“O grande desafio do luxo é conseguir injetar experiências no digital que consigam compensar o offline”

Os especialistas do setor de luxo destacam as principais dificuldades em entrar no mercado online, embora reconheçam a sua importância.

O digital ainda está longe de proporcionar uma boa experiência de luxo“, quem o diz é Olivier Rasch, diretor-geral da divisão da L’Oréal Luxe em Portugal. Esta quinta-feira, durante uma conferência organizada pelo ECO sobre os desafios que as empresas de luxo enfrentam relativamente à digitalização, foram vários os profissionais do setor que sublinharam a importância do mercado online para as grandes marcas.

Estamos, no país, a viver um momento único. Chamo-lhe a bonança perfeita, porque temos a combinação de setores que são únicos, em simultâneo”, começou por dizer Helena Amaral Neto. A CEO da Luxulting referiu ainda que o país está a ser descoberto pelo mundo e que cabe a todos “dar continuidade e valorizar essa descoberta”. Neste sentido, Nuno Oliveira, empresário no setor do retalho, ressalva que “esta é uma boa oportunidade para se pensar sobre o futuro do retalho”, uma vez que, como disse, os “consumidores procuram experiências que as marcas possam oferecer“.

Para o diretor-geral da Via Outlets, a empresa opta por olhar para os clientes como “convidados”, e não como simples clientes ou consumidores. Desta forma, a satisfação das necessidades desses convidados é pensada de forma mais rigorosa e acredita que, ao oferecer essas experiências, a entidade só terá a ganhar. “Mais de 50% dos nossos convidados tomaram conhecimento do nosso centro [o Freeport] através de recomendações de outras pessoas“, disse, explicando que, se todos os seus “convidados” ficarem satisfeitos, a marca ficará satisfeita também.

Citando um estudo, Nuno Oliveira referiu que os dados do segmento de luxo são “claramente positivos” e que a estimativa é que haja um crescimento no setor, pelo menos até 2025. “Até 10% das vendas deste mercado são online. Em 2025 vai passar a ser 20%“, notou. No entanto, explicou, “não se trata de uma transferência do offline para o online, porque cada vez mais consumidores irão começar a comprar via online”.

Millennials: sinónimo de “desafios muito complicados no futuro”

Mas, quem são esses consumidores? O retalhista responde: “Os millennials“. Sim, a também chamada “Geração Y”. Para Nuno Oliveira, esses consumidores serão “aqueles que vão colocar [ao setor] desafios muito complicados no futuro”. E esse é o desafio, afirmou, uma “geração que, no futuro, vai ter comportamentos de consumo diferentes. Os principais responsáveis pela fatia do online“. Mas deixa o aviso: “O offline não deixará de crescer”.

"Os millennials serão aqueles que nos vão colocar desafios muito complicados no futuro.”

Nuno Oliveira

Via Outlets

Com conhecimentos do mercado francês, Olivier Rasch, da L’Oréal Luxe, começa por dizer que teve de “recrutar cerca de 1.500 pessoas no mundo para trazer este digital para um mundo diferente”, e tudo porque “a complexidade [do digital] não era fácil de gerir com as pessoas que estavam lá antes. Foi preciso redesenhar a nossa maneira de produzir conteúdo”.

E, nesse sentido, na necessidade de mergulhar no mercado de luxo online, Fernanda Marantes conta que a própria empresa teve de se “redirecionar e ir à procura desse talento”. Uma tarefa que disse não ser fácil. “As empresas têm de ter esse papel de investir muito neste talento. Se falamos num mundo offline e online, dentro da agência temos paradigmas interessantes, pessoas que estavam habituadas a lidar com canais tradicionais e outras habituadas a novos canais”, acrescentou a presidente executiva da agência Havas Media.

O Portugal business director da Via Outlets conta que, há três ou quatro anos, a empresa arrancou com um processo de mudança que dura até aos dias de hoje. “Chegamos a uma situação em que, aproximadamente, 40% dos nossos recursos de marketing são dedicados à área digital, não ao e-commerce — porque não acreditamos nele –, mas enquanto plataforma para produzirmos conteúdos e nos relacionarmos com as pessoas”.

"O mundo de hoje é todo on, pois dificilmente alguém consegue passar um dia sem recurso a qualquer elemento de tecnologia.”

Nuno Oliveira

Via Outlets

Durante a sua intervenção, Fernanda Marantes referiu que “o consumidor de hoje é no line — nem offline nem online”. No entanto, Nuno Oliveira não é da mesma opinião, defendendo que “o mundo de hoje é todo on, pois dificilmente alguém consegue passar um dia sem recurso a qualquer elemento de tecnologia”.

RGPD no mercado de luxo faz “vender mais e melhor”

No que diz respeito à legislação, João Miranda de Sousa partilhou os seus conhecimentos com todos, explicando que um dos temas principais à volta desta questão passa pela possibilidade que as empresas de luxo têm em estabelecer proibições aos seus distribuidores exclusivos, na forma como estes podem colocar os seus produtos em certas plataformas. Uma coisa que é “legalmente possível” e que está atualmente a ser discutida nos principais tribunais europeus.

Para o managing partner da Garrigues, falando no Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) que entra em vigor esta sexta-feira, “criou-se esta fobia coletiva de que caiu uma bomba do céu, relativamente a regras que já existiam, mas que ainda não tinham sido aplicadas“. João Miranda Sousa vê estas novas regras como uma “oportunidade”, ressalvando que “no mercado de luxo, é importante respeitá-las porque fazem vender mais e melhor”.

Afirmando que o consumidor está “cada vez menos fiel às marcas”, a CEO da Havas Media referiu: “Em termos de legislação, o que estamos a fazer é exigir aos nossos fornecedores de base de dados que eles respeitem as regras”.

O segredo é encontrar o “equilíbrio” certo

Neste momento, a L’Oréal Luxe está a “tentar encontrar um equilíbrio”, conforme disse Olivier Rasch. E tudo porque acredita que “a maneira de comunicar a marca e fazer com o que o consumidor se sinta envolvido com os cinco sentidos é fundamental”. Para o francês, “o grande desafio do luxo é conseguir injetar experiências no digital que consigam compensar o offline”, algo que não é fácil e, por isso, defende que “o digital está ainda longe de proporcionar uma boa experiência de luxo”.

Olivier Rasch revelou ainda que as últimas aquisições da empresa são empresas tecnológicas para, através da realidade virtual, criar essas novas experiências, como por exemplo, uma espécie de base de dados que consiga identificar características de cada cliente, como tipo de pele ou de cabelo, podendo, assim, criar cosméticos à medida de cada um.

"O grande desafio do luxo é conseguir injetar experiências no digital que consigam compensar o offline.”

Olivier Rasch

L’Oréal Luxe,

Questionado sobre a forma como pode a realidade virtual ajudar a tornar o online tão relevante como experiência na loja, Nuno Ribeiro, da Fabernovel, responde que “a experiência de compra em realidade virtual vai ser uma realidade“, e bastante próxima. Referindo várias campanhas de marketing usadas por empresas de renome internacional, como a Apple, Google ou Tesla, Nuno adiantou que, daqui a uns anos, “vai ser possível estar em casa e “viajar” até uma loja da Louis Vuitton, em Paris”, recorrendo, por exemplo, a óculos de realidade virtual da Google.

E, como referiu Fernanda Marantes, citando também um estudo, 8% das vendas mundiais são feitas online, sendo o resto feito em loja. “O mercado de luxo teve alguma resistência ao canal online e achava-se imune a esse canal. E, se calhar, quem lá chegou primeiro conseguiu ter mais lucros”, sublinhou, dizendo que a Burberry foi a primeira marca de luxo a perceber que podia haver uma oportunidade no online. E sublinhou a experiência ímpar que a flagship store da marca em Regent Street (Londres) proporciona aos seus clientes.

Uma coisa é certa, “o digital ainda é novo e as pessoas, as empresas e as marcas ainda estão a aprender a comportar-se neste novo habitat”, conforme disse Nuno Ribeiro, o diretor geral da Fabernovel. Fica a ideia de que “para todas as marcas de luxo, é fundamental a força da marca”, pois o “digital vai subir o nível de exigência de tudo o que será feito no retalho“, atirou o francês da L’Oréal Luxe em Portugal.

O mercado imobiliário de luxo

Quais são as características que tornam um imóvel num imóvel de luxo? Filipe Lourenço, especialista no setor, começou por responder que, atualmente, “os clientes procuram mais o lifestyle e o que as redondezas proporcionam. Não é só a localização e as características que interessam”. De acordo com o consultor da Private Luxury Real Estate, não basta um imóvel custar mais de um milhão de euros para ser considerado uma propriedade de luxo, tem de reunir “um conjunto de características”.

No setor hoteleiro, Tiago Silva, da Explorer Investments, recorda as transformações que a hotelaria tem atravessado, referindo que, há uns anos, os clientes usavam as instalações como grau de medição do luxo de uma unidade. Porém, hoje em dia, não é bem assim. “Procuram-se mais as experiências locais”.

Gilberto Jordan, do André Jordan Group, acrescenta ainda que, no imobiliário, “o luxo é uma combinação de fatores“, entre os quais a qualidade do projeto, a distribuição do espaço, o tratamento dado pelos intervenientes, etc. Nesse sentido, defende, “cada experiência tem de ser diferente”.

Na hora de realizar investimentos imobiliários, os investidores internacionais são um dos temas referidos. Para os três especialistas, o país tem características únicas que o podem destacar, nomeadamente a gastronomia, o clima e as experiências que pode oferecer. Contudo, o consultor Filipe Lourenço avisa que, ainda que o “imobiliário esteja a ser visto como um investimento seguro”, “existe uma valorização desenfreada do valor dos imóveis. Obviamente que eles valorizam, mas é preciso ter alguma contenção nesta valorização”.

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