A Catedral de Notre-Dame de Paris reabre a 8 de dezembro, mais de cinco anos após o incêndio devastador que destruiu totalmente elementos do monumento, mas outros ficaram a salvo ou foram recuperados.

Destacamos os principais elementos afetados ou preservados pelas chamas e as novidades que fazem deste restauro um marco histórico.

O que foi destruído

A destruição mais evidente é do elemento emblemático do monumento: o pináculo de Eugène Viollet-le-Duc, que ruiu de uma altura de 93 metros.

A estrutura, conhecida como “a floresta”, uma joia da arquitetura medieval, foi também devorada pelas chamas.

Entre os vários elementos que ficaram destruídos destacam-se a cobertura do amplo sótão, parte da abóbada, bem como o palco litúrgico e o mobiliário do século XX.

Reuters

O que foi danificado

O velho galo, instalado em 1859 e restaurado em 1935, foi encontrado entre os escombros amolgado, mas inteiro.

As três empenas, norte, sul e poente, bem como as suas decorações esculpidas foram danificadas, tal como parte do campanário norte.

Dois dos oito sinos foram restaurados depois de terem sofrido com o calor.

Ficaram ainda danificadas cinco grandes quimeras de Eugène Viollet-le-Duc da torre sul, a cruz da abside, o único elemento da cobertura do coro que sobreviveu às chamas, o pavimento da nave e os dois braços do transepto e o órgão do coro.

O que foi salvo ou poupado ao fogo

As relíquias, das quais as mais emblemáticas são a coroa de espinhos, os pregos da cruz e o pedaço de madeira da cruz, foram salvas, retiradas da catedral numa ordem de prioridade previamente estabelecida. Os objetos sagrados do “tesouro”, guardados na sacristia, também ficaram ilesos.

A Virgem com o Menino, ou Virgem do Pilar, foi encontrada intacta no meio dos escombros, mas coberta de pó de chumbo, tal como o maior órgão de França que a catedral alberga. Foi limpo, os seus 8 mil tubos remontados e harmonizados.

O grande tapete do coro não foi danificado, nem pelas chamas nem pela água derramada pelos bombeiros porque estava no armazém, de onde só é retirado e utilizado em raras ocasiões.

As estátuas do pináculo, compostas pelos 12 apóstolos e quatro evangelistas que adornavam o telhado da Notre-Dame, escaparam por pouco ao incêndio porque tinham sido removidas dias antes para restauro.

Salvaram-se as grandes rosáceas das fachadas norte, sul e oeste, bem como os vitrais.

Foram também poupados os 13 “Maios”, grandes pinturas dos séculos XVII e XVIII oferecidas pela corporação de ourives parisienses, bem como o maior sino de Notre-Dame da torre sul que não foi atingido pelas chamas.

Ficaram ainda preservadas a Pietà do escultor Nicolas Costou, as grades douradas de ferro forjado do coro e as cadeiras do coro.

O que será novo

A catedral tem novo mobiliário, como um novo grande relicário na capela do eixo central, onde serão expostas três relíquias associadas ao momento da morte de Jesus Cristo, que foram retiradas à pressa durante o incêndio: a coroa de espinhos, um prego da crucificação e um pedaço de madeira da cruz.

A Coroa de Espinhos no interior do novo relicário desenhado pelo artista francês Sylvain Dubuisson, 29 de novembro de 2024
A Coroa de Espinhos no interior do novo relicário desenhado pelo artista francês Sylvain Dubuisson, 29 de novembro de 2024 Stephane de Sakutin / AP

O novo expositor, feito na Fundação Coubertin em Paris, possui cerca de três metros de altura e um estilo contemporâneo, que permite aos visitantes maior proximidade com a coroa de espinhos, que se encontra em Paris há quase oito séculos.

A decoração interior da catedral incluirá ainda três tapeçarias do artista espanhol Miquel Barceló e quatro outras peças de arte têxtil do pintor britânico Michael Armitage, nascido no Quénia, colocadas no corredor norte.

Notre-Dame contará com o regresso de concertos com solistas, orquestras e coros, mas também do seu impressionante órgão, que não foi danificado pelo incêndio, mas necessitou de uma desmontagem e de uma limpeza completa dos seus 8.000 tubos.

A catedral foi equipada com um novo sistema de combate a incêndios que inclui um sistema de nebulização de água na estrutura de madeira, corta-fogo e câmaras térmicas. O presbitério alberga agora sistemas de segurança e de vigilância contra incêndios.

Graças à limpeza das paredes, abóbadas e decorações, a Notre-Dame tem agora mais luminosidade e foi traçado um novo percurso de peregrinação nas capelas.

CHRISTOPHE PETIT TESSON

Foi colocado um tubo selado com os nomes dos que participaram na reconstrução da catedral no novo galo.

Até 2026, os vitrais contemporâneos desejados por Emmanuel Macron deverão substituir cinco dos seis vãos do corredor sul de Notre-Dame (lado do Sena), criados no século XIX por Viollet-Le-Duc. Estes vitrais, tal como os outros, não foram danificados pelo fogo, mas estão muito sujos.

A reconstrução da Notre-Dame em números

A recuperação da catedral sofreu sucessivos atrasos devido à necessidade de limpar a contaminação por chumbo, à pandemia de covid-19 e a escavações arqueológicas, com a fase de reconstrução a começar apenas em 2022. Na altura, o Presidente francês e as autoridades da Igreja Católica apontaram a reabertura para o ano de 2024.

O restauro da emblemática catedral gótica envolveu técnicas inovadoras, como a impressão em 3D para criar réplicas precisas de elementos danificados, e especialistas para proceder a todas as limpezas e restauros de grande parte do património.

Valor do investimento

O projeto teve um orçamento de 700 milhões de euros, mas os trabalhos em Notre-Dame terão de continuar até 2030, para concluir partes mais frágeis da catedral, como a decoração da nave.

O Governo francês comprometeu-se, desde o início, a financiar a maior parte da restauração com recursos públicos, que permitiram a conclusão rápida das obras de restauro, que incluiu a reconstrução do edifício e dos vitrais, a preservação das obras de arte, a proteção da estrutura e a modernização das infraestruturas de segurança.

Onda de solidariedade mundial

O incêndio, na altura acompanhado em direto em todo o mundo, gerou uma onda de solidariedade à escala mundial, com 340.000 mecenas (pessoas e empresas) de cerca de 50 países, que permitiram exclusivamente através dos donativos a instalação do "estaleiro do século".

A Fundação Notre-Dame, uma das quatro organizações autorizadas a angariar fundos como parte da subscrição nacional para a restauração e conservação da catedral, atualmente presidida pelo Arcebispo de Paris, Laurent Ulrich, revelou em exclusivo ao jornal La Croix que angariou 350 milhões de euros para financiar a obra.

Em novembro, o chefe do projeto de restauro, Philippe Jost, afirmou que ainda restavam 140 milhões de euros dos fundos, montante que será utilizado para apoiar futuros trabalhos vitais de preservação do monumento gótico.

Número de trabalhadores

A reconstrução envolveu mais de 2.000 trabalhadores e especialistas, homens e mulheres, e 250 empresas ao longo deste período. De bombeiros a arquitetos, passando igualmente por pedreiros, carpinteiros, escultores, pintores ou técnicos de rapel, todos contribuíram para o "projeto do século", como foi apelidado em novembro pelo Presidente Macron.

Graças a estes, a catedral parisiense ficou essencialmente fiel à sua configuração anterior e até com aspetos de segurança mais modernizados para evitar acidentes como o de 2019.

Durante a visita de novembro, o Presidente francês agradeceu aos envolvidos no restauro por terem "transformado o carvão em arte".

Monumento mais visitado da Europa

Construída no século XII, a catedral era um dos monumentos mais visitados da Europa antes do incêndio, com cerca de 12 milhões de visitantes em 2017. A diocese espera agora receber 15 milhões de visitantes anuais.

Embora a partir de 16 de dezembro a catedral possa receber público para as missas e visitas agendadas, é esperado que só a partir de fevereiro seja retomada a normalidade das visitas e até lá 37.000 pessoas já se inscreveram, segundo a diocese.

É esperado que 40.000 visitantes passem diariamente pela nave, agora mais iluminada, que é composta por 1.000 retângulos de chumbo de 50 quilos, além de outros 1.000 para o coro suportados pela "floresta" (estrutura superior).

Controvérsias

A diocese de Paris lançou um projeto, apoiado por Macron, para a instalação de vitrais contemporâneos na catedral, sendo alvo de críticas por parte de cidadãos que pedem que os vitrais antigos sejam respeitados, numa petição lançada em dezembro de 2023 no jornal La Tribune de l'art que conta com 235.000 assinaturas. Embora os vitrais antigos sejam um exemplo das intervenções centenárias com trabalhos dos séculos XIII, XVII, XIX e XX.

Além disso, as autoridades religiosas francesas estão em conflito com a ministra da Cultura, Rachida Dati, que quer cobrar cinco euros de entrada por visitantepara angariar fundos para a preservação do património religioso (o segundo maior do mundo com mais de 100.000 edifícios, em que cerca de 40.000 - construídos antes de 1905 - pertencem ao Estado), o que renderia 75 milhões de euros anuais.

O arcebispo de Paris defende a posição de livre acesso às igrejas e catedrais, até pela dificuldade logística de distinguir visitantes e religiosos, embora o ministro do Interior francês, Bruno Retailleau, que tutela os assuntos religiosos, tenha apoiado a proposta, citando o exemplo da basílica da Sagrada Família, em Barcelona.