A morte de alguém que nos é próximo abre sempre um vazio. É nesse vazio que surgem dúvidas: o que deve ser dito, o que deve ser guardado, quando e como partilhar memórias. Recentemente, vimos um exemplo disso: um amigo, sentindo o peso das confidências recebidas em vida, decidiu revelá-las publicamente imediatamente após a morte.

Não creio que o tenha feito por vaidade ou com más intenções. Pelo contrário, é natural pensar que agiu movido pela lealdade, pelo desejo de dar voz a quem já não a tinha. É o dilema de quem guarda segredos dolorosos: falar pode parecer um dever, calar pode soar a traição.

O problema não está na intenção, mas no efeito. Revelar de imediato confidências íntimas gera quase sempre polémica. Foi o que aconteceu: em vez de homenagem, gerou-se a disputa. Em vez de memória partilhada, surgiram versões contraditórias. O luto ficou contaminado pela controvérsia.

A história ajuda a perceber isto. As cartas privadas de Fernando Pessoa, que só vieram a público décadas depois, hoje são vistas como essenciais para compreender o homem e o poeta. Mas se tivessem sido publicadas logo após a sua morte, provavelmente teriam sido lidas como exposição indevida. Também Winston Churchill esperou pelo fim da Guerra para publicar as suas memórias, consciente de que certas decisões precisavam de distância para serem entendidas.

É disto que falo quando digo que o silêncio, às vezes, pesa menos do que as palavras. O tempo não apaga nada, mas ajuda a pôr as coisas no lugar. Como escreveu Chaplin: “O tempo é o melhor autor: encontra sempre um final perfeito.” No imediato da morte, o que mais se impõe não é a pressa de revelar, mas a contenção de respeitar.

É fácil cair na urgência. Quem já esteve num funeral sabe como o coração pede para dizer tudo ali, no momento. Mas quase sempre é cedo demais. A comparação é simples: não se resolve uma herança no dia do velório, nem se discutem segredos antigos enquanto as lágrimas ainda não secaram. A falta não é de coragem, é de tempo.

Guardar silêncio não é esquecer. Esperar não é esconder. É apenas reconhecer que há momentos em que as palavras podem ferir mais do que consolar. E, quando se trata de memória, luto e dor, talvez a maior forma de lealdade seja encontrar o equilíbrio entre o que se diz e o que se guarda.

Talvez o maior desafio, perante a morte, seja este: encontrar o momento em que as palavras deixam de ser peso e passam a ser abrigo; em que o silêncio não sufoca, mas protege a memória dos que amámos em vida.

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