A substituição do gás russo por gasoduto pelo gás natural liquefeito (GNL) importado, sobretudo dos Estados Unidos, está a tornar a Europa mais exposta à instabilidade dos mercados e a prolongar a pressão sobre os preços até, pelo menos, 2027, segundo a Eurogas.

Estamos a assistir a uma mudança no sistema energético europeu. Passámos de contratos estáveis por gasoduto para um mercado dependente de cargas de GNL, que podem ser desviadas conforme a conjuntura global, afirmou Cristian Signoretto, presidente da entidade que representa o sector europeu do gás.

A guerra na Ucrânia levou a União Europeia a reduzir drasticamente as importações de gás russo, apostando na diversificação do aprovisionamento energético. O vazio está a ser preenchido, em grande parte, por GNL proveniente dos Estados Unidos, enquanto a procura cresce também na Ásia, onde o carvão está a ser substituído por gás natural. Esta competição global deverá manter os preços elevados, entre 30 e 40 euros por megawatt/hora, até que novos projetos de liquefação entrem em operação, o que deverá acontecer entre 2027 e 2029.

Só depois de 2027 esperamos um regresso aos níveis pré-guerra, entre 20 e 25 euros, acrescentou Signoretto, alertando para o risco de desinvestimento no sector, caso persista a ideia de que a procura europeia irá colapsar.

A Eurogas contesta as projeções da Comissão Europeia, que apontam para uma redução de quase 50% no consumo de gás até 2030, considerando-as irrealistas. Há sectores, como o residencial e o industrial, onde ainda não é viável substituir o gás. Isso precisa ser reconhecido, defendeu o presidente da associação.

Embora a dependência energética da Rússia tenha diminuído, a nova configuração do abastecimento torna a segurança mais complexa. Por isso, a Eurogas defende contratos de longo prazo com diversos fornecedores, investimentos no armazenamento de gás e a manutenção da capacidade térmica como salvaguarda. Aprendemos que não podemos depender de uma única fonte, como aconteceu com a Rússia. A diversificação é agora uma prioridade, frisou Signoretto, lembrando que a Europa também importa gás de países como o Catar.

As estimativas da Comissão Europeia não refletem, segundo o responsável, a realidade técnica e económica dos Estados-membros. A previsão de uma redução de 150 mil milhões de metros cúbicos, quase metade do consumo atual, não é plausível. Nem nos lares, nem na indústria, nem na produção de energia, reforçou.

Cristian Signoretto sublinhou que a substituição do gás por outras fontes é lenta e, muitas vezes, impraticável. A ideia de eletrificar tudo rapidamente é irrealista e cara. O gás, especialmente o de baixo teor de carbono, como o biometano e o hidrogénio, continuará a ter um papel estratégico até e após 2030, afirmou.

No sector residencial, a troca por bombas de calor enfrenta limitações técnicas, custos elevados e inadequação dos edifícios. Milhões de habitações, como em Itália, não permitem essa substituição. O gás continuará a ser necessário durante anos, referiu.

Já no sector industrial, a queda no consumo deve-se sobretudo à deslocalização da produção e não à transição energética. Isso é preocupante, não um sinal de sucesso climático, alertou.

O presidente da Eurogas avisou ainda que previsões demasiado otimistas podem comprometer investimentos e pôr em risco o abastecimento futuro. Se assumirmos que deixaremos de precisar de gás e depois precisarmos, descobriremos que ninguém investiu e que não há oferta disponível, referiu.

A associação está em diálogo com a Comissão Europeia para rever os modelos e apela a mais pragmatismo: Não se trata de abdicar das metas climáticas, mas de reconhecer a realidade no terreno e planear em conformidade.

Signoretto defende uma abordagem tecnologicamente neutra, com um sistema híbrido onde a eletrificação seja complementada pelo uso de moléculas descarbonizadas. Um sistema totalmente elétrico é menos fiável. É preferível descarbonizar o gás do que tentar eletrificar tudo, concluiu.

Nesse sentido, o responsável salientou ainda que o apagão que deixou Portugal e Espanha sem eletricidade durante mais de 10 horas comprovou a importância do gás natural na estabilidade do sistema elétrico, e apontou Portugal como peça-chave na transição energética europeia.

Portugal já depende em grande parte do GNL e está a planear substituir até 20% do gás fóssil por biometano e hidrogénio verde. Isto está perfeitamente alinhado com a visão europeia para descarbonizar o sistema mantendo a resiliência, afirmou.

Cristian Signoretto destacou que as turbinas a gás proporcionam inércia ao sistema, a capacidade de manter a estabilidade da rede elétrica, e são fundamentais para assegurar o equilíbrio quando as fontes renováveis, como o sol e o vento, não produzem energia suficiente. As turbinas a gás foram essenciais durante o apagão de abril, evidenciando a necessidade de soluções técnicas robustas para garantir a segurança do abastecimento, disse.

Durante o incidente que afetou toda a Península Ibérica, foram ativadas duas centrais com capacidade autónoma de arranque (blackstart): uma hidroelétrica (Castelo de Bode) e outra a gás natural (Tapada do Outeiro), que permitiram restaurar o fornecimento elétrico.

O presidente da Eurogas reforçou também que Portugal está bem posicionado para ser uma peça-chave na transição energética europeia, graças ao seu potencial em energias renováveis e gases verdes.

Relativamente ao hidrogénio verde, assinalou que Portugal e Espanha são abençoadas com sol e vento, apresentando um elevado potencial para suprir o mercado interno e para exportação. Transformar energia renovável em hidrogénio permitirá estabilizar o sistema e criar um novo sector industrial. Portugal é um destino atrativo para investimento, mas é preciso acelerar os apoios e a procura, acrescentou.

Embora vários projetos estejam a sofrer atrasos devido a limitações de financiamento e procura, o presidente da Eurogas defende uma abordagem pragmática para o desenvolvimento do hidrogénio. É preferível ter hidrogénio com 60 ou 70% de descarbonização agora do que esperar por um cenário 100% verde e ficar sem alternativas, comentou.

Além disso, reforçou que a descarbonização do sistema energético europeu deve integrar o gás natural e os gases de baixo carbono, pois é mais barato descarbonizar o gás do que eletrificar tudo.

O responsável salientou ainda que sectores como o residencial e o industrial ainda dependem fortemente do gás, e a substituição total por eletricidade enfrenta limitações técnicas e financeiras. A eletrificação da última milha é significativamente mais dispendiosa do que integrar gases renováveis através de tecnologias como biometano, captura e armazenamento de carbono (CAC) ou hidrogénio com baixa pegada de carbono, explicou.

A Eurogas defende, assim, uma transição energética baseada na neutralidade tecnológica, que combine eletrificação, moléculas limpas e soluções industriais viáveis. Para Cristian Signoretto, o fundamental é atingir a meta de emissões líquidas nulas, independentemente da tecnologia utilizada. Metas climáticas demasiado rígidas ou idealistas podem comprometer a adesão política e social ao processo de transição, concluiu.