se este aumento.
A valorização das carreiras de segurança não passa apenas pela remuneração, as forças de segurança têm razões para reclamar das condições em que trabalham. Para o Governo é um trabalho que já começou, mas que tem de ser terminado.
Sobre saúde, o governo cessante anunciou que vai avançar com a transferência de competências em vários Centros de Saúde do Distrito de Setúbal e no Hospital Garcia da Horta, passando-os para uma gestão em regime de parceria público-privada.
Qual é a justificação do governo para avançar com estas PPPs nestes casos em particular?
As parcerias público-privadas que estão pensadas são apenas cinco. Devo dizer que enquanto deputada não estive nesse processo de fundamentação e de decisão do Governo, mas claro que tenho a minha opinião sobre isso.
Houve parcerias na saúde que, de acordo com a avaliação feita pelo Tribunal de Contas, funcionaram bem do ponto de vista da gestão e dos resultados. Isso aconteceu, por exemplo, com o Hospital Beatriz Ângelo. Estas foram Parcerias Público-Privadas que demonstraram que, durante aquele período, as condições de gestão e os resultados dos hospitais foram mais positivos. Esse modelo foi abandonado e essas parcerias não foram renovadas, entendeu o governo da AD que as devia reatar.
Acredito que a decisão de envolver determinados equipamentos e o Hospital Garcia da Horta em particular, tem a ver com a centralidade deste hospital no distrito e o facto de servir muitos milhares de utentes. Eu vejo com bons olhos que seja instituído um modelo de gestão mais eficaz, gerido de uma forma que rentabilize as suas potencialidades.
O governo optou por não investir mais num modelo estritamente público. O que a faz acreditar que a situação pode mudar com esta gestão tendencialmente privada?
O modelo deixará de ser estritamente público e passará a ter equipas de gestão com elementos que vêm do setor privado e inclusivamente, no caso, com grupos ligados à área da saúde, que nas anteriores era o Luz Saúde.
Tudo isto passa por contratos e concursos públicos e ainda não chegamos a esse ponto. A única opção que está feita neste momento é estudar para caminharmos até um modelo de gestão que envolve os privados, mas não está tomada ainda nenhuma decisão.
Em janeiro de 2025 o Distrito de Setúbal apresentou o maior número de mortalidade infantil, duas vezes a média nacional no mesmo período, qual foi a resposta da AD para resolver este problema?
Devo dizer que essa questão foi colocada pelos deputados da AD eleitos por Setúbal numa reunião que tivemos com a Ministra da Saúde e onde estava presente o Professor Caldas Afonso, que dirige a Comissão Nacional da saúde materno-infantil. Perguntei-lhes se estavam a associar esses números a alguma dificuldade no funcionamento das urgências obstétricas e disseram-me que não tinha sido estabelecida nenhuma relação entre o aumento da mortalidade infantil e as deficiências de funcionamento nas maternidades do distrito.
Explicaram-me que a questão teria de ser estudada, mas provavelmente teria a ver com grávidas que, durante todo o seu período de gravidez não foram acompanhadas, não tiveram nenhuma consulta e não fizeram nenhum exame.
A área da Saúde ao longo dos anos acumulou muitos problemas que não foram resolvidos, sabemos que não foi em 12 meses que se resolveram os problemas da saúde no nosso Distrito e no nosso país, mas fizemos progressos. Dou-lhe outro exemplo: reunimos com o Conselho de Administração do Hospital Garcia da Horta e diziam-me que o concelho de Almada caminhava para não ter nenhum utente sem médico de família até ao final de 2025.
Mas essa é uma realidade muito diferente da maioria dos outros concelhos do Distrito de Setúbal. Só no concelho do Montijo registou-se, em janeiro de 2025, que mais de 70% da população não tinha acesso a médico de família…
Estes indicadores não são homogénios. Por exemplo, foi-nos dito no Hospital do Barreiro que foram realizadas mais consultas e mais cirurgias do que tinham sido feitas no ano anterior, portanto há indicadores que melhoraram.
Também pela análise dos tempos de espera de alguns hospitais se percebe que há níveis de urgência em que o tempo de espera reduziu substancialmente. Os médicos dizem muitas vezes que não há falta de médicos e que estão apenas mal distribuídos, mas há algumas especialidades que não as vejo sobrar em lado nenhum. Eu não sei onde é que sobram ginecologistas, só sei que faltam em todo o lado.
Considero que precisamos de fixar mais médicos no Serviço Nacional de Saúde. Pessoalmente, acho que se chegarmos a um ponto em que não há médicos de determinadas especialidades em números suficientes, devemos equacionar a contratação de médicos estrangeiros, devidamente qualificados e com diplomas reconhecidos.
Relativamente à habitação, vive-se no Distrito de Setúbal um cenário em que os valores médios das rendas estão cada vez mais próximos dos preços praticados em Lisboa. Tem-se noticiado situações de ocupações ilegais ou até de igrejas evangélicas que se aproveitam para lucrar com a carência habitacional.
Se voltar a formar governo qual vai ser a resposta da Aliança Democrática para resolver estes problemas?
A criação de habitação foi baixíssima. Lembramo-nos todos da promessa que António Costa fez em 2018 que nos cinquenta anos do 25 de abril não existiria nenhum português sem uma casa digna, a verdade é que isso não aconteceu. Como houve pouca construção e a procura aumentou, obviamente os preços dispararam. Dito isto, há necessidade de injetar habitação no mercado. A AD propõe que para além das construções de habitação pública já previstas financiar através do PRR, que se aumente o número para 59 mil casas financiadas através do Orçamento de Estado.
Recentemente também propusemos que se fizesse uma parceria com os municípios, financiada através do Banco Europeu de Investimento (BEI), para que as estratégias locais de habitação tivessem maiores níveis de execução. Porque a verdade é que nenhum governo vai resolver o problema ao nível do país se os municípios não estiverem envolvidos.
É preciso recuperar a habitação pública e dar incentivos ao setor privado e cooperativo para criarem habitação, com menos burocracia no processo de licenciamento, criando melhores condições para que a iniciativa privada funcione no campo da habitação. É preciso um choque na oferta de habitação.
Relativamente à imigração, é sabido que a imigração legal, ilegal e tráfico de seres humanos tem consequências na economia e no tecido social do país. É também o tópico da política nacional com mais desinformação a circular online.
Tendo o PSD votado contra a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), há alguma razão para não proporem no vosso programa trazer de volta esta força policial?
O PSD foi contra a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras porque entendeu que, apesar dos problemas do SEF, eles deviam ter sido resolvidos internamente pelo Governo e não simplesmente decidir a sua extinção.
Temos de saber quem entra no país, o que veio fazer, de onde vem e quanto tempo tenciona ficar. No caso dos que tencionam ficar, qual é o perfil e o seu trajeto. Ainda há pouco tempo foi notícia que mais de 120 mil imigrantes entraram sem qualquer avaliação da sua situação criminal.
Mas são competências que estão fora do alcance da AIMA?
Sim, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é que as tinha. Nós prevemos a criação de uma Unidade de Fronteiras dentro da PSP, esta medida foi ao parlamento e acabou por ser chumbada pelo Partido Socialista e pelo Partido Chega. Do lado do PS até posso entender que não se queira contradizer depois de extinguir o SEF, mas da parte do Chega tenho algumas dificuldades em entender o voto contra. Não propomos exatamente a recuperação do SEF, mas propomos a criação de uma força no âmbito da PSP.
Quais são as medidas da AD para resolver os efeitos da imigração em território nacional, por exemplo, sobre sobrelotação de serviços?
A nossa proposta para imigração é realista e humanista, por um lado temos a consciência de que há setores da economia, a construção civil, o turismo, a restauração que não funcionam sem imigrantes, precisamos deles para a nossa economia. O que fizemos no último ano foi tentar controlar a entrada e resolver centenas de milhares de processos pendentes na AIMA.
Mas temos de estar preparados para os receber com dignidade, para que tenham acesso a habitação e que não estejam sujeitos a redes de tráfico como algumas que vemos a atuar no Distrito de Setúbal. Por um lado, temos de ser humanistas nesta integração, mas também é preciso colocar um filtro na imigração. Evidentemente que não se consegue fazer tudo em 12 meses, temos ainda muita gente em situação irregular em Portugal.
Mas relativamente à sobrelotação dos serviços públicos, como pretendem resolver esta questão?
É óbvio que muitos serviços têm de ser reforçados, especialmente na saúde e na educação. Temos escolas no nosso distrito com mais de 35 nacionalidades. Foi por isso que o Ministério da Educação reforçou a oferta de mediadores culturais, bastante significativa no Distrito de Setúbal, para estabelecer a integração dessas crianças na escola.
Apesar do aumento da frequência dos transportes na linha da Fertagus, é sabido que há problemas de sobrelotação a partir do Fogueteiro até Lisboa. Quando a oferta aumenta em termos de horários há muitas pessoas que antes vinham de carro e que agora tomam a decisão de ir de comboio, até porque agora há um comboio de vinte em vinte minutos. Se há mais pessoas a procurar um serviço porque ele é mais frequente então o número de utentes aumenta e as carruagens tornam-se pequenas.
Há obras de fôlego que já estão anunciadas e que, evidentemente, não produzirão resultados amanhã, mas que podem vir a fazer a diferença, como é o caso da terceira travessia do Tejo. Houve muitas decisões tomadas nesta legislatura que aguardavam resolução há muitos anos, mas o impacto efetivo demora o seu tempo.