“E quando ela bate com a bunda no chão / E quando ela mexe com a bunda no chão” canta o MC Kevinho nas colunas de música plantadas por grupos de jovens à beira-mar. Nas esplanadas, sejam elas à beira-mar, beira-rio, na cidade ou no campo, outros hits da rádio entoam. A música ambiente, como lhe chamam, mistura-se com as conversas de café de quem comenta as notícias – “Ele ao menos vai dizendo umas verdades”, ouve-se também em bom som e desavergonhadamente.

No autocarro e no metro, o som de pequenos vídeos em scroll dormente acompanham o anúncio da próxima estação. Nos comboios de longas distâncias, a série no computador do passageiro do lado mistura-se com o rolar da carruagem. As televisões, as notificações, as conversas alheias e as chamadas que não queríamos ouvir.

De auscultadores, como muitos, finto os sons que não me interessam. E junto-lhe mais uns quantos: Gal a chegar ao trabalho, Cesária à beira-rio e As Três da Manhã ao fim da tarde. Mas também os tiro muitas vezes para participar nas conversas de circunstância da cidade – que tanto nos aborrecem como nos aproximam e entretêm – ou para ouvir as conversas alheias e intermitentes da praia quando estendida à beira-mar.

No filme “Aquele Querido Mês de Agosto”, de Miguel Gomes, há uma cena final, já em jeito de créditos, com esta conversa entre o realizador e o diretor de som: o primeiro queixa-se de que há sons-fantasma nos planos, sons que não existiam na realidade que inicialmente filmaram – “Na serra não há canções”, explica. Vasco Pimentel, de perche em riste, responde: “As pessoas passam o dia a ouvir coisas abjetas, absolutamente insignificantes, que não servem para nada. A Floribella bomba na televisão, raio que a parta, tudo aos gritos no restaurante, o Sporting, o Benfica, o não sei quê... Aquilo não existe e eu estou a ouvir, também me posso queixar que me estão a mudar a realidade. Para mim, existe o Marante a cantar numa floresta.”

E não estamos nós sempre a contribuir para meter à bruta sons que não faziam parte da realidade? Ou é a realidade feita de todos estes contributos sonoros?

Sabemos também que o elogio do silêncio não é mais do que poesia. Uma sala na sede da Microsoft em Washington é o sítio mais silencioso do mundo. Ali ouve-se menos do que nada, ou seja, menos do que o silêncio percetível ao ouvido humano. Esta câmara anecóica foi criada em 2015 e demorou dois anos a ser construída com o objetivo de se testarem aparelhos eletrónicos. Não se pense que este é um lugar tranquilo: a maior parte das pessoas aguenta poucos minutos ali dentro e o recorde de permanência é de uma hora – e aconteceu com o propósito de angariar dinheiro para caridade. Com a ausência total de som, o cérebro perde referências e entra em stress.

Na procura de um equilíbrio entre o silêncio apaziguador e o som que compõe e ritma os sítios por onde passamos, há uma linha razoável do espaço sonoro que ocupamos e com que interferimos no quotidiano e no espaço de som dos outros?