Exclusivo Medina tira 100 milhões à Águas de Portugal para melhorar contas públicas

A Águas de Portugal pagou um dividendo extraordinário de 100 milhões de euros ao Estado no dia 29 de dezembro de 2023. O presidente da empresa pública, José Furtado, foi contra a decisão de Medina.

Dia 29 de dezembro de 2023, uma assembleia geral extraordinária da empresa pública Águas de Portugal (AdP), formalizada por ata e subscrita pelos acionistas Parpública (81% do capital) e CGD (19%), e um ponto na agenda: Pagamento de um dividendo extraordinário de 100 milhões de euros ao Estado, receita de capital que ajudou à redução do défice público e da dívida pública. A decisão do ministro Fernando Medina foi uma imposição à gestão da empresa pública, liderada por José Furtado, que foi contra o pagamento desse dividendo porque a AdP teria um plano de investimentos pesado e precisaria desses 100 milhões de euros.

Os objetivos de garantir um excedente orçamental e, especialmente, de levar a dívida pública abaixo dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB) levaram o Governo de António Costa e Fernando Medina realizar um conjunto de operações financeiras que a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) chegou mesmo a considerar de maquilhagem e “artificial”. Num relatório recentemente publicado sobre as condições do mercado, a dívida pública e a dívida externa até março, apresentado ao Parlamento, a UTAO refere ainda que a redução do valor nominal da dívida em 2023 resultou, em grande medida, pelo “facto de entidades em todos os subsectores públicos serem investidores em parcelas significativas de dívida pública portuguesa”, sublinhando que “este efeito subiu consideravelmente em 2023 (mais 12,1 mil milhões de euros do que no ano anterior)”. A esta posição, Medina respondeu com críticas severas ao que considerou ser uma intervenção política indevida de um organismo técnico.

Além das operações de recompra de dívida do Fundo da Segurança Social e da CGA — como o ECO revelou em primeira mão –, as Finanças ‘raparam o tacho’ das empresas e organismos públicos com fundos disponíveis. Um dos casos, talvez o de maior impacto, foi mesmo o da empresa Águas de Portugal, a sociedade empresarial pública que tem concessões como a Epal e com melhores resultados (com exceção da Caixa Geral de Depósitos). Depois de ter transferido 30 milhões de dividendos por conta dos lucros de 2022, da ordem dos 100 milhões de euros, acabou o final do ano a reforçar essa transferência, com uma operação extraordinária de 100 milhões de euros. Somados, foram 130 milhões de dividendos, superiores ao valor dos lucros, e a ‘comer’ os resultados acumulados transitados.

De acordo com uma fonte contactada pelo ECO, o presidente executivo da companhia, José Furtado, manifestou-se contra a operação, chegou a admitir a renúncia ao mandato, mas acabou por aceitar um compromisso que terá sido assumido, em primeiro lugar, pelo próprio primeiro-ministro António Costa e depois também subscrito por Fernando Medina: O Governo comprometeu-se a garantir um aumento de capital assim que a Águas de Portugal precisasse daqueles 100 milhões de euros para prosseguir o plano de investimentos.

As empresas com excesso de capital fizeram pagamentos extraordinários ao Estado. As empresas com situações líquidas negativas ou dívidas elevadas receberam aumentos de capitais elevados. O valor das primeiras foi no global mais ou menos simbólico, o das segundas, que receberam, foi elevado.

Fernando Medina ao ECO

Questionado pelo ECO, o ex-ministro Fernando Medina escusou-se a comentar o caso particular da AdP, mas garante ao ECO que “as empresas com excesso de capital fizeram pagamentos extraordinários” ao Estado. O atual deputado do PS afirma que “as empresas com situações líquidas negativas ou dívidas elevadas receberam aumentos de capitais elevados. O valor das primeiras foi no global mais ou menos simbólico, o das segundas, que receberam, foi elevado“, justifica, sem dar mais exemplos. Desta explicação, acrescenta Medina, “excecionou-se a CGD que, tendo de longe a situação de capital mais elevada (até para padrões europeus) foi decidido não alterar em 2023“.

Como é que estes dividendos extraordinários beneficiaram as contas públicas e o ‘brilharete orçamental”? A AdP é uma empresa fora do perímetro das Administrações Públicas, por isso, os depósitos no IGCP — o ‘banco’ das entidades públicas, empresariais e outras — são uma responsabilidade e, logo, a pesar na dívida. A decisão do ministro Fernando Medina permitiu receita de capital para a Parpública, que consolida dentro do perímetro do Estado, e diminuiu as responsabilidades, isto é, a dívida.

Já o prometido aumento de capital na AdP — pelo anterior Governo — é um dos pontos na agenda da assembleia geral da Águas de Portugal, que se realiza esta quarta-feira de manhã. Além deste ponto, estão também pontos sobre a prestação de contas, os resultados de 2023 foram de 102 milhões de euros, e outro sobre o plano de atividades para os anos seguintes, que ainda não foi aprovado pela UTAM, a entidade do Ministério das Finanças que tem de dar parecer prévio. Por isso, outra fonte garante ao ECO que o ponto do aumento de capital deverá ser retirado da agenda.

As contas públicas deixadas por Fernando Medina em 2023 — o saldo excedentário de 1,2% do PIB e uma dívida pública abaixo dos 100% do PIB — e a forma como os objetivos foram assegurados dominaram as duas últimas semanas de discussão política entre o novo Governo e o PS. O ECO revelou, por exemplo, que o Governo PS aprovou mais de 40 resoluções de conselho de ministros depois da demissão, a 7 de novembro, com uma despesa associada de 1,2 mil milhões de euros e sem estarem inscritos em programas orçamentais.

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De resto, acusando o anterior Governo de não ter sido “claro nem transparente” quanto à situação das contas públicas, estimando 2,5 mil milhões de euros em despesas e compromissos que não estavam no Orçamento do Estado para 2024, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, assegurou esta terça-feira que mantém a “ambição de terminar o ano com um saldo orçamental positivo”, mas ressalvou que a “situação é mais exigente” e vai obrigar a “um maior esforço e controlo orçamental”.

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