Reportagem por David Salazar / AFP

Um dos picos mais altos da Colômbia, o Ritacuba Blanco, estava coberto por um liso lençol de neve até alguns meses atrás. No entanto, o brutal fenómeno do El Niño provocou no glaciar enormes fendas, sinais inéditos da sua agonia.

Desde novembro, quando a temperatura começou a subir no país devido ao fenómeno climático, a camada branca começou a desaparecer a uma velocidade que os especialistas da Sierra Nevada El Cocuy, no extremo leste do departamento de Bocayá, consideraram alarmante.

Como é a morte de um glaciar? Na Colômbia, turistas podem vê-la em tempo real
O Pico do Pão de Açúcar visto a partir do Ritacuba Blanco créditos: Luis Acosta / AFP

As autoridades culpam o El Niño, um fenómeno natural proveniente do aquecimento do Oceano Pacífico, que afeta a Colômbia desde o final de 2023. O país, um dos mais biodiversos do mundo, registou em março o mês mais quente da história, com temperaturas de até 42,4°C em algumas regiões.

"O fenómeno do El Niño é talvez a pior coisa que pode acontecer às nossas montanhas ou glaciares, pois há ausência de nebulosidade e, portanto, não precipita neve nos glaciares, que é o que precisamos para que se mantenham", explica o glaciologista Jorge Luis Ceballos, do estatal Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam).

O Ritacuba Blanco é o que mais possui fendas entre os picos nevados do país, que beiram a extinção. Enquanto derrete gota a gota, os turistas visitam-no e posam para fotografias entre as altas paredes das fendas. Dos 14 glaciares tropicais que existiam na Colômbia no início do século XX, restam apenas seis.

"No final do ano passado, neste local, as paredes mediam cerca de seis metros", mas agora "praticamente não chega a um metro"."É grande a quantidade de gelo" que foi perdida nos últimos "seis meses", relata preocupado Edwin Prada, um guia local.

Como é a morte de um glaciar? Na Colômbia, turistas podem vê-la em tempo real
Uma das fendas do glaciar créditos: Luis Acosta / AFP

Glaciares, termómetros do aquecimento global

O El Niño acelerou o desaparecimento dos glaciares de El Cocuy, um paraíso gélido onde nascem rios, acessível unicamente após uma caminhada elevada de sete quilómetros.

As montanhas são habitat de aves como condor-dos-andes e mamíferos como antas e veados.

Como é a morte de um glaciar? Na Colômbia, turistas podem vê-la em tempo real
Caminhada no Parque Nacional El Cocuy créditos: Luis Acosta / AFP

Segundo dados de 2022, cerca de 12,8 km² desse território estavam então coberto por gelo e neve, a menor extensão desde que o Ideam acompanha os dados. Em 2010, eram 16,5 km² e em 2003, 19,8 km².

Nos últimos meses, "a neve derreteu por falta de precipitação, o gelo ficou exposto à radiação solar e isso acelerou a fusão do gelo", sustenta Ceballos, a principal autoridade do assunto na Colômbia.

"Observamos uma mudança nas espessuras de gelo entre 2 e 3 metros (...) isso para um glaciar colombiano é muito", acrescenta.

Em 2023, o planeta passou pelas temperaturas mais altas desde que há registo, segundo o Observatório Europeu do Clima Copernicus (C3S). A ONU calcula que em 2024 o mundo poderá quebrar esse recorde.

El Cocuy National Natural park
Turistas visitam o glaciar. Nesta imagem é possível ver as diversas fendas do manto de gelo que deveria ser liso créditos: Luis Acosta / AFP

Os glaciares, fieis termómetros do aquecimento global, dão sinais de alerta. Na Ásia, o continente mais afetado pelos calores extremos, os picos gelados dos Himalaias também estão a sucumbir, ameaçando a segurança hídrica da região, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

O observatório Copernicus indicou nesta quarta-feira que o El Niño está "a enfraquecer", algo que permite vislumbrar um possível alívio no final do ano - mas sem mudar a tendência fundamental de um aquecimento alimentado pelo uso massivo de petróleo, carvão e gás fóssil.

Queria conhecer, não queria perder antes que acabasse

O El Niño provocou em janeiro incêndios que devastaram uma parte das emblemáticas montanhas de Bogotá. Naquele mês, o fogo consumiu mais de 17.000 hectares de floresta em todo o país.

Algumas das chamas chegaram aos páramos, ecossistemas frágeis e únicos de países andinos, cujos frailejones, vegetais típicos do bioma, ficaram carbonizados. Pequenas lagoas que abastecem água a povoados também secaram.

Numa decisão sem precedentes neste século, a capital colombiana decretou um racionamento no serviço do aqueduto há três semanas devido ao baixo nível dos reservatórios.

"Este ano, cada vez que subo está pior, já há uma nova fenda, mais degelo (...) é muito triste ver como está a fragmentar-se", lamenta Luisa Cepeda, uma médica de 39 anos, que caminhou junto com a filha adolescente para ver o glaciar.

"Queria conhecer, não queria perder antes que acabasse", lamentou a visitante.