A Mundu Nôbu foi criada para ajudar jovens de comunidades menos representadas a atingirem todo o seu potencial. São cerca de cem os que, entre os 500 que se inscreveram, estão há um ano nesta fábrica de sonhos, onde também se ajuda a ultrapassar pesadelos, como o racismo e a discriminação.

O músico e compositor Dino D´Santiago é o presidente da associação, que fundou com Liliana Valpaços, e, em entrevista à agência Lusa, reconhece que é mais o que aprende do que o que ensina, embora saiba a importância que tem como inspiração e uma prova de que, mesmo quem vem de um ambiente desfavorecido, pode chegar longe, ainda que mais devagar.

O artista entusiasma-se ao falar destes jovens que muitas vezes vêm de lugares "onde até sonhar é um privilégio", mas que neste Mundu Nôbu se apercebem que, "mais do que poderem sonhar, têm muitas ferramentas e muita gente à volta que prospera com eles e que, de forma subjetiva, vai trabalhando cada sonho".

"Um quer seguir a área de jornalismo, nós conseguimos um estágio; outra quer seguir diplomacia e, passado um tempo, já está a falar sobre diplomacia com o Presidente da República, que a incentiva", diz.

Neste espaço há jovens que gostam de poesia e ali encontraram um workshop de escrita criativa. Muitos saíram do país pela primeira vez e um deles representou Portugal em Osaka, na maior expo a nível mundial e com um poema da sua autoria.

E há a Abigail, 19 anos, que sempre adorou artes e já conseguiu expor na FNAC alguns dos seus trabalhos.

À Lusa, conta que a associação lhe proporcionou o contacto com "diversos povos, diversas naturalidades, diversas realidades".

"Isso abre-me a mentalidade para poder ter mais inspiração e não só, mas também para poder fazer aquilo que mais gosto, que é desenhar", adianta.

Raquel tem 18 anos, quer seguir jornalismo e acredita que a Mundu Nôbu já a ajudou a concretizar este sonho, sublinhando que o que a associação propõe acrescenta à sua vida o que lhe faltava.

Leonor, 16 anos, identificou nos objetivos da associação uma grande diferença em relação a todas as outras. Além de sonhar ser bailarina, desenha e gostava de ter uma empresa de arquitetura.

Sobre Dino D`Santiago, diz que a faz acreditar nos seus sonhos. "Ele mostra-me que, independentemente da minha realidade, nós podemos alcançar os nossos sonhos".

Também Diana, 17 anos, sublinha os "bons resultados" desde que decidiu "atirar-se de cabeça" e inscrever-se neste mundo novo. Dos muitos convidados que já foram à associação -- empresários de origem lusófona, artistas, desportistas, cantores -, a jovem recorda particularmente a atriz Rita Pereira. "Ela mostrou a vontade dela e deixou em mim e nos outros jovens o bichinho de acreditar".

Para Dino D´Santiago, os sonhos destes jovens têm sido concretizados "à velocidade da luz", para o que terão contribuído pequenas grandes apostas, como a localização da associação numa zona nobre de Lisboa e não nos bairros onde residem.

O autor de temas como "Nova Lisboa" e "Crioula" alerta para as dificuldades destes jovens, oriundos de bairros periféricos e, na sua grande maioria, provenientes de famílias muito disfuncionais e precárias.

"Nos nossos bairros sociais continuamos a ter casas sem luz, continuamos a ter casas sem água, continuamos a ter crianças que vão com fome para a escola porque não há, continuamos a ter crianças cujos grandes inimigos são os irmãos que disputam o pouco que existe no frigorífico".

No Mundu Nôbu, os técnicos que acompanham estes jovens estão disponíveis 24 horas por dia, além de uma psicóloga. Partilham alegrias e tristezas, até porque há questões viscerais, como o racismo.

"Todas estas crianças partilham coisas horríveis que vivem nos seus lares", disse, enaltecendo a capacidade de acreditarem no futuro, como o Edgar, que perdeu a mãe há pouco tempo e o pai vive em Angola. Tem muito pouco dinheiro mensalmente, vive sozinho, estuda e quer formar-se na área da política.

Edgar Domingos foi o grande vencedor do concurso literário que levou um jovem desta associação a representar Portugal na Expo Osaka, no Japão. Ele não pode ir, porque tem o processo de legalização em curso. Foi Francisco Vieira, que arrebatou a audiência com um poema que pergunta e responde: "E a seguir Portugal? É fazer acontecer!".

O artista destaca a importância das relações entre os jovens. "De todo o projeto, o que eles mais gostam é dos momentos de partilha".

"O facto de eles se sentirem ouvidos faz com que num silêncio absoluto, enquanto cada um fala, eles sintam cada vez mais que isto é uma casa onde podem libertar-se da sua vulnerabilidade", diz.

E temas difíceis não faltam, como o triplo homicídio no Bairro do Vale, em Lisboa, no qual foi morto um barbeiro, pai de um dos jovens da Mundu Nôbu.

Mas também a morte de Odair Moniz, na Cova da Moura, e os corpos dos imigrantes asiáticos encostados pela polícia na Rua do Benformoso, episódios que os marcaram muito e sobre os quais técnicos e psicóloga tiveram de trabalhar.

Às polémicas que envolvem imigrantes e nacionalismos, os jovens respondem: "Eu vou provar o meu valor, eu vou provar que estou acima da cor que tu vês e achas que é inferior à que tu neste momento tens", diz o músico.

Ângela Almeida, monitora social na associação, diz que olha para trás e para tudo o que lhe falhou e faltou para poder encontrar o que dar a estes jovens.

Destaca positivamente o contacto interpessoal dos jovens e vê neles "um futuro muito risonho, completamente diferente daquilo que eles próprios trouxeram".

"Eu acredito que estes jovens, cuja mente já está a ser mudada, também vão querer mudar a mente de outros jovens", diz.

José Vaz, outro dos monitores, diz que foi surpreendido com a capacidade dos jovens em se adaptarem.

"Aquilo que nós passamos para os jovens é confiança", refere, acrescentando que a missão fica cumprida quando eles acreditam do que são capazes, que é muito.

*** Sandra Moutinho (texto), Hugo Fragata (vídeo) e Tiago Petinga (fotos), da agência Lusa ***

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