
O ator Adérito Lopes foi violentamente agredido na noite de terça-feira, 10 de junho, junto ao Teatro Cinearte, no Largo de Santos, em Lisboa, momentos antes de entrar em cena na peça Amor é um fogo que arde sem se ver. O ataque, perpetrado por um grupo de extrema-direita, resultou no cancelamento da última récita e no internamento do ator, que sofreu cortes visíveis no rosto.
O caso ocorreu por volta das 20h00, quando vários membros da companhia A Barraca chegavam ao teatro. À porta, encontraram-se com cerca de 30 indivíduos identificados como neonazis, empunhando cartazes e proferindo mensagens xenófobas, que começaram por dirigir a uma das atrizes. A tensão escalou rapidamente.
“Dois foram provocados e um terceiro foi agredido violentamente, ficou com um olho ferido, um grande corte na cara”, relatou a encenadora e atriz Maria do Céu Guerra, visivelmente abalada com os acontecimentos. A veterana das artes, com 82 anos, revelou que os agressores abordaram primeiro uma atriz que usava auscultadores e não respondeu às provocações. A violência desencadeou-se pouco depois, tendo Adérito Lopes sido socorrido por bombeiros no local e encaminhado para o hospital.
A data coincide com um episódio trágico da História recente de Portugal: o 30.º aniversário do homicídio de Alcindo Monteiro, brutalmente assassinado por skinheads em Lisboa. Para Maria do Céu Guerra, este ataque revela a ausência de medidas eficazes contra a violência de inspiração fascista. “Trinta anos depois, este país ainda não arranjou forma de se defender dos nazis”, sublinhou.
Segundo a Polícia de Segurança Pública (PSP), a autoridade foi chamada ao local às 20h15, tendo identificado um suspeito de 20 anos com base nos testemunhos da vítima, de 45 anos, e de uma testemunha. O jovem foi intercetado nas imediações e está identificado como autor da agressão. Todos os envolvidos foram identificados, e o caso será agora encaminhado para o Ministério Público.
O ataque provocou uma forte onda de indignação no setor cultural e na esfera política. O deputado comunista António Filipe foi direto: “É urgente acabar com a impunidade destas associações criminosas (as tais que o Governo apagou do Relatório de Segurança Interna)”.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, alertou para o agravamento da ameaça da extrema-direita: “Os neofascistas atacam os livros, o teatro e quem faz a cultura. Fazem-no porque acham que podem”.
Também Isabel Moreira, deputada do PS, questionou diretamente o primeiro-ministro: “Luís Montenegro, quais as prioridades do Governo em matéria de política de segurança e de educação? Anunciar mega operações contra imigrantes e desistir da educação para a cidadania como disciplina obrigatória?”
O porta-voz do Livre, Rui Tavares, foi igualmente claro: “É inaceitável que uma peça seja cancelada devido a um grupo neofascista. É o resultado de não haver clareza na rejeição do discurso de ódio”.
No meio artístico, várias vozes se ergueram. A atriz Luísa Ortigoso usou o Instagram para demonstrar apoio a Adérito Lopes e à companhia A Barraca, associando o ataque ao assassinato de Alcindo Monteiro. Já Ângela Pinto escreveu: “Afinal, quem espalha o horror e a insegurança são criaturas de extrema-direita…”, acompanhando a mensagem com hashtags como “#não_passarão” e “#fascismo_nunca_mais”.
A companhia A Barraca, que Maria do Céu Guerra definiu como um “símbolo de paz”, vive agora momentos de choque e receio. O elenco de 14 atores expressa medo de voltar a sair à rua após o ataque. A peça, uma homenagem à obra de Luís de Camões, terminou em silêncio, substituída por um episódio de violência que reacende o debate sobre a ameaça da extrema-direita em Portugal e a falta de respostas políticas e institucionais para conter os seus avanços.