Opinião: Por Carlos Papafina

Com a proximidade das eleições legislativas de 2025 e a menos de seis meses das eleições autárquicas, assiste-se a um fenómeno preocupante em diversas autarquias portuguesas: a utilização de boletins municipais como plataformas de promoção pessoal e política dos presidentes de câmara, financiadas com dinheiros públicos. O caso do Boletim Municipal de Estremoz (Edição n.º 5, nov. 2024 a mar. 2025) constitui um exemplo claro de como a fronteira entre informação institucional e propaganda eleitoral tem vindo a ser perigosamente esbatida.

O caso de Estremoz

O referido boletim, amplamente distribuído e com tiragem de 5.000 exemplares, apresenta um editorial assinado pelo presidente da câmara, José Daniel Pena Sádio, onde, para além de um exaustivo balanço do mandato, se incluem declarações laudatórias e promessas para o futuro. A expressão “Fizemos mais em 4 anos que outros em 12!” é apenas um dos muitos exemplos de um discurso que não se limita a informar, mas visa claramente capitalizar politicamente sobre obras e ações desenvolvidas, antecipando um cenário de recandidatura.

Ao longo das 40 páginas do boletim, o tom é de autoelogio constante: inaugurações, requalificações, aquisição de viaturas, investimentos culturais, subsídios a associações, festivais e comemorações. Tudo apresentado de forma unilateral, sem qualquer contraditório, numa clara violação do equilíbrio democrático e pluralismo político que a comunicação institucional deve respeitar.

O Que Diz a Lei?

Segundo o n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 72-A/2015, que altera o regime jurídico da propaganda eleitoral, “durante o período de campanha eleitoral, a atividade de publicidade institucional das entidades públicas é suspensa”. Ainda antes desse período, os princípios da imparcialidade e neutralidade das instituições públicas devem reger toda a comunicação da Administração Pública, incluindo os municípios, conforme estabelecido no artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo.

Adicionalmente, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tem sido clara nas suas deliberações: não é admissível que, em proximidade de atos eleitorais, os municípios publiquem boletins onde se exaltem os méritos da gestão do executivo, mesmo que não haja apelo direto ao voto. A CNE considera tal prática como propaganda política proibida, com potencial para influenciar ilegitimamente o eleitorado, sobretudo quando é financiada por recursos públicos.

Em vários pareceres, a CNE determinou que tais comportamentos podem configurar violação do princípio da igualdade de oportunidades dos candidatos, previsto no artigo 41.º da Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais (Lei Orgânica n.º 1/2001), sendo passíveis de sanções ao titular do cargo, incluindo advertência e participação ao Ministério Público.

Violação Ética e Legal

O boletim analisado, com data de publicação em abril de 2025, surge num momento de elevada sensibilidade política: a poucas semanas das eleições legislativas, marcadas para 18 de maio, e a menos de seis meses das eleições autárquicas. A sua divulgação neste contexto fere frontalmente os princípios de neutralidade e imparcialidade que devem nortear a comunicação institucional, especialmente em períodos eleitorais. Produzido com recursos do erário público, o boletim apresenta dezenas de ações do executivo municipal, entrevistas e textos de evidente exaltação da figura do atual presidente da câmara, sem qualquer direito ao contraditório ou pluralismo político. Trata-se, assim, de uma comunicação orientada para a promoção pessoal, com claros contornos de propaganda, contrária aos princípios democráticos e à legislação eleitoral vigente.

Importa perguntar: onde está o espaço para os restantes vereadores ou forças políticas representadas na assembleia municipal? Onde está a pluralidade democrática?

A publicação do Boletim Municipal de Estremoz, neste contexto, parece não apenas eticamente reprovável, mas também juridicamente questionável. Se, como tudo indica, o atual presidente pretende recandidatar-se, este tipo de atuação poderá configurar infração eleitoral, uso indevido de meios públicos em proveito próprio e violação dos deveres de neutralidade institucional, expondo-o a responsabilidade política, administrativa e eventualmente penal.

A democracia exige transparência, equidade e respeito pelas regras do jogo. A instrumentalização de boletins municipais para fins de propaganda pessoal não é apenas um abuso de poder. É um ataque à própria integridade do processo democrático.