"Nós estamos a caminhar para um desastre político e social, porque ao invés de o Presidente se abrir ao diálogo e chamar outros setores da sociedade no sentido de encontrarmos soluções comuns e inclusivas para se lidar com a crise, fecha-se cada vez mais", afirmou Rafael Marques, acrescentando que um dos problemas do país é a dependência em relação ao petróleo.

A revisão do Orçamento Geral do Estado angolano deverá estar concluída em fevereiro e vai implicar menos 12,3 mil milhões de euros em receitas petrolíferas, com a previsão do barril de crude a cair para 40 dólares.

"A situação económica vai agravar-se porque Angola não produz nada. Angola vive de importações. Como é que o governo vai lidar com estas restrições, não tendo feito investimentos em áreas básicas como na indústria alimentar? E porque é que não se fizeram investimentos e não temos uma economia competitiva", questiona.

De acordo com Rafael Marques, uma das causas da situação em que o país se encontra é a "corrupção" e a imposição" a todos os estrageiros que querem fazer negócios e investir em Angola de terem "dirigentes ou alguém da família presidencial" como sócios.

Para o jornalista e ativista, este tipo de "imposição" limitou a capacidade de diversificação da economia porque, afirma, ficou tudo centralizado nas mãos de "poucos indivíduos" que têm o poder ou influência nas decisões.

"Por exemplo: a Isabel dos Santos (empresária, filha do Presidente angolano) vai fazer mais um supermercado, Kopelipa (general Hélder Vieira Dias, ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança da Presidência da República angolana) também fez o seu supermercado, mas depois todos os produtos que estão nesses supermercados são importados de Portugal e de outras partes do mundo, exceto alguns vegetais. Mas não há restrições económicas para estes indivíduos, há restrições na importação por parte daqueles que têm menos poder e não para aqueles que têm muito poder", acusa.

Rafael Marques diz também que o "caminho do descalabro é difícil de evitar" mesmo que o preço do barril volte a subir porque, argumenta, não existem políticas de contenção de gastos e porque Angola tem um dos Executivos mais pesados do mundo.

"A elite continua a andar de carros de luxo: às centenas. Continuam a verificar-se gastos supérfluos com os fundos públicos. Não há nenhuma medida de racionalidade, exceto o aumento do preço dos combustíveis que está a afetar os mais pobres", disse.

Angola subiu "exponencialmente" o preço dos combustíveis numa altura em que se verifica a queda do preço do barril de petróleo, facto que segundo Rafael Marques, está a agravar a situação económica e social porque "o governo não tem um plano efetivo para lidar com a crise".

"Vamos ter problemas sérios. Um soldado em Angola ganha o equivalente a 250 dólares (221 euros) e são estes indivíduos que normalmente são os mais prejudicados com estas políticas de contenção porque o governo não deixa de pagar aos generais", afirmou.

Ao nível da elite e das Forças de Segurança "há muito descontentamento" pela forma "errática" como o chefe de Estado está a dirigir o país, disse ainda Rafael Marques para quem a oposição tem sido "bastante cívica" nos alertas sobre o estado da economia.

A sociedade civil, acrescentou, tem feito a sua parte, apresentando ideias e soluções mas até esta altura muito pouco pode ser feito porque essas iniciativas nunca são levadas em consideração.

"O Presidente, por mais hábil que seja não vai conseguir manter esta situação por muito mais tempo, a menos que o preço do petróleo volte acima dos 100 dólares por barril e ele possa continuar a levar os fundos do Estado como bem entende, porque não havendo dinheiro vai começar a haver problemas muito sérios", prevê Rafael Marques.

Autor do livro "Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola", em que sete generais angolanos o acusam de denúncia caluniosa por ter exposto estes alegados abusos na província diamantífera angolana da Lunda Norte, e pela qual deverá começar a ser julgado no próximo dia 24 de março, Rafael Marques investiga atualmente os processos de expropriação de terras aráveis por parte da elite angolana, em todo o país e sobretudo na província do Cuanza Sul.

PSP // EL

Lusa/fim