Verão: motivação em alta... e lesões também
As férias de verão são, para muitos adultos, o único momento do ano com tempo e disponibilidade para retomar a prática desportiva. De forma espontânea e bem-intencionada, volta-se a calçar as sapatilhas, marca-se um jogo de futebol entre amigos ou retoma-se os treinos no ginásio.
No entanto, este entusiasmo pode esconder um risco: o da chamada “atividade física sazonal”, feita de forma abrupta, sem preparação, em pisos inadequados ou sob temperaturas elevadas. O resultado? Um aumento expressivo de lesões típicas desta época — muitas das quais poderiam ser evitadas com medidas simples.
O perfil do "atleta de verão"
Na prática clínica, é recorrente observarmos nesta altura do ano o aparecimento de lesões em adultos aparentemente saudáveis, mas que não praticam exercício de forma regular. Os contextos variam: ténis ou padel em campos de férias, corridas ao fim da tarde, treinos funcionais intensos, caminhadas prolongadas, entre outros.
Apesar da motivação, o corpo não está preparado. O sistema músculo-esquelético precisa de tempo, adaptação e reforço para responder a exigências físicas — e a ausência desse processo abre espaço a patologias como:
- Tendinites e tendinopatias (ombro, joelho, tornozelo)
- Entorses e roturas ligamentares, em especial no tornozelo
- Lesões musculares (distensões, ruturas parciais)
- Lombalgias agudas, por sobrecarga da coluna lombar
- Fascites plantares e lesões por impacto repetido
Estas lesões não ocorrem por acaso — são o reflexo de desequilíbrios acumulados e de uma retoma mal planeada.
Fatores de risco: mais do que o calor
O verão, por si só, representa um desafio fisiológico adicional. A desidratação, a vasodilatação periférica e o aumento da fadiga precoce comprometem a performance e a recuperação articular e muscular. Mas há outros fatores clínicos a considerar:
- Perda de força muscular e de proprioceção após longos períodos de inatividade
- Desequilíbrios biomecânicos não compensados por treino técnico (ex: assimetrias de carga ou encurtamentos musculares)
- Uso de calçado desadequado ou pisos instáveis (ex: areia, relvado artificial, cimento)
- Falta de aquecimento e ausência de acompanhamento técnico
Em conjunto, estes fatores potenciam o risco de lesão aguda ou de instalação de quadros inflamatórios persistentes.
Como prevenir: orientações clínicas práticas
Enquanto ortopedista com prática diária em medicina desportiva, deixo um conjunto de recomendações simples, mas eficazes para quem quer aproveitar o verão para ser mais ativo — com saúde:
- Realize uma avaliação médica prévia, sobretudo em caso de sedentarismo prolongado ou historial de lesões;
- Invista em fortalecimento muscular e mobilidade articular, mesmo com treinos breves;
- Evite iniciar desportos novos sem orientação técnica;
- Hidrate-se ao longo do dia, com maior atenção durante e após o exercício;
- Evite treinar nas horas de maior calor – prefira manhãs ou finais de tarde;
- Introduza pausas frequentes e escute os sinais do corpo: dor, rigidez ou fadiga são alertas reais.
A consulta de Medicina Desportiva como ponto de partida
A consulta especializada permite identificar fragilidades articulares, desequilíbrios musculares e limitações funcionais antes que se transformem em lesões. Em muitos casos, um simples plano de reforço muscular dirigido, o aconselhamento técnico ou a correção do tipo de calçado pode evitar semanas (ou meses) de inatividade forçada.
Além disso, nos casos em que já existam sintomas, o diagnóstico precoce permite uma abordagem conservadora eficaz, reduzindo o risco de evolução para quadros crónicos.
Férias desportivas com responsabilidade
Ser fisicamente ativo nas férias é, sem dúvida, uma excelente decisão. Os benefícios cardiovasculares, metabólicos e emocionais são bem conhecidos. Mas essa prática deve ser orientada por critérios de segurança clínica e preparação adequada.
Cuidar do corpo, reforçar a musculatura, adaptar os treinos ao calor e respeitar os sinais de fadiga são formas eficazes de garantir que o exercício cumpre o seu verdadeiro propósito: promover saúde, bem-estar e mobilidade sustentável.
Treinar no verão é bom. Treinar sem lesões é ainda melhor.
Porque, como costumo dizer: A melhor forma de tratar… continua a ser prevenir.
Especialista em Ortopedia e Traumatologia, Coordenador do Centro de Medicina e Traumatologia Desportiva HCUF Porto e Coordenador do Departamento de Saúde do FC Porto