Lisboa, 04 abr (Lusa) - As verdades absolutas ficam à porta e nesta sala de aula ninguém quer mudar a fé do outro. Os alunos representam uma dúzia de religiões e crenças e têm como único dogma que tudo pode ser contestado.

José Palha, empresário no setor dos despachantes, é possivelmente o aluno que melhor encarna o espírito do mestrado em Ciência das Religiões, promovido pela Universidade Lusófona desde 2008.

Nascido católico, desde cedo se sentiu intrigado pelo fenómeno religioso. Aos 70 anos e, depois de uma fugaz passagem pelo protestantismo e de um curso intensivo de teologia na Universidade Católica, José Palha continua "dominado pela razão" e sem se conseguir definir religiosamente.

"Nunca vi nada que me dissesse que Deus existe ou que não existe. Por sistema, ponho sempre tudo em causa", disse à agência Lusa.

Considera-se "condenado a aprender" e a fazer constantemente uma "divisão entre a fé e a razão".

"Sem razão não consigo interpretar a fé e a fé sem razão não é conclusiva. Tenho um ascendente muito grande de racionalidade e muito pouca fé"", afirmou, sublinhando o entendimento histórico e científico das religiões que o curso lhe proporcionou.

"De certa maneira, [o curso] põem-nos macios, tolerantes", adiantou, admitindo que costuma ser dos "mais tensos" nas aulas, pondo "quase tudo em causa".

A adesão "a uma religião, a um cristo ou seja a quem for" fica para resolver mais tarde porque, segundo diz, de momento não está "nada virado para aí".

Para Paulo Mendes Pinto, responsável pela área da Ciência das Religiões da Lusófona e diretor deste mestrado, "a essência deste curso" é precisamente "questionar o fenómeno religioso".

"Quem vem está predisposto a ser posto num processo de desconstrução da sua fé. Não queremos que as pessoas venham para mudar de confissão, contudo, vir implica uma predisposição para ser confrontado com os alicerces da sua própria fé e com uma diversidade religiosa que pode ser desafiante", sublinhou.

Uma variedade religiosa que inclui católicos não praticantes e praticantes, incluindo um padre, evangélicos e protestantes (luteranos, presbiterianos, das Assembleia de Deus e de outras igrejas pentecostais), mórmons, muçulmanos sunitas, judeus, pagãos, ateus, agnósticos e até um pai de santo Umbanda.

Ao todo estão inscritos 25 alunos, mas pelo curso de dois anos já passaram outras 45 pessoas.

Com cinco cadeiras nucleares - Judaísmo, Islão, Cristianismo, Culturas Orientais e Fenómeno Religioso na Atualidade - o curso, que funciona em horário pós-laboral, oferece como opcionais disciplinas como Erotismo, Sexualidade e Pecado na Definição Religiosa do Ocidente, Religião e Comunicação ou Heresias e Hereges no Cristianismo.

António Caria Mendes, arquiteto, é judeu e membro da Comunidade Israelita de Lisboa, e chegou ao mestrado impelido "pela necessidade de conhecer as outras religiões", especialmente o Cristianismo e o Islamismo.

"Vim aqui tentar perceber como é a relação dos outros com o seu Deus ou com os seus não Deus, embora não acredite muito na não existência de Deus", disse Caria Mendes à Lusa.

Assume sentir-se como peixe fora de água quando se trata das crenças orientais e diz que lhe é impossível acreditar na existência de um filho de Deus.

"Tento compreender as posições das outras pessoas e tento o máximo dos encontros possível entre mim e os outros, nem sempre fácil", disse.

Sobre o islamismo, Caria Mendes não ignora a tradicional tensão entre judeus e muçulmanos, mas considera que é sobretudo "uma questão política criada exteriormente".

"No fundo, no fundo há muita parecença, muita proximidade, entre o judaísmo e o islamismo", disse.

Mário Canhoto trabalha na área da distribuição, é pastor evangélico e admitiu que veio para este curso à procura de validação académica e social. O que aprendeu até agora mudou-lhe os objetivos e "a maneira de ver a fé".

"Questiono algumas coisas e, se era tolerante, hoje sê-lo-ei mais. Aquilo que aprendi levou-me a outro tipo de conclusões bem mais suaves do que um certo fanatismo, radicalismo ou mesmo fundamentalismo", disse.

Recorda que durante a licenciatura do mesmo curso que também frequentou, o confronto era maior nas aulas, sublinhando o trabalho feito em matéria de "aceitação, ouvir, escutar e dar opinião".

Apesar de "as tensões nunca chegarem a ser muito grandes", considera que o caminho da aceitação do outro tem de continuar a ser feito, tanto na sala de aula como no quotidiano.

CFF // SO

Lusa/Fim