As gruas são o novo ponto de referência de Pedrógão Grande

  • Lusa
  • 16 Junho 2018

Todas as primeiras habitações afetadas pelo fogo de Pedrógão Grande estão em obra ou concluídas, dizem os números oficiais. As gruas de construção multiplicam-se, para reparar as casas danificadas.

As gruas de construção civil são os novos marcos na paisagem das aldeias atingidas pelos incêndios de 2017 em Pedrógão Grande e concelhos vizinhos, destacando-se numa terra que recupera aos poucos do efeito devastador das chamas.

“Quando chegar ao centro da aldeia olhe para cima que vai encontrar a grua”, responde Anabela Louro, em Mosteiro, Pedrógão Grande, quando questionada sobre o caminho para as obras de recuperação de uma casa de pedra que ruiu no incêndio de 17 de junho de 2017.

O mesmo sucede ali ao lado, mas já em Vila Facaia, também concelho de Pedrógão Grande. Na aldeia de Pobrais, uma das mais atingidas pelas chamas (que mataram 11 habitantes e reduziram a escombros habitações e explorações agrícolas), a grua serve de ponto de referência.

Onde há gruas, há trabalhadores de construção civil, camionetas de transporte de material que atravancam as ruas estreitas, barulho de obras. Há pessoas que param e ficam à conversa, formando pequenas rodas de gente, uma animação fora do vulgar em terras muito marcadas pelo despovoamento e onde raramente se encontra uma criança.

Fernando Paiva, que está a recuperar uma casa de pedra no alto da aldeia, dá outra pista para orientação dos visitantes. “Se estiverem perdidos, sigam as carrinhas dos trolhas, acabam sempre por encontrar o caminho para algum lado“.

O reformado e a sua mulher Conceição enfrentaram o incêndio naquele dia terrível, conseguindo salvar a sua casa de habitação. Mas a casa ao lado, também sua propriedade, acabou consumida pelas chamas. A recuperação começou há pouco mais de três meses e atrai vizinhos e visitantes, com a conversa a acabar sempre nas recordações daquele dia terrível.

No dia do grande fogo, o casal tentou encontrar proteção na sede do concelho, mas o que encontraram na estrada nacional 236-1 levou-os a desistir. Naquela estrada, onde morreram 47 pessoas, Conceição viu coisas que quer esquecer, e que são cicatrizes tão dolorosas como a que tem no braço, provocadas pelas chamas. “Nem gosto de falar nisso”, remata.

O movimento nas aldeias de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos vem confirmar os números oficiais sobre a recuperação das casas, que apontam para que todas as primeiras habitações afetadas pelo fogo de Pedrógão Grande estão em obra ou concluídas.

Um ano após os incêndios de 17 de junho de 2017, que mataram 66 pessoas e provocaram 250 feridos, já foram entregues aos respetivos proprietários 156 casas recuperadas, segundo dados da Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI).

Todas as primeiras habitações afetadas pelo fogo estão em obra ou concluídas, garantiu também o ministro do Planeamento durante uma visita à zona afetada, esta semana. Os fundos para a reconstrução estão a ser encaminhados através do programa Valorizar, criado pelo Governo logo após os incêndios, mas uma parte importante foi assegurada por dádivas de algumas empresas e pelo empenhamento da Cáritas.

O primeiro-ministro, António Costa, durante a visita a uma casa em reconstrução, no âmbito da deslocação à zona afetada pelo incêndio de Pedrogão Grande, em Sarzedas de São Pedro, Castanheira de Pera, 16 de dezembro de 2017.Paulo Novais/LUSA 16 dezembro, 2017

“Desde há seis meses que não paramos. Temos feito obras de recuperação um pouco por todo o lado, quase sempre primeiras habitações“, explica um pequeno empresário de construção civil do concelho vizinho de Ansião. Como ele, há muita gente na região que lançou pequenos negócios de construção civil, “aproveitando a maré”, como explica. “Mas isto não vai durar”, vaticina.

Em Mosteiro, meia dúzia de trabalhadores recuperam uma casa de segunda habitação. O que resta das paredes e fundações da casa original permite concluir que a nova casa é maior e será certamente mais confortável. Os donos nasceram na aldeia, mas moram em Coimbra.

“A casa ardeu, não havia ninguém para lutar por ela”, constata Constantino Dinis, um vizinho que mora duas centenas de metros mais abaixo. No dia do grande fogo, Constantino e a mulher, Gorete, não obedeceram à ordem de saída das autoridades e ficaram na aldeia, lutando com o que tinham à mão para evitar que as chamas consumissem a sua residência.

Os terrenos à volta apresentam ainda manchas castanhas por entre o verde que desponta com a força da primavera, as árvores queimadas na colina foram entretanto substituídas pela plantação de árvores autóctones promovida por uma associação local que tem a sede na antiga escola primária, desativada por falta de crianças. Mas a casa de Constantino e Gorete continua de pé e é fácil de encontrar: o jardim está decorado com o que resta dos carrinhos de choque e os cavalinhos de feira de uma empresa de carrosséis.

“Foi assim que ganhámos a vida, nas feiras e romarias, de norte a sul, toda a nossa vida”, explica Gorete. Que fecha a conversa com um sorriso conformado: “A vida continua”.

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