“Quem for contra a imigração é contra o desenvolvimento do país”, diz presidente da CAP

  • Lusa
  • 9 Maio 2024

Em entrevista à Lusa, Álvaro Mendonça e Moura defende importância dos trabalhadores estrangeiros no setor agrícola, critica falta de apoios no PRR e vê “sinais positivos” no novo Executivo.

O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) afirmou que “quem for contra a imigração é contra o desenvolvimento do país”, sublinhando que qualquer governo deve passar pela Concertação Social para “ouvir os outros”. “É muito importante percebermos todos que quem for contra a imigração é contra o desenvolvimento do país. Isto precisa de ser interiorizado”, defendeu Álvaro Mendonça e Moura, em entrevista à Lusa.

O antigo embaixador, que assumiu a presidência da CAP no ano passado, destacou a importância dos trabalhadores estrangeiros para setores como a agricultura, turismo ou construção, que dependem desta mão-de-obra “para a sua sobrevivência”.

No caso particular da agricultura, o presidente da confederação lembrou que algumas empresas chegam a ter 300 trabalhadores imigrantes, uma vez que em Portugal seria impossível recrutar este número. Porém, ressalvou que deve haver controlo para que as pessoas sejam contratadas “em boa e devida forma”, com contratos de trabalho.

Álvaro Mendonça e Moura destacou que foi a CAP a propor medidas para facilitar a concessão de habitação a trabalhadores migrantes nas empresas agrícolas. “Foi uma proposta da CAP, não foi dos sindicatos […]. Nós queremos trabalhadores estrangeiros, mas trabalhadores estrangeiros devidamente integrados, com condições de vida dignas e com respeito pelos seus direitos”, vincou.

O líder da confederação dos agricultores pediu que se evitem populismos, nomeadamente a ideia de que Portugal poderia prescindir destes trabalhadores, o que disse ser “um disparate com gravíssimas implicações económicas”.

Mendonça e Moura notou também que qualquer governo “deve ser obrigado a passar pela Concertação Social” e a discutir com os seus parceiros, lembrando o acordo de reforço dos rendimentos, assinado em outubro de 2023. Através deste acordo foi decidido “um reforço muito significativo” do primeiro pilar (pagamentos diretos) da Política Agrícola Comum (PAC), de modo a que o setor esteja mais próximo dos “parâmetros organizacionais” de Espanha ou França.

“Isso nunca tinha sido feito e é muito importante para nós. Está ainda por implementar e por isso eu digo que, seja qual for o governo […], é essencial respeitar o que foi acordado em sede de Concertação Social”, acrescentou.

Neste sentido, Álvaro Mendonça e Moura considerou que a Concertação Social deve sempre ser um fórum importante para que as confederações patronais, os sindicatos e o Governo possam ouvir-se, perceber as prioridades e preocupações dos outros.

Apoio à agricultura “pouco acima de zero” e agora nada pode ser feito

O presidente da CAP lamentou, por outro lado, que não tenha sido dada importância à agricultura no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com apoios “pouco acima de zero”, lembrando que, nesta matéria, já nada pode ser feito.

“A resposta é simples: não foi dada importância à agricultura. O apoio do PRR à agricultura não é zero, mas é pouco acima. Portanto, obviamente, que podia e devia ser mais e o Governo tinha essa possibilidade“, apontou, na entrevista à Lusa, Álvaro Mendonça e Moura, quando celebra um ano desde que assumiu a presidência da confederação.

No dia 22 de setembro de 2023, a Comissão Europeia aprovou a revisão do PRR de Portugal, que ascende agora a 22.200 milhões de euros. Contudo, esta verba poderia ter sido de, aproximadamente, 30.500 milhões de euros, se o governo tivesse optado por esgotar a totalidade dos empréstimos, à semelhança do que fez o Executivo espanhol.

Para a CAP, essa deveria ter sido a opção do Governo português, dando assim mais destaque ao setor agrícola no PRR. O Executivo teria sempre de pagar essa dívida, mas “a 30 anos e com juros irrisórios”, o que possibilitaria o investimento, por exemplo, na retenção da água.

A confederação dos agricultores já defendeu a criação de uma Rede Nacional de Água, esperando que esta avance nos próximos quatro anos. Caso contrário, “ano sim, ano não”, vamos dizer que estamos outra vez numa situação de seca e que são precisas ajudas, referiu.

Álvaro Mendonça e Moura apontou ainda que, ao contrário do que acontece, por exemplo, no norte de África, Portugal não tem falta de água, mas o recurso mal distribuído, não tendo capacidade para o armazenar. É assim necessário começar a reter água, o que pode ser feito através do alteamento de barragens, com a reafetação da sua utilização.

Por outro lado, conforme defendeu, a solução pode ainda estar na renegociação das concessões de barragens, passando algumas a ter fins múltiplos. Contudo, não será com as verbas do PRR que o país poderá apostar neste recurso, alertou, sublinhando que o prazo para recorrer a esse empréstimo já está fechado.

Entre os problemas apontados pela confederação, estão também as verbas por executar no Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020, o que tem de ser feito até ao final do próximo ano. “Nós não temos falta de dinheiro, temos falta de execução de projetos e é isso que temos que mudar“, apontou.

Já sobre o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), o presidente da CAP explicou que tem de ser “remodelado profundamente” e não apenas desburocratizado, como já foi anunciado pelo Governo de Luís Montenegro. “É uma alteração substantiva. Não é uma questão só de remodelar, tornar mais simples e menos burocrático. É efetivamente ser alterado”, precisou.

A CAP entregou uma proposta de alteração do PEPAC, esperando que esta faça parte daquilo que o Governo terá que apresentar a Bruxelas até ao final de junho, de modo a que o novo plano possa entrar em vigor a 1 de janeiro de 2025. A proposta dos agricultores prevê, entre outros pontos, um maior apoio à agricultura de precisão, “mais avançada e amiga do ambiente” e à pecuária, além de um reforço do primeiro pilar desta política, que diz respeito aos pagamentos diretos.

Novo Governo deu “sinais positivos” depois de a CAP ter passado 2023 a “corrigir erros” do ministério

Quanto ao Executivo liderado por Luís Montenegro, o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal defende que já deu “sinais muito positivos”. “Isso importa reconhecê-lo”, assinalou Álvaro Mendonça e Moura, destacando o regresso das florestas ao Ministério da Agricultura, compromisso assumido pela Aliança Democrática (AD) durante a campanha eleitoral.

Por outro lado, sublinhou que o novo primeiro-ministro tem vindo a referir-se à agricultura como “um setor estratégico”, algo que, segundo a CAP, já não era ouvido há muito tempo. Assim, os agricultores acreditam haver vontade e orientação política, que esperam agora ver no terreno com medidas concretas.

Mendonça e Moura lembrou que o próprio ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, já disse publicamente ser preciso acelerar os pagamentos aos agricultores, introduzir previsibilidade e utilizar todas as verbas disponíveis, nomeadamente os apoios da União Europeia (UE).

“Nós já tínhamos alertado o governo anterior para o enorme risco de perdermos verbas, que vão ter que ser executadas até ao final do próximo ano. Falo de executadas, não de decididas. Há aqui uma aceleração no funcionamento do Ministério da Agricultura que é necessária”, sublinhou.

A CAP já esteve reunida com o novo ministro da Agricultura, que tem demonstrado abertura e vontade de saber as prioridades do setor, apontou, referindo que o governante pediu à confederação que não apresente apenas os problemas, mas também projetos de resolução dos mesmos.

Nestes encontros esteve também em cima da mesa o PEPAC, que notou ter sido feito sem a auscultação do setor, precisando assim de ser totalmente reformulado e ajustado à realidade portuguesa, um dos pontos que levou os agricultores a sair à rua no início do ano.

Para a confederação, a escolha de José Manuel Fernandes para a pasta da Agricultura abriu uma nova porta ao diálogo institucional entre o Governo e o setor agrícola, sublinhando que o novo ministro tem vantagens face aos seus homólogos europeus, nomeadamente “um conhecimento aprofundado de Bruxelas” e das matérias financeiras europeias.

“Nunca achei que o ministro da Saúde tinha que ser um médico ou um enfermeiro […]. O ministro da Agricultura também não tem de ser um especialista em vinho, cereais ou azeite. Não é esse o ponto. É preciso que perceba a importância e a dimensão do setor também em termos de coesão territorial”, disse, recordando que a agricultura, engloba também as florestas e o agroambiental.

Álvaro Mendonça e Moura, que foi eleito presidente da CAP em maio de 2023, numa altura em que os seus planos passavam por se dedicar, em exclusivo, aos seus projetos no setor agrícola, depois de estar ligado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, classificou o seu primeiro ano à frente da confederação como “muito difícil”, uma vez que, neste período, o setor teve de lidar com uma seca “muito severa”, com poucos apoios, e com o “disfuncionamento” do Ministério da Agricultura.

“Nunca tínhamos tido uma campanha de ajudas tão má como 2023, que depois se repercutiu em atrasos nos pagamentos. Nós passámos, de facto, os dias a tentar corrigir aquilo que o Ministério [da Agricultura] tinha ou não feito. Foi muito complicado”, lamentou.

Por outro lado, notou que o Ministério da Agricultura foi “amputado” de um dos seus braços executivos, referindo-se às direções regionais de agricultura, cujas competências transitaram para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), o que insistiu ter que ser revertido urgentemente, à semelhança do que aconteceu com as florestas (que estavam no Ministério do Ambiente).

“Ninguém de bom senso” nega hoje as alterações climáticas

Para o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, “ninguém de bom senso” nega hoje a existência de alterações climáticas, criticando os “extremistas ambientais” que compram arroz da Tailândia e manga do Brasil.

“As alterações climáticas estão aí, não é uma questão. Ninguém de bom senso disputa a existência de alterações climáticas, que os agricultores verificam todos os dias”, afirmou ainda Álvaro Mendonça e Moura, na entrevista à Lusa.

O impacto no setor agrícola é visível, por exemplo, nas vindimas, que hoje se realizam um mês mais cedo do que há algumas décadas. Perante este problema, o setor agrícola tem feito um “esforço enorme” para ser mais eficiente, nomeadamente no que diz respeito à utilização da água, condição que disse ser necessária para uma empresa ser competitiva.

O agricultor não só percebe as alterações climáticas, como tem todo o interesse em adaptar-se no sentido de ser mais eficiente e é esse caminho que tem feito. Provavelmente, mais do que qualquer outro setor”, sublinhou.

No entanto, Álvaro Mendonça e Moura notou que “muita gente da cidade” ainda não se deu conta deste investimento que o setor agrícola tem vindo a fazer ao longo dos anos. Esta adaptação às alterações climáticas passa também pela introdução de novas culturas porque “não se pode continuar a produzir em 2024 como em 1960”.

O líder da CAP considerou ainda que a modernização é também “uma oportunidade” para a agricultura se adaptar àquilo que o mercado hoje quer. Contudo, criticou aquilo que disse ser um “extremismo ambiental” que não aceita a agricultura e que gostaria que toda a paisagem fosse “um sítio de lazer para o citadino ir uma vez por ano”, vincando que não se pode fazer uma dissociação entre sustentabilidade ambiental, social e económica.

“Esses são os que depois vão ao supermercado comprar arroz da Tailândia e manga do Brasil, ignorando a pegada carbónica e os produtos utilizados” nestes alimentos, acrescentou.

Assim, o antigo embaixador lamentou o “dogmatismo ambiental”, sublinhando que o foco deve ser colocado na produção de alimentos saudáveis, com o menor impacto possível.

Os agricultores querem trazer a população, sobretudo as crianças, ao terreno para demonstrarem as boas práticas que o setor já põe hoje em prática, um esforço que vai continuar a ser desenvolvido nos próximos anos. Porém, Álvaro Mendonça e Moura notou que a Europa não deve assumir sozinha a responsabilidade ambiental mundial, uma vez que contribui com cerca de 7% das emissões de gases com efeitos de estufa.

“[…] Se os Estados Unidos, a China, a Índia e o Brasil não derem passos no sentido da proteção do ambiente, nós podemos fazer ‘haraquiri’ [ritual de suicídio dos samurais] em relação à nossa produção europeia, que o ambiente individual global não melhorará”, concluiu.

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