Portugal, a dívida: o presente e futuro

Regresso ao tema da minha última coluna, avançando agora para o presente.

Recentemente, o Grupo de Trabalho sobre a sustentabilidade da dívida portuguesa sugeriu que o Estado Português emitisse dívida em maturidades mais reduzidas. Este relatório tem levado a interpretações divergentes. Do meu ponto de vista, existem alguns problemas evidentes com a proposta. É recomendado no relatório que o Estado emita dívida em maturidades curtas, aproveitando-se das suas condições mais favoráveis devido à grande incerteza de longo prazo sobre a sustentabilidade da dívida, que leva a taxas de juro de longo prazo menos favoráveis.

No entanto, os yields a diferentes maturidades não são exógenos: mudar o padrão de emissões de obrigações iria voltar-se contra os que pensam que podem aproveitar os yields mais baixos a curto prazo sem consequências. Os juros mais baixos de maturidades mais baixas vão aumentar, quando aumentar a oferta de obrigações a esta maturidade. Ou seja, o benefício de baixar a maturidade vai ser apenas de curto prazo, já que os mercados financeiros vão ajustar-se a esta medida de forma relativamente rápida. (Isto apesar de alguma dívida de longo prazo emitida em momentos difíceis estar agora a pagar-se cara, mas esta também tem estado a ser substituída.) Um ponto relacionado com este aspeto é que haveria um risco acrescido de não ser possível continuar a financiar o Estado em condições parecidas no futuro (rollover risk), caso choques desfavoráveis (até possivelmente externos) atingissem a economia. No momento em que passe a existir rollover risk, os juros de curto prazo vão aumentar. Pode valer a pena testar as águas, mas não me parece que esta solução vá longe.

O Grupo de Trabalho da dívida também faz outras propostas perigosas. Por exemplo, propõe mudanças na lei orgânica do Banco de Portugal para que a constituição de provisões não possa ser decidida livremente pela administração do mesmo – um perigoso ataque à independência dessa instituição, um dos pilares determinantes de um banco central moderno.

Há, no entanto, uma outra proposta feita pelo Grupo de Trabalho que merece ser valorizada. Trata-se da opção de restruturação de dívida detida por organismos europeus sem um haircut nominal, ou seja, através de reduções de taxas de juros e, especialmente, aumentos de maturidade. É, a meu ver, uma boa ideia. Esta medida depende da sua aceitação pelos organismos europeus, já que é evidente que não é boa ideia Portugal levantar a questão de incumprimento unilateral. Mas esta opção deixaria os líderes políticos dos países do Norte da Europa dizer aos seus eleitores que a dívida vai ser toda paga, aproveitando-se da ilusão monetária destes últimos. Ou seja, da sua incapacidade de distinguir quantidades em euros de quantidades reais, ajustadas à inflação e aos custos de oportunidade na forma de juros. Parece-me, globalmente, uma boa solução, apesar de este tipo de medidas poder levar a algum risco moral (moral hazard) dinâmico. Seja como for, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira é de momento contra, invocando os maiores custos que cairiam noutros Estados-Membros.

Seja como for, tal como aconteceu no século XIX, o mais provável é que quaisquer “truques” de gestão da dívida não conseguirão mais do que ganhar algum tempo, mesmo que avancem com sucesso. Uma descida da dívida pública de 40 pontos percentuais, de 130,7% para 91,7% do PIB, como é sugerido, apenas levará a última para níveis em que estava há apenas alguns anos atrás. Sem reformas que levem a um crescimento económico sustentado no futuro, os défices sucessivos irão continuar a fazer subir a dívida em percentagem do PIB, especialmente com a implosão demográfica que está para vir, associada ao continuado poder eleitoral das gerações mais velhas.

Eu não sou nada otimista, porque as reformas necessárias (por exemplo, as legais, do tipo que o Nuno Garoupa defende) não vão ser politicamente viáveis e portanto não serão feitas. Por isso, o relatório erra de forma crassa quando considera que esta restruturação poderia “alterar de forma permanente a dinâmica (e a sustentabilidade) da dívida pública e da dívida externa portuguesas”.

Apesar da economia Portuguesa ter melhorado em alguns aspetos (contas públicas mais disciplinadas e setor exportador e de turismo mais dinâmicos), e de até se prever que continue para já a crescer, penso as coisas não vão correr bem. O atual crescimento é em grande parte resultado de uma recuperação a partir de um nível de PIB anormalmente baixo (e de desemprego alto), e de uma conjuntura externa favorável. A Espanha, por exemplo, também cresceu acima das expectativas. Eu não desejo um mau resultado para a economia portuguesa, pelo contrário. Fico feliz se errar, porque seria melhor para o país. Mas não deixa de ser esta a minha previsão. (E também a de Nuno Garoupa.)

Os que acham que o recente crescimento da economia portuguesa está para durar vão ter que comer o seu chapéu. Nessa altura culparão tudo e todos, menos a si próprios.

  • Senior Lecturer (Associate Professor), Department of Economics, University of Manchester

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