"O Ministério Público condena veementemente este modo de atuar da Polícia Judiciária e irá usar todas as suas prerrogativas para o controlo e restabelecimento da legalidade, seja em sede de ação penal ou no exercício do poder disciplinar de que dispõe enquanto órgão que superintende a Polícia Judiciária, a fim de garantir e efetivar a responsabilização e a reposição da legalidade", afirmou hoje Kelve Nobre de Carvalho, numa comunicação ao país.

Na quarta-feira, a Polícia Judiciária (PJ) deteve Américo Ramos, antigo ministro das Finanças do Governo liderado por Patrice Trovoada (Ação Democrática Independente, agora na oposição), e que ficou em prisão preventiva após ter sido presente ao tribunal de primeira instância; e na quinta-feira, esta polícia impediu o ex-ministro das Obras Públicas Carlos Vila Nova de viajar para Portugal e convocou-o para ser ouvido hoje de manhã nas instalações da PJ.

"Quando, à revelia das regras processuais vigentes, sem poderes delegados, a Polícia Judiciária decide deter cidadãos ou proibir, sem qualquer fundamento legal para o efeito ou despacho prévio de autoridade judiciária, cidadãos de se ausentarem do país, faz da lei suprema letra morta, olvidando os mais elementares princípios do Estado de Direito, como o da separação de poderes", referiu Nobre de Carvalho.

O responsável do Ministério Público (MP) defendeu que "a separação de poderes é a base da democracia e onde ela não existe ocorrerá, mais tarde ou mais cedo, a tirania, a asfixia, a ditadura".

"A replicarem-se os acontecimentos vividos nos últimos dias no nosso país, caros compatriotas, substituindo-se a polícia à autoridade judiciária, caminhamos para um Estado policial", advertiu.

Kelve Nobre de Carvalho recordou que "o titular exclusivo da ação penal é o MP" e que a PJ "apenas coadjuva o MP nessa tarefa, sempre sob a sua superintendência e supervisão, no decurso de instrução preparatória judicialmente conformada quando, e só quando, o MP lhe delegue esses poderes".

Para a Procuradoria-Geral da República (PGR) são-tomense, "a contaminação política dos processos judiciais e, em sentido mais amplo, da justiça, é tão nefasta que pode levar, como a história mostra, ao declínio da independência do poder judicial".

O procurador-geral garantiu ainda que o MP "continuará, no exercício do seu poder de ação penal, vigilante e firme na condução de todos os inquéritos-crimes que tem em mãos, sem olhar a cores políticas ou filiações partidárias, mas apenas orientado pelo estrito cumprimento dos princípios da legalidade e da objetividade".

"Continuaremos a não aceitar quaisquer tipos de interferências nefastas, embora estejamos sempre abertos à colaboração institucional dos diversos órgãos da administração pública com vista à descoberta da verdade material", sublinhou.

Esta quinta-feira, também numa comunicação ao país, o Governo são-tomense disse ter feito uma queixa à PJ relativa a empréstimos contraídos pelo executivo anterior, que pode ter estado na origem da detenção do ex-ministro das Finanças Américo Ramos.

Num comunicado lido pelo secretário de Estado da Comunicação Social, Adelino Lucas, o executivo refere-se a um empréstimo de 30 milhões de dólares (26,7 milhões de euros), contraído a um fundo internacional com sede em Hong Kong e outro de 17 milhões de dólares (15,1 milhões de euros), contraído ao Fundo Soberano do Kuwait para a requalificação do hospital da capital são-tomense.

Adelino Lucas sublinhou que os dois empréstimos foram assinados por Américo Ramos, enquanto ministro das Finanças do anterior executivo (2014-2018), liderado por Patrice Trovoada (partido Ação Democrática Independente, agora na oposição).

O Governo é chefiado por Jorge Bom Jesus (Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata e coligação PCD-UDD-MDFM).

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