Machaze, Moçambique, 25 out (Lusa) - A maioria das mulheres de Mavissanga, província de Manica, centro de Moçambique, precisa de pedalar até 70 quilómetros, ida e volta, para encontrar água potável, uma viagem que demora em média nove horas e que tem custado vários divórcios.

"Nós é que somos a pobreza", declara à Lusa Berta Chithango, grávida, enquanto ajeita um bebé ao colo e se prepara para iniciar a viagem de regresso a Mavissanga com dois bidões de 25 litros cada, com a preciosa água encontrada algures no posto administrativo de Save, a mais de 30 quilómetros de casa.

O assoreamento do distrito de Machaze, sul da província de Manica, impediu que várias empresas, incluindo duas chinesas, conseguissem abrir furos para abastecer com água potável a população, matando o sonho de muitos de poderem beber água incolor e sem sal.

Os poucos furos abertos com sucesso atraem milhares de pessoas de várias zonas, o que faz demorar ainda mais a viagem de regresso devido às longas filas de espera nos fontanários, na maioria com bombas manuais.

Por tradição, são as mulheres que devem levar água para casa, recorrendo a bicicletas para procurar alternativa à água das lagoas e riachos, geralmente má para consumo e que provoca doenças.

"Dedicamos a maior parte do dia para buscar água de beber e com o tempo que resta quase é impossível outros afazeres domésticos, incluindo cuidar do marido e da machamba [horta]", diz Berta Chithango, lembrando que o problema da água é motivo até para divórcios.

Não existem estatísticas sobre a taxa de divórcios diretamente relacionados com a questão da água, mas a realidade sugere que a situação tem provocado tensões em dezenas de famílias na região de Machaze, com apelos das autoridades para se aumentarem fontes de água e se reduzirem as distâncias até ao precioso líquido.

O abastecimento de água potável só chega a cerca de 36,6% da população do distrito de Machaze (130,528 habitantes), segundo dados do Programa Nacional de Abastecimento de Água e Saneamento Rural (Pronasar).

Ao todo existem 85 pequenos furos de água na localidade de Mavissanga, que abastecem 30.444 habitantes, mas não se conseguem parar as longas filas.

Várias mulheres, de aldeias distantes, preferem agora pedalar em grupos para buscar água e reduzir as desconfianças que os atrasos causam nas suas relações conjugais.

Outros grupos, que incluem mulheres mais jovens, são acompanhados por uma matrona, que geralmente pedala sem nenhuma carga na bicicleta, para garantir que ninguém se desvie do propósito da deslocação.

"Quando saímos em grupo ajuda, para não sermos assaltadas, mas também os nossos maridos ficam com segurança de que não vamos brincar [traição] no fontanário", explica Fina Muchapana, que segue numa frota de quase 30 mulheres pedalando.

Filomena Maio, que teve o casamento rompido devido a demoras nas viagens de busca de água, descreve à Lusa que agora sobrevive vendendo em Chitobe, a sede distrital, adiantando que divide os ganhos para sustentar três filhos da união e pagar as suas despesas de saúde e educação.

O administrador distrital, Gabriel Machate, refere que o número de pessoas cobertas por furos e pequenos sistemas de abastecimento de água tem vindo a crescer.

"Temos reduzido muito as distâncias que a população percorria para encontrar um fontanário, com a abertura de mais furos e construção de pequenos sistemas de abastecimento de água", assegura, dando o exemplo de Bassene, onde a população já não precisa percorrer 30 quilómetros porque já tem furo e gradualmente o Governo está a investir.

Mas, entretanto, para muitas mulheres o dia-a-dia ainda é feito em cima de uma bicicleta.

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