Florentina Alves é técnica social e voluntária da Cruz Vermelha de São Filipe, maior cidade da ilha do Fogo, no projeto de acompanhamento das crianças deslocadas após a erupção vulcânica do ano passado naquela ilha cabo-verdiana.

Juntamente com a pediatra Maria Caridade, do Hospital de São Filipe, e com uma equipa de psicólogos da Cruz Vermelha percorrem as localidades onde estão agora as crianças que antes viviam em Chã das Caldeiras.

Nos cerca de 20 quilómetros que separam São Filipe e Fonte Aleixo Sul, onde a agência Lusa acompanhou uma das missões da equipa da Cruz Vermelha, Florentina Alves não larga o telemóvel. Desdobra-se em contactos para tentar garantir que todas as 25 crianças sinalizadas naquela localidade são trazidas para as consultas.

A sensibilização dos pais para a importância das crianças serem seguidas pelos médicos é muitas vezes a parte mais difícil de um trabalho feito quase sem meios e com muito voluntarismo.

"Na cultura cabo-verdiana, só se vai à consulta quando se sente mesmo doente. Como é prevenção, consulta de rotina, é preciso fazer essa sensibilização sempre para as pessoas se deslocarem", disse a responsável.

A esta dificuldade junta-se o facto de muitas crianças terem já regressado a Chã das Caldeiras o que, segundo Florentina Alves, está a levantar "muitos problemas" para fazer as consultas.

Os técnicos defendem a necessidade de levar as consultas ao interior da cratera, mas ainda não obtiveram autorização das autoridades, que querem dissuadir a população de regressar para reconstruir as casas que perdeu.

Em Fonte Aleixo, as consultas decorrem na escola primária, onde as crianças são vistas primeiro pela pediatra cubana Maria Caridade, do Hospital de São Filipe, e depois pelos psicólogos.

Manuel António Fernandes, natural de Chã das Caldeiras, 47 anos e nove filhos, veio com os quatro mais pequenos à consulta.

Com a vida dividida entre a cratera do vulcão, onde ainda trabalha um pequeno terreno, e Fonte Aleixo, onde um familiar emigrado dos Estados Unidos lhe emprestou uma casa para morar, Manuel vive preocupado com a saúde dos filhos mais novos.

Manuel (12 anos), José Manuel (10 anos), Maria Lina (8 anos) e Maria Elina (4 anos) sempre tiveram pequenos problemas de saúde, mas o pai Manuel acredita que estes se agravaram depois da erupção.

"Todo este tempo tem tido problemas: dores de cabeça, dor de barriga, constipações. E a mais pequenina está sempre com gripe", adianta.

As doenças respiratórias contam-se entre as principais patologias detetadas entre as crianças que estão a ser seguidas pelo projeto de apoio psicossocial da Cruz Vermelha, mas foram identificados também muitos casos de caries dentárias, anemia, parasitismo e doenças oftalmológicas.

No caso do filho mais velho de Manuel, a pediatra Maria Caridade suspeita que as dores de cabeça de que o menino se queixa sempre a seguir às aulas estejam relacionadas com problemas de visão. Por isso, reencaminha-o para a consulta de oftalmologia do Hospital de São Filipe.

"Detetamos muitas crianças com caries dentárias, a precisar de consultas de oftalmologias e muitas crianças já foram internadas com infeções respiratórias", explicou Florentina Alves.

A pediatra Maria Caridade acredita que o aumento das infeções respiratórias esteja relacionada diretamente com a erupção, mas adianta que não foram feitos estudos que permitam comprovar essa ligação.

A médica regista também o aumento de nados-mortos entre a população de Chã das Caldeiras, sete desde o início do ano, e de bebés que nascem com malformações, embora neste caso haja também que ter em conta as questões de consanguinidade existentes em Chã das Caldeiras.

João Barros, psicólogo da Cruz Vermelha, diz, por seu lado, que a nível psicológico, as crianças não revelaram qualquer patologia.

"Até ao momento não temos tido sinais ou sintomas de patologias de foro psicológico", disse, adiantando que as crianças têm revelado reações "naturais" de pessoas que foram forçadas a deslocar-se do seu habitat natural para um espaço, que embora não seja desconhecido, não é o seu.

"As crianças estão a reagir positivamente", disse João Barros, explicando que, além das crianças dos 0 aos 12 anos, o projeto acompanha também alguns idosos e que são estes que estão a revelar maiores problemas.

Segundo João Barros, nota-se entre os idosos um certo "desânimo pelas perdas que sofreram com a erupção", mas o técnico acredita que a maior parte deles já aceitou que não vai conseguir voltar a residir em Chã das Caldeiras.

Mário Barbosa, presidente do conselho local da Cruz Vermelha, explicou à agência Lusa que o projeto, que se iniciou em junho e tem a duração de seis meses, acompanha 295 crianças e as suas famílias com a distribuição de cestas com artigos básicos, consultas de pediatria e acompanhamento psicológico.

"A estratégia era encontrar as crianças nas escolas, mas depois notamos que havia familiares que estão com pouco interesse e não levavam as crianças e então levamos os técnicos a casa de cada família", disse.

Mário Barbosa explicou que a Cruz Vermelha está a fazer atendimento a estas crianças em Monte Grande, Achada Furna e Mosteiros, localidades que acolhem desalojados da erupção de novembro de 2014, mas lamentou que mesmo assim algumas crianças continuem a faltar às consultas.

"Apesar de sensibilizarmos e de dizermos que tal dia vamos estar ali, há essa tendência de não aparecer também por falta de transporte", disse, daí o atendimento estar agora a começar a desdobrar-se para outros locais como Fonte Aleixo.

Sobre a situação geral da população de Chã das Caldeiras um ano depois da erupção, o responsável da Cruz Vermelha, que ajudou na retirada da população e desde então tem feito o seu acompanhamento, acredita que apenas uma minoria já se conformou em viver fora da cratera.

"Alguns já aceitaram. Já tem a noção do perigo que é Chã das Caldeiras e já têm a consciência de que não é um espaço para morar, mas que é um espaço laboral. Mas esse é apenas um número muito pequeno porque a maior parte dos deslocados querem continuar em Chã das Caldeiras", sublinhou.

O vulcão do Fogo entrou em erupção a 23 de novembro do ano passado, causando prejuízos avaliados em cerca de 30 milhões de euros.

Durante os 77 dias que durou, a erupção vulcânica, uma das três registadas no interior da caldeira nos últimos 63 anos - 1951 e 1995 -, destruiu Portela e Bangaeira, os dois povoados de Chã das Caldeiras, planalto que serve de base aos vários cones vulcânicos do Fogo, obrigando à retirada dos cerca de 1.500 habitantes locais.

A lava destruiu também mais de 30% dos 700 hectares de terra cultivável e várias infraestruturas.

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