Talento, infraestruturas e… sol: o que procuram os investidores em Portugal?

Investimento no ecossistema português cresceu 30% face a 2016, sendo o valor médio de 330 mil euros. Seis em cada dez investimentos são em fase seed e há cada vez mais investidores interessados.

Chove em Lisboa em pleno junho e, por isso, os investidores deixaram de elogiar o sol português. No entanto, mudaram a perspetiva. Com números a testemunhar o aumento do interesse em startups portuguesas — de acordo com dados da Beta-i, o investimento cresceu 30% em 2017, face aos dados de 2016 sendo, em média, de 330 mil euros –, o sol do financiamento parece sorrir aos empreendedores.

Razões para investir em Portugal? Um, é parte da Europa e a Europa é um continente uno para ter grande acesso ao talento: se constróis um negócio em Lisboa significa que podes atrair talento para ti e conheço muitos casos em que há várias empresas a atrair talento para Lisboa. Essa é uma das razões: as pessoas podem construir grandes equipas em Lisboa. E, provavelmente será a melhor razão”, explica Elliot O’Connor, investment associate da First Minute Capital, em entrevista ao ECO. Com empresas como o Skype, o SkyScanner e a King dentro do portefólio de parcerias, o inglês representa um investidor com interesse no talento europeu que vê potencial de crescimento em áreas como machine learning, inteligência artificial, gaming e também robótica, entre outras.

Elliot O’Connor, investment associate da First Minute Capital, disse ao ECO estar prestes a anunciar o primeiro investimento numa startup portuguesa.Paula Nunes / ECO

A inteligência artificial é uma área em que a Europa pode ser muito competitiva: tem algumas das melhores universidades nestes campos, e estamos a produzir cientistas que podem construir grandes empresas na região. Relativamente a qualquer outro ecossistema, podemos ser bem-sucedidos aí”, esclarece.

Talento, talento, talento

Tema falado em conferências e entrevistas, a atração do talento tem sido cada vez mais destacada por vários players do ecossistema. As grandes empresas tendem a contratar em bloco, aumentando a competitividade entre elas e as startups, para quem este “novo talento” é essencial para desenvolvimento de produto. Gonzalo Tradecete, managing partner e chief investment officer da Faraday Venture Partners, com sede em Madrid, acredita que o mercado português é interessante, sobretudo por esse fator. “É um mercado muito interessante porque há muito talento com custos que não são enormes, muita abertura ao exterior e muitos incentivos do Estado”, explica.

Gonzalo Tradacete gere um fundo com dez milhões de euros de investimento e já investiu em 22 startups, sobretudo espanholas. A empresa prepara-se para abrir escritório em Portugal.Paula Nunes / ECO

Apesar disso, o fosso entre os mercados da Europa e dos Estados Unidos continua. Mas isso não preocupa Gonzalo, antes pelo contrário. “Mantêm-se as diferenças mas sempre existirão. São mercados muito diferentes, mas isso não significa que aqui não funcione. Têm outra amplitude, envergadura e histórico. Mas não nos falta nada, somos diferentes mas não há razão nenhuma para querermos ser como os Estados Unidos”, diz. E reforça: “Não há nenhuma necessidade”.

Por isso, sobre a existência de unicórnios na Europa, Gonzalo garante que “cerca de 80% são mentira”. “Dizem que valem mil milhões, mas muitos estão a perder 500 milhões por ano. Dizem que valem isso porque têm acordos com investidores e sócios. E, nalgumas dessas condições, eu também investiria mil milhões. Não tenho a certeza se nos fazem falta os unicórnios. Do que sim, tenho a certeza, é que queremos ter muitas empresas de alto valor acrescentado, rentáveis, que gerem emprego de qualidade e tenham um serviço altamente competitivo em matéria de design, serviços ou produtos. Isso sim, queremos. Queremos ter muitas empresas muito grandes que saem na imprensa e que, aos dois anos, quebram? Acho que não”, sublinha o investidor.

Não tenho a certeza se nos fazem falta os unicórnios. Do que sim, tenho a certeza, é que queremos ter muitas empresas de alto valor acrescentado, rentáveis, que gerem emprego de qualidade e tenham um serviço altamente competitivo.

Gonzalo Tradacete

Faraday Venture Partners

Com dez milhões de investimento sob gestão, em 22 startups sobretudo de Espanha, o investidor está a dias de ter um diretor de investimento em Portugal para começar a investir em startups nacionais. Também a querer investir em startups portuguesas está Laida Garcia, da Wayra, empresa alemã que trabalha com a espanhola Telefónica na área de investimento em startups.

Pela primeira vez em Portugal, a espanhola justifica o interesse no mercado português com a diversidade e a incorporação da tecnologia, dois fatores fundamentais no que toca a inovar em grandes empresas como é o caso da telecom espanhola.

Laida Garcia e Nora Alfen, da Wayra Alemanha, querem conhecer melhor o ecossistema português e começar a investir em startups nacionais.Paula Nunes/ECO

“Somos uma ponte entre as startups e a Telefónica e, o que tentamos é descobrir novas tecnologias para que a empresa se torne mais digital. Fazemo-lo de duas maneiras: escolhemos startups B2B que façam com que os nossos processos sejam mais eficientes e, por isso, reduzindo custos em recursos humanos, inteligência de negócio, análise de dados. E, por outro lado, dando as melhores soluções aos clientes”, explica Laida. Com 50% dos investimentos no Reino Unido e a restante metade em startups da Alemanha, Espanha e Itália, a Wayra não anda “propriamente à procura de um marketplace”, mas precisa de “outro tipo de soluções”.

[Portugal] é um dos hubs que mais vai crescer na Europa nos próximos cinco anos.

Andrés Areitio

The Venture City

“Investimos em startups internacionalmente, somos uma marca global, temos innovation hubs em Madrid, Barcelona e no Reino Unido e mais nove países na América latina, além do da Alemanha. Participadas portuguesas ainda não temos, mas acho que tem a ver com a marca Telefónica, que não está tão presente no mercado e por isso não é tão conhecida. Temos de vir a Portugal para procurar mais startups”, acrescenta.

Andrés Areitio, diretor de investimento da The Venture City, elogia o talento, as infraestruturas e a ambição global dos empreendedores portugueses.Paula Nunes / ECO

Andrés Areitio, diretor de investimento da The Venture City, um fundo norte-americano com escritórios em Madrid, sublinha o interesse que o fundo de 100 milhões de dólares tem em começar a investir em Portugal. “Talento, ambição global, infraestrutura — ecossistema –, e casos de sucesso nos quais os empreendedores podem refletir-se.” E, ainda que o sol tarde, Andrés faz previsões em relação ao próximo “clima” em Portugal. “É um dos hubs que mais vai crescer na Europa nos próximos cinco anos”.

A cidade com mais investidores por metro quadrado

Organizado pela Beta-i em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa e com o apoio da Bright Pixel (Sonae IM), IE Business School e Turismo de Portugal, o Lisbon Investment Summit (#LIS) trouxe novamente à capital portuguesa mais de 200 investidores, transformando Lisboa na cidade com mais investidores por metro quadrado durante dois dias.

No balanço do evento, Pedro Rocha Vieira, CEO da Beta-i, detalhou as qualidades do #LIS. “É um evento informal e genuíno, e essa é uma das características que importa manter. É preciso crescer, mas preservando a dimensão humana das relações e este encontro tem esse objetivo: uma experiência fantástica para os investidores e para as startups, para as empresas e para os participantes. Sentimos que o #LIS é cada vez mais um evento de afirmação de Lisboa no ecossistema europeu.”

Mais do que trazer grandes investidores, o objetivo é dar palco ao que está a acontecer no ecossistema.

Pedro Rocha Vieira

Beta-i

Norte-americano, mas a viver atualmente em Londres, Sean Seton Rogers é a cara da PROfounders Capital que veio a Lisboa à procura de potencial investimento. Com 65 milhões de euros de investimento no último fundo lançadoe mais de 45 startups financiadas –, a empresa tem capital no Reino Unido (50%) e a restante metade em países como a Alemanha, Finlândia e outros. Mas quer mais. “Queremos investir em Portugal”, assegura Sean. “Estou fascinado com Portugal, e com Lisboa em particular. Acho que há boas oportunidades de apostas para o futuro: o tempo de momento não é incrível mas normalmente sim, e as pessoas gostam disso”, brinca o americano.

“O que me fascina na Europa é que, por muito tempo, tem sido o líder global em muitas áreas. Por exemplo, na moda, Londres, Paris e Milão sempre foram os epicentros. E se olharmos para algumas das empresas líderes de mercado nestas áreas, a Farfetch ou a Asos, é evidente. O mesmo se passa na música: a Spotify tem sede na Europa. Educação, finanças, música, e outras, acho que vão ser as grandes apostas nos próximos anos”, antecipa, acrescentando que não vale a pena sofrer por antecipação com a “escassez de talento”. “No pós-Brexit, as pessoas vão procurar novos sítios para se fixarem e, tal como aconteceu com Berlim há uns anos, as grandes empresas começam a chegar a Portugal. Os salários são ainda bastante baixos relativamente a outros mercados. E, sabendo que todos estes mercados vão competir globalmente por talento, não devemos preocupar-nos com isso mas fazer o melhor que sabemos e atrair grandes empresas”.

Sean Seton Rogers é norte-americano mas investe a partir de Londres.Paula Nunes / ECO

“Mais do que trazer grandes investidores, o objetivo é dar palco ao que está a acontecer no ecossistema. Queremos ajudar a criar uma nova consciência, para que os investidores institucionais apostem no ecossistema e invistam em players nacionais, porque sem estes é difícil termos um ecossistema mais maduro e sólido. É preciso mais dinheiro no ecossistema e fundos mais virados para o exterior, para potenciar o chamado deal flow, que tem vindo a decrescer. Para isso, é preciso que algumas das grandes empresas comecem a investir algum dinheiro em operadores de capital de risco, isso é crítico”, explica o fundador e CEO da Beta-i.

  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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