
A dois dias de começar a ser julgado em Lisboa, na Operação Marquês, e acompanhado dos advogados belgas, José Sócrates explicou, em Bruxelas, as razões que o levaram a querer avançar para um tribunal europeu contra o Estado português.
Munido de várias folhas e dirigindo-se aos jornalistas, o ex-primeiro-ministro português dividiu as razões em três ordens, começando, desde logo, pela última e mais importante de todas, o “lapso de escrita”.
José Sócrates disse que “em 2021 o Tribunal de Instrução considerou todas as alegações do processo Marquês como fantasiosas e os crimes prescritos". Só que quatro anos depois da decisão, do juiz Ivo Rosa, três juízes do Tribunal da Relação “inventaram um lapso de escrita”, acusa.
“O lapso de escrita é uma artimanha que serviu apenas para manipular os prazos da acusação”, acusa José Sócrates. “Foi a gota de água que me levou a decidir para uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”.
“Só as ditaduras escolhem juízes para processos”
O segundo ponto que o levou a avançar para o Tribunal Europeu é o que diz ter sido a “violação do princípio fundamental do juiz natural”. Sócrates acusa o Ministério Público de “manipulação” na escolha dos juízes, de forma a garantir que “estão do lado do Ministério Público, ou seja, ao lado da acusação”.
“O tribunal foi manipulado para me perseguir. Só as ditaduras escolhem juízes para processos. Isto já aconteceu duas vezes comigo", refere ainda o ex-primeiro ministro, acrescentando que “a longa mão do Conselho Superior de Magistratura está por todo o lado no processo Marquês”.
Por fim, a terceira razão apresentada na curta declaração, que durou cerca de dez minutos, prende-se com o princípio da presunção de inocência, que diz ter faltado durante os 14 anos de processo.
“O jornalismo português nunca foi isento”, acusa Sócrates, mencionando a Diretiva Comunitária da Presunção de Inocência para falar numa “aliança entre o jornalismo e o sistema judicial para estabelecer uma verdade fora do processo para depois a transferir para a sala de julgamento”.
“Nem o jornalismo nem o sistema judicial perdoaram ao juiz Ivo Rosa”, acrescenta ainda, antes de deixar “uma última palavra” para outro dos argumentos que o escritório de advogados belga – que lidou com os casos Assange e Puigdemont – tomou como essencial no caso, para o levar ao tribunal europeu: “a utilização do sistema judicial para fins políticos”.
“É um fenómeno que tem sido estudado nos últimos anos” e que “identificam três características”. A primeira, diz, é que “há sempre uma vigarice qualquer na escolha do juiz”; a segunda é a “aliança informal entre o sistema judicial e o jornalismo”; o terceiro ponto prende-se com o “overcharging”, que tem que ver com acusações “absurdas” e “injustas” contra as bandeiras políticas do político visado.