O nosso país vive para o futebol, somos onze milhões que vibram com este desporto numa apoteose quase religiosa, mas temos uma concentração de adeptos em massa em três clubes. Este facto não é novo, mas lança o mote desta análise: Será que redistribuição de receitas dos direitos televisivos sobre uma quota de mercado que está distribuída em três clubes (aproximadamente 95%) é justa? Será que os clubes que contribuem mais para a valorização total do produto da liga devem ser prejudicados?

Tudo começa com o decreto-lei 22-B de 22 de Março de 2021. A obrigatoriedade de uma comercialização centralizada dos direitos televisivos sem qualquer indicação. Este assunto já foi amplamente debatido, esmiuçado e, ao mesmo tempo, surgiram diferentes ideias acerca do modo como esta centralização se deve suceder. O problema nasce aqui, não existe ao dia de hoje nenhuma luz ao fundo do túnel para podermos antecipar como é que a “tão grande” reforma do futebol português vai impactar os clubes.

Antes de olharmos para dentro, vale a pena olhar lá para fora. Na Bélgica, 80% das receitas são distribuídas de forma igualitária; em Espanha e Inglaterra, a divisão é mista, ponderando mérito desportivo e audiências. Mas será que algum destes modelos garante, de facto, competitividade? Nem por isso. A liga belga tem um nível mais equilibrado, mas está longe de ser referência. Já na Premier League ou na La Liga, os títulos continuam a ir para os mesmos de sempre. Ilusão de equilíbrio? Provavelmente.

E aqui entra a Liga portuguesa. Uma liga que não tem grande competitividade nos três primeiros lugares, mas uma liga que exprime a sua divisão de adeptos territorialmente. O Benfica tem a maior margem de adeptos em Portugal, o Sporting e o Porto fecham a quota dos três grandes em 94,5%. A liga portuguesa irá sempre ser desigual a partir da sua génese, podemos apontar aqui uma falha na cultura desportiva pela falta de regionalismo, mas isso não deve servir de desculpa para impormos um esforço desmedido a três clubes, com foco especial no Benfica que sairá deste processo como o maior afetado.

No início de toda a discussão temos de manter uma posição intelectualmente honesta e dizer que os clubes grandes não competem sozinhos, logo os clubes ditos pequenos não servem apenas para os “grandes” terem um calendário preenchido, por isso creio que deve existir um sistema de repartição de receitas, mas nunca numa base centralizada.

A meritocracia tem de ser um foco da liga e dos próprios clubes, é absurdo admitirmos que há justiça que um clube como o Arouca receba o mesmo de receitas televisivas se ficar em 4.º lugar ou se ficar em 15.º, mas essa meritocracia não pode ser concretizada num modelo que retire a priori 50% de receitas de clubes que conseguiram agregar essas receitas pelo seu mérito próprio. Como disse recentemente Nuno Catarino, administrador da SAD do Benfica: dos 20 jogos mais vistos, 17 são do clube da Luz. O que responde a Liga? Que seria melhor não gerar tanto valor, porque não será devidamente reconhecido. Surreal.

Na minha visão, a solução está no equilíbrio: os três grandes devem contribuir com 10 a 15% das suas receitas para uma bolsa comum a distribuir pelos restantes clubes. Todos os clubes, sem exceção, deveriam ainda entregar 10% no final da época, a repartir conforme a classificação. Um modelo assim manteria a autonomia dos clubes, premiando quem mais investe e melhor gere. Importa também não cair no erro de copiar cegamente o que se faz lá fora.

Acresce também alguma reflexão sobre o facto de utilizarmos modelos comparativos cuja receita assenta maioritariamente em mercados internacionais, ou seja, quando olhamos para a Premier League sabemos logo que cerca de metade do valor total das receitas televisivas provém de uma alta valorização internacional do seu produto, algo que a liga portuguesa não consegue almejar e creio que jamais irá conseguir atingir.

A dita responsabilidade social que a Liga tem de ter, não pode ser suportada pelos três grandes. O governo não pode estar alienado às vicissitudes do mercado e acima de tudo não pode querer forçar uma negociação coletiva sem apresentar qualquer indicação. A premissa nunca pode ser “se é praticado lá fora, porque não importar para Portugal?”. Qualquer mudança profunda tem de ser marcada por um longo processo de estudo e nunca por relatórios superficiais, alusões a valores de justiça ou simplesmente sob uma égide de tentar trazer o que se faz lá fora para cá e esperar os mesmos resultados. Portugal enquanto país está na cauda da europa, mas no futebol consegue estar perto do topo, não esqueçamos que não é por acaso que todas as ligas do top five equivalem aos cinco países mais ricos do velho continente.

A minha visão é clara e a “grande reforma” da liga portuguesa nunca passará, em primeiro lugar, por uma alteração na distribuição de receitas.