Dizem que o Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas é entrave a quem quer desenvolver um futebol explanado na totalidade dos centímetros do campo. Depende sempre do engenho de quem se manifesta em cima da relva conseguir ou não realizar uma espargata coletiva que cumpra o preceito de um jogo elegante.
Pelas medidas da passerelle verdejante ou pelo engenho da equipa que naquele tapete sacode os pés nos jogos em casa, foi nesta geografia minhota que o Moreirense conseguiu nos pretéritos enfrentamentos com Benfica (Primeira Liga) e FC Porto (Taça de Portugal) evitar a derrota. Ou seja, além de curto, o relvado parecia escorregadio. Para um Sporting de patins calçados, era tudo o que não convinha.
Era numa invulgar condição de minguante confiança que os leões iam a Moreira de Cónegos tentar resgatar o ânimo perdido nas derrotas caseiras contra o Santa Clara, para o campeonato, e contra o Arsenal, para a Liga dos Campeões. Não tem sido habitual, ao longo do período de invejável bem-estar exibicional que antecedeu a chegada de João Pereira, ver o Sporting encadear derrotas. Certo é que o surto gripal com origem no choque térmico de uma mudança repentina de treinador continua a agravar o estado de um líder que até aqui emanava intocável vivacidade. Posto isto, João Pereira continua sem conseguir batizar a sua era como técnico verde e branco com uma vitória após voltar a ceder diante do Moreirense (2-1).
A montagem do onze inicial até assumia pretensões de ensaiar uma reviravolta comportamental. João Pereira incluiu Daniel Bragança nos titulares, sem que para isso abdicasse de Morita. A veia criativa do médio português escondeu-se na esquerda e tentou destapar-se no corredor central durante os procedimentos ofensivos. No entanto, o rasgo voltou a não acompanhar o Sporting e a esperança parece estar a demonstrar interesse em deixar de vestir o tom de verde dos leões.
As técnicas de ilusão que o vanguardismo incutiu nesta modalidade sugerem que, antes da marcação de um penálti, seja um mentiroso jogador a agarrar na bola para deixar o guarda-redes em dúvida em relação ao batedor. Certas circunstâncias fazem questão de ridicularizar esta estratégia. Só alguém acabado de chegar de umas férias em Saturno é que poderia pensar que seria Daniel Bragança, que teve o globo amarelo na mão até perto da autorização do árbitro, a cobrar o castigo máximo e não Gyökeres. Mesmo sem se deixar levar pela manobra, Kewin Silva ficou a implorar que a genética lhe tivesse dado um pouco mais de comprimento de braços para parar aquela bola, algo que não conseguiu fazer.
Verdade seja dita que o Moreirense não perdera a estabilidade. Aliás, o golo do Sporting surge de uma espampanante e despropositada falta de Marcelo num dos raros momentos em que os jogadores da equipa de César Peixoto deixaram um companheiro a sós com um adversário. Rejeitando o futebol batata quente, em que a bola nem tem tempo de escaldar nos pés de ninguém tal a velocidade com que os seus protagonistas se desfazem dela, os cónegos amaciaram a posse nos honrados pés de Alanzinho e Ismael até que o fluxo chegasse a Madson e Benny, os extremos.
Demonstrando ser uma das poucas pessoas deste mundo que se dá bem no para/arranca do tráfego congestionado, Madson arrancou um livre lateral que Alanzinho encaminhou para a cabeça de Dinis Pinto. Não se pense que a pontual situação de, com a bola parada, colocar a bola na área resume a capacidade demonstrada pelo Moreirense, frequentemente capaz de usufruir de apoios frontais que ondulavam o jogo até adiante, deixando os leões sob pressão. Geny Catamo, em particular, claudicou ao executar um lançamento de linha lateral nos pés de Guilherme Schettine, avançado brasileiro que fez a reviravolta a dez minutos do intervalo, tendo Kovačević que intervir para que o descalabro não fosse maior.
Foi um reinício irado do Sporting. Marcelo até agradecia que o remate de Trincão não lhe tivesse anestesiado o lado esquerdo da cara quando o central já estava derramado no chão. Seguiu-se um cabeceamento de Hjulmand à barra que esbateu o efeito da palestra ao intervalo. Foram 10 minutos da segunda parte mais revestidos de perigo do que toda a primeira.
O Moreirense viu entupidos os canais que havia utilizado para atacar, sobretudo pela consciência da preciosidade do feito que estava perto de atingir. Nessa fase, iam-se agigantando os centrais – Marcelo, Maracás e Ponck – para que nenhuma ofensiva do adversário fosse concluída sem safanões. Em câmara lenta, Gonçalo Inácio voltou a deixar vestígios na barra da baliza de Kewin Silva, a última sugestão de ameaça.
Sendo o Benfica bem-sucedido até lá e, no jogo em atraso contra o Nacional, a realizar no dia 19 de dezembro, pode saltar para a liderança do campeonato. Além disso, o FC Porto, caso vença em Famalicão, pode igualar os 33 pontos dos leões. Dois jogos na Primeira Liga com João Pereira e esfumou-se o conforto conseguido por Ruben Amorim.
No norte do país, o Sporting apresentou-se com um equipamento preto e dourado, com um gigante número sete à frente, mensagem de amor subliminar a Cristiano Ronaldo, embaixador português na Arábia Saudita. Fosse a descaracterização da indumentária o pior problema do emblema de Alvalade que voltou a praticar nudismo de ideias.