Redução do ISP: Há riscos de inconstitucionalidade

  • Cristina Oliveira da Silva
  • 22 Junho 2018

Uma maioria negativa no Parlamento aprovou a proposta do CDS para eliminar o aumento do ISP. Poderá a medida acolidir com a lei-travão prevista na Constituição? Há riscos.

O CDS quer eliminar o aumento do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) e tem um conjunto de argumentos para defender a constitucionalidade da medida. Mas os especialistas ouvidos pelo ECO apontam para riscos. Poderá esta iniciativa violar a ‘lei-travão’, que impede os deputados de apresentarem projetos “que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento”?

Ao ECO, o deputado do CDS Pedro Mota Soares defende o projeto aprovado esta quinta-feira na generalidade, assinalando que a medida em causa começou por ser criada com “a premissa de compensar o que o Estado estava a perder em IVA”. “Em 2016, quando o preço da gasolina estava baixo, o Governo diz exatamente isso, e até fez uma coisa que ajuda neste momento: diz que o ponto ideal de fiscalidade era que, por cada litro de gasolina se pagasse 88 cêntimos de impostos e, no caso do gasóleo, 61 cêntimos”, refere o deputado. Na altura a cobrança era de 83 cêntimos (no primeiro caso) e “portanto havia uma diferença”. A medida foi anunciada “com neutralidade”, continua.

E porque entende então o CDS que a medida não põe em causa a lei-travão? “Em 2018, o Estado vai arrecadar muito mais em IVA dos combustíveis do que estava à espera”, nota Mota Soares, indicando que, no Orçamento do Estado, o Governo “calculou que o brent estaria a 55 dólares por barril mas neste momento está em 73”. “Como é óbvio, a arrecadação fiscal em IVA é muito superior ao que o Estado perderia em ISP”, defende o deputado. De acordo com as contas de Mota Soares, em 2017, o Estado terá “arrecadado mais 350 milhões de euros e este ano, até ao final do ano, mantendo-se os níveis de consumo, vai ser cerca de mais 400 milhões de euros acima da neutralidade”. Portanto o “Estado tem muita margem”, diz. Neste momento, “o que o Estado está a cobrar por litro de gasolina é 93 cêntimos, no caso de gasóleo 70 cêntimos, portanto, há margem para descer sem afetar a receita fiscal global”, garante o deputado.

De acordo com o deputado, estes valores fazem referência ao IVA, mas aquele “é um imposto de vaso comunicante e por isso era considerado neutral, o adicional servia para equilibrar face àquele preço de referência que estabelecem nos 88 cêntimos”. Para o centrista, o “grande argumento é dado pelo Governo”, e se o PS invocar a lei-travão, “então o imposto nunca visou ser neutral”. Mas os constitucionalistas abordam outros pontos.

Tiago Duarte admite que pode haver duas perspetivas em confronto. Caso se assuma que a lei-travão se refere “ao valor previsto no Orçamento”, se o Estado já tiver sido arrecadado mais, então “não estamos a diminuir as receitas previstas no Orçamento se dissermos que agora não se cobra nem mais um cêntimo”, adianta. Mas esta leitura é associada ao imposto em causa. “Se o valor cobrado em ISP não atingiu ainda o valor orçamentado, e se agora se vai eliminar esse adicional ao ISP, não se vai permitir atingir o valor previsto”, indica o sócio da PLMJ. E acrescenta: “Se o projeto tiver como consequência deixar de se cobrar tanto ISP” e, assim, “o Governo não conseguir atingir o valor orçamentado, então acho que o projeto corre um risco muito sério de ser considerado inconstitucional”.

O deputado Mota Soares salienta que, de facto, ainda não foi cobrado o nível de ISP previsto. “Até final de abril tinha sido cobrado 1.090 milhões de euros”, para uma previsão global de “três mil milhões”, refere. E à separação entre ISP e IVA, volta a contrapor: “na criação deste adicional, a justificação do Governo foi exatamente esta — é preciso subir o ISP porque estamos a perder receita de IVA, quem faz ligação entre as duas coisas é o Governo”.

Tiago Duarte diz que há ainda outra interpretação que pode ser feita da norma constitucional: em vez de olhar para o valor previsto no Orçamento, olhar para a diminuição das “fontes de receita”, ou seja, para a alteração de “leis que gerariam receita”. E nesta perspetiva, o que importa é perceber se o Estado “vai receber menos do que receberia se a lei não fosse aprovada”, diz.

Questionado sobre o mesmo assunto, o constitucionalista Bacelar Gouveia não mostra dúvidas: “É obviamente inconstitucional”. “Resultando da aprovação e da vigência [da lei] uma automática redução da receita ou aumento da despesa, acho que é inconstitucional, não sendo proposto pelo Governo”, diz.

A questão também foi levantada pelos serviços do Parlamento, que, como nota o Diário de Notícias, indicaram já que a medida “parece poder ter efeitos orçamentais”. Aliás, a nota técnica referente ao projeto indica mesmo que este limite pode ser “ultrapassado através de uma norma que preveja a produção de efeitos ou a entrada em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua publicação”.

O projeto de lei do CDS foi aprovado esta quinta-feira mas ainda tem de passar pela discussão na especialidade e pela votação final global. E para chegar ao terreno te também de ser promulgado pelo Presidente da República. Além do projeto de lei do CDS, também foram aprovados dois projetos de resolução do PSD e PCP, para reduzir o imposto. Mas aqui, estão em causa recomendações ao Governo.

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