Elas não calçam chuteiras, mas sentem cada passe como se estivessem no relvado. Não entram em campo, mas vibram, gritam, sofrem e choram como se fossem mais duas jogadoras a vestir a camisola das Quinas.

Catarina e Filipa Barbudo são duas irmãs algarvias, de 24 e 21 anos, respetivamente, que se tornaram símbolos de um amor incondicional pela Seleção Nacional Feminina. Desde 2021 que acompanham a equipa para (praticamente) todo o lado e neste Campeonato Europeu, na Suíça, lá estarão novamente. Como sempre estiveram.

«Foi logo a seguir a um jogo em Faro», começa Catarina, com o brilho nos olhos de quem ainda ouve o apito final. «Saímos do estádio, olhámos uma para a outra e pensámos: 'Isto foi diferente, foi mais do que um jogo. E se fôssemos a todos?' Começámos em Barcelos, depois Manchester, depois a Sérvia... E nunca mais parámos.»

Desde então, acumulam mais de 30 internacionalizações na bancada e 12 países diferentes. Dos jogos às 11 da manhã em estádios vazios ao Mundial na Oceânia, passando pelo Europeu em Inglaterra. Do silêncio absoluto ao hino entoado por 41 mil pessoas no Estádio do Dragão. Do anonimato à cumplicidade com as próprias jogadoras. Hoje são rostos familiares, mas, mais do que isso, são presença. São permanência. São casa, mesmo quando a Seleção joga fora.

Uma vida a contar folgas e a poupar

Viajar com a Seleção não é apenas paixão. É também logística, sacrifício e criatividade.

Filipa sorri, mas não esconde as dificuldades. «É complicado por causa do trabalho. Às vezes, temos de procurar empregos que nos permitam pedir folgas para poder viajar. No início, era mais fácil. Andava na escola e faltava [risos]. Poupamos mesmo muito. Metade do ordenado vai para viagens, hotéis, tudo.»

Mesmo assim, há sempre o inesperado - como na Nova Zelândia, onde chegaram do aeroporto com um por cento de bateria no telemóvel, sem conseguir levantar o carro alugado por falta de carta internacional. «Ficámos a pensar 'Se aquela senhora não nos tivesse deixado carregar o telefone, não saíamos dali'», lembra Filipa, entre o riso e a incredulidade.

Mas foi na Nova Zelândia que viveram o maior arrepio da jornada. «Nós não acreditávamos que íamos mesmo ao Mundial. Levámos três dias de viagem. E quando a Ana Capeta rematou ao poste contra os Estados Unidos...», suspira Catarina: «Ainda hoje sinto esse peso no coração.»

Entre a bancada vazia e o recorde do Dragão

Numa Algarve Cup, em 2022, contavam três pessoas no estádio - elas e um adepto norueguês. «Agora são 41 mil a cantar o hino. É inacreditável. É um orgulho ver como isto cresceu», diz Filipa.

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Ainda assim, continuam a preferir os jogos fora. «Sabemos que as jogadoras sentem mais a ausência de apoio fora do país. E nós já sentimos o que é estar num estádio vazio. Queremos que elas sintam que não estão sozinhas, independentemente do país.»

Na recente qualificação para o Europeu, na Chéquia, voltaram a emocionar-se. «Ficámos até desligarem as luzes do estádio. Ver tantos portugueses a vibrar fora do país foi como pensar: missão cumprida. Nós conseguimos ver este futebol crescer. E sentimos que ajudámos um bocadinho.»

As irmãs Barbudo não procuram selfies nem autógrafos. Preferem o carinho. «Há jogadoras que já ficam felizes só por nos verem. A Fátima Pinto, na Chéquia, iluminou-se quando nos viu. A Ana Dias, na Bélgica, veio ter connosco cheia de alegria. E isso é a melhor recompensa. Não precisamos de fotos. Basta esse olhar.»

Fizeram amizades no futebol feminino que não esperavam. «É como os jogadores dizem: o futebol não é só o jogo, são as pessoas.»

E são essas ligações que as mantêm firmes, mesmo quando são apenas duas entre milhares. Ou quando são as únicas. Mesmo quando a superstição manda mudar de sapatos ou garantir que a pintura de guerra na cara está bem feita.

Afinal, são esses pequenos hábitos que guardam na memória. «A Filipa acredita que a roupa que veste e aquilo que leva para o estádio influencia os resultados», afirma Catarina, numa ideia completada por Filipa: «Acho que nunca nos falta, quando entramos no estádio, a pinturazinha na cara. Aquela marca de guerra. Vamos sempre prontas.»

O Algarve no coração, mas longe do centro

Sendo do sul de Portugal, as irmãs não escondem alguma mágoa. «Ficamos um pouco tristes por o Algarve ser um pouco esquecido. Sabemos que no norte os estádios enchem mais, mas o sul também merece. O Alentejo também. E quando houve aquele torneio com Benfica, Sporting e Sevilla, foi especial - conseguimos até levar a nossa avó, que adora os jogos.»

A avó, aliás, também não escapa ao entusiasmo. «Tem duas favoritas: a Ana Borges e a Lúcia Alves contam, com um sorriso largo. Foi possível levá-la ao estádio em Portimão, e esse gesto encheu-lhes o coração. Mas fica sempre o desejo de mais. «Ela vibra em casa, mas nós gostamos mesmo é que ela vibrasse no estádio», disseram. Para isso, pedem apenas uma coisa: que o Algarve - e até o Alentejo - volte a ter vez.

@DR

Esse desejo é também reflexo de um tempo novo. Quando começaram, os jogos quase não tinham divulgação, os estádios estavam vazios e o futebol feminino ainda lutava para ser visto.

Hoje, veem as mudanças à frente dos próprios olhos. O Benfica nos quartos da Liga dos Campeões, a Seleção com 40 mil adeptos no Dragão, a Liga dos Campeões de regresso a Lisboa... é tudo tão diferente do que era. Mas talvez o mais bonito de tudo seja saber que, entre todas essas mudanças, também elas ajudaram a construir esse caminho.

O Europeu está à porta e, claro, Catarina e Filipa já estão na Suíça. Porque o amor não tem pausa. Porque o apoio não conhece distâncias. Porque, no fundo, para muitas das jogadoras, ver aquelas duas caras conhecidas em mais um país que não o de casa é lembrar que a Seleção tem adeptas que nunca falham.

Por último, fica a mensagem de apoio.

«Têm sido tempos difíceis, mas, como diz a música que elas mais ouvem- e é a música que faz mais sentido- 'É preciso perder para depois se ganhar'. As derrotas que tivemos só nos deram mais força para entrarmos neste Euro, para arrasarmos com aquilo e para mostrarmos que somos capazes de mais», afirma Filipa.

«O público está com elas. Que continuem a acreditar, independentemente dos resultados anteriores. Vamos estar sempre a gritar por elas e a acreditar por Portugal», conclui Catarina.

Na Suíça, como sempre, elas vão lá estar. Porque, afinal, a Seleção pode jogar em qualquer lugar. Mas casa... Casa vai sempre com elas.