
A tensão entre EUA e Irão atingiu nesta semana um novo pico, após o bombardeamento americano a instalações nucleares iranianas e a retaliação com mísseis de Teerão sobre bases americanas no Qatar. Mas este é apenas o mais recente episódio numa história antiga, marcada por sete décadas de confrontos, desconfiança e rivalidade estratégica.
Desde o golpe de 1953, que derrubou o governo iraniano, passando pela Revolução Islâmica, a crise dos reféns, a guerra Irão-Iraque e o assassinato do general Soleimani, a relação entre Washington e Teerão tem sido fundamental para moldar o equilíbrio de poder no Médio Oriente.
Esta cronologia de eventos ajuda a compreender de onde vem o atual conflito, um culminar de décadas de tensões latentes entre os dois países.
1. Golpe no Irão (1953)
Liderada pela CIA e pelos serviços britânicos, a chamada Operação Ajax aconteceu na sequência da nacionalização do petróleo iraniano pelo então chefe do governo de Teerão, Mohammad Mossadegh, até então controlado pelos britânicos da Anglo-Iranian Oil Company (hoje BP).
Temendo o avanço do comunismo e a que o Irão se aproximasse da União Soviética, Washington agiu no sentido de proteger os interesses económicos ocidentais. EUA e Reino Unido liderariam então um golpe que acabaria com Mossadegh deposto e o xá Mohammad Reza Pahlavi, que reinava desde 1941, restaurado e com maior poder no governo.
Mas os tiques autoritários do governo do xá e os laços estreitos que estabelecera com os EUA, acabaram por gerar um forte ressentimento popular no Irão contra a interferência externa, alimentando o sentimento antiamericano que viria a atingir o seu auge em 1979.
2. Revolução Islâmica no Irão (1979)
O regime do xá do Irão era já visto pelo povo como corrupto, brutal e submisso ao Ocidente, na sequência da intervenção de Washington na Operação Ajax e precipitou uma revolta popular em 1979. Liderada por Khomeini, a revolução deitou abaixo o xá Mohammad Reza Pahlavi, que acabou por morrer logo no ano seguinte, no exílio, no Egito.
A nova República Islâmica com liderança política e religiosa de Ruhollah Khomeini rompeu relações com os EUA, associados ao anterior regime, e o Irão passou a assumir-se como um país teocrático antiocidental e antissionista, em choque frontal com Washington. Desde então, Teerão é vista pela comunidade ocidental como uma ameaça à estabilidade mundial, uma perceção piorada pelos aliados do Irão: além da Rússia de Putin, da Venezuela de Maduro e da Síria de Bashar al-Assad, a lista inclui grupos terroristas como o Hamas, na Faixa de Gaza, o Hezbollah, no Líbano, ou os houthis, no Iémen.
3. Crise dos Reféns Americanos (novembro de 1979 a janeiro de 1981)
Apenas meses após a revolução, um grupo estudantes iranianos invadiram a embaixada americana em Teerão, fazendo 52 reféns, numa altura em que a hostilidade para com os americanos estava mais viva do que nunca. Os estudantes e radicais islâmicos tomaram a embaixada em protesto contra o asilo dado pelos EUA ao Xá, exigindo o julgamento do anterior líder do regime iraniano.
A crise durou mais de um ano e ficou marcava a ferros na história das relações entre Irão e Estados Unidos, com Teerão a humilhar mundialmente Washington, que durante 444 das parecia impotente. O antagonismo entre os dois países acicatou-se e as relações diplomáticas foram cortadas, com o presidente Carter a impor sanções severas ao Irão (incluindo fechar a torneira às importações de petróleo) e este a radicalizar-se ainda mais na sua visão antiamericana.
Ao fim de 444 dias, logo após Ronald Reagan tomar posse e os assinados os Acordos de Argel, os reféns eram finalmente libertados. A crise chegava ao fim, mas o ódio entre os países tornara-se permanente.
4. Guerra Irão-Iraque (1980-1988)
A 22 de setembro de 1980, Saddam Hussein avançava sobre o Irão, enfraquecido e ainda a tentar organizar-se no pós-revolução. Afirmando querer derrubar o movimento de Khomenei e impedir o contágio do regime à região, o ditador iraquiano esperava uma operação rápida, mas enfrentou grande resistência, com a guerra Irão-Iraque a prolongar-se e a provocar milhões de mortos dos dois lados, inclusivamente devido ao uso de armas químicas pelo Iraque.
Em pouco tempo, os Estado Unidos, temendo a vitória e consequente fortalecimento iraniano, assumiram algum apoio tático a Bagdade, com informações, tecnologia e armamento, mas em simultâneo também vendiam armas ao Irão. Uma postura que não ajudou a amaciar o sentimento dos iranianos para com os americanos; bem pelo contrário.
Após quase uma década de conflito sangrento, o regime iraniano saiu da guerra com o seu discurso antiamericano como pilar da sua política externa.
5. Programa nuclear iraniano e sanções americanas
O programa nuclear iraniano remonta à aliança entre os Estados Unidos e o xá Mohammad Reza Pahlavi, numa altura em que, sob o programa Átomos para a Paz, o Irão recebeu dos EUA os recursos básicos de pesquisa nuclear. Em troca, Teerão assinou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, em 1968.
Com a mudança no regime iraniano, porém, suspeitas têm vindo a ser levantadas sobre a real capacidade do Irão e desde 2002 que os EUA acusam o Irão de estar a tentar desenvolver armas nucleares.
Em 2018, com Donald Trump na Casa Branca, foram reinstauradas as sanções contra o Irão que haviam sido parcialmente levantadas em 2015, levando o país a retomar certas atividades nucleares. O impasse atual mantém elevada a tensão entre os dois países.
6. Assassinato de Qassem Soleimani (2020)
Considerado pelo governo americano como uma ameaça à segurança, em janeiro de 2020 um ataque de drone americano matou Qassem Soleimani, líder da Força Quds e figura-chave na projeção de poder iraniano no Médio Oriente.
O general iraniano da Guarda Revolucionária liderava a unidade de elite do exército da República Islâmica, considerada uma organização terrorista, responsável por estabelecer um rol de alianças radicais no mundo árabe e inclusivamente sendo um dos mais ativos líderes no treino das milícias.
O Irão não deixou Washington sem resposta, atacando bases americanas no Iraque e fazendo voltar a subir a tensão global e a endurecer o confronto entre Teerão e os EUA em vários conflitos regionais, apesar de não evoluir para guerra aberta.
7. Apoio iraniano a milícias e conflitos regionais (ativo)
Desde a Revolução Islâmica de 1979, o Irão tem seguido a estratégia de “exportação da revolução” e fortalecimento do seu papel como potência regional, usando para isso uma rede de milícias, grupos armados e movimentos políticos para expandir a sua influência no Médio Oriente, nomeadamente promovendo o regime xiita, e proteger-se contra os "Estados inimigos": EUA, Israel e Arábia Saudita.
Com esse objetivo, Teerão tem vindo a financiar e apoiar milícias como Hezbollah (braço armado do Irão no Líbano e na Faixa de Gaza), grupos xiitas no Iraque, Assad na Síria e os houthis no Iémen, forças consideradas terroristas a Ocidente e que se focam no combate a aliados regionais dos EUA.
Entendendo estas ações como um risco para os seus interesses e para o mundo ocidental, os EUA têm agido para conter a influência iraniana através de sanções, diplomacia e apoio militar aos seus aliados.
Resultado: um “conflito indireto” (ou “guerra por procuração”) entre EUA e Irão que se desenrola em todo o Médio Oriente, a cuja escalada agora assistimos.
Neste domingo, as instalações nucleares iranianas de Fordow, Natanz e Isfahan foram atingidas com mísseis e bombardeiros americanos, numa operação "para travar o programa atómico iraniano". O Presidente Trump declarou o ataque um “sucesso”, prometendo manter pressão sobre Teerão.
O Irão retaliou lançando seis mísseis balísticos contra a base americana de Al Udeid, no Qatar, mas quase todos foram intercetados, sem que houvesse vítimas a registar.
Apesar da escalada, ambos os lados parecem evitar um conflito direto mais amplo, com ONU, UE e Reino Unido a apelar ao diálogo.