Fim do banco de horas individual alarma empresários de todos os setores

Depois das alterações propostas pelo Governo à lei laboral, o ECO foi ouvir empresários de setores tão diversos como têxtil, metalomecânica, calçado, turismo e agricultura. Estão preocupados.

Descontentamento e perplexidade, é desta forma que os empresários de vários setores reagem às alterações no mercado de trabalho apresentadas pelo ministro Vieira da Silva. O fim do banco de horas individual está a gerar grande descontentamento entre os patrões portugueses, a par do apertar das regras nos contratos a prazo. A medida é ideológica, dizem, e as exportações serão as mais prejudicadas.

O ECO ouviu alguns empresários nacionais, em setores transversais que vão do têxtil à metalomecânica, passando pelo calçado, turismo e agricultura, e são unânimes: “Não se pode acabar com o banco de horas [individual], porque isso impossibilita as empresas nacionais de serem competitivas e de responderem a tempo e horas nas alturas de picos de encomendas”. O objetivo do Governo é devolver este instrumento à negociação coletiva, por contraponto à “individualização excessiva” das relações laborais.

José Manuel Fernandes, presidente da Frezite, é taxativo. “Os bancos de horas foram criados para flexibilizar as respostas a dar ao mercado internacional; Se o Governo e os parceiros de esquerda querem acabar com isto, só posso dizer que cada um colhe o que está a semear”.

Os bancos de horas foram criados para flexibilizar as respostas a dar ao mercado internacional; se o Governo e os parceiros de esquerda querem acabar com isto só posso dizer que cada um colhe o que está a semear.

José Manuel Fernandes

Presidente da Frezite

O presidente da Frezite vai ainda mais longe e diz que “o banco de horas está criado para ajudar a incrementar as exportações, no enquadramento do mercado internacional, mas há senhores que não o entendem e andam a brincar com isto”. Os dois partidos de esquerda, acusa, “estão a fazer pressão descontrolada para beneficiarem o seu eleitorado. Não têm visão de como se cria emprego e como tudo isto se processa”.

Visivelmente incomodado com o tema, José Manuel Fernandes deixa o aviso: “Os empresários podem não ter tanto entusiasmo nas exportações e o Governo poderá ressentir-se em termos eleitorais”.

José Manuel Fernandes não está sozinho nas críticas à pretensão do Governo de eliminar o banco de horas individual. Paulo Melo, presidente da têxtil Somelos e presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), considera que, de todas as alterações propostas, “esta é sem dúvida a mais preocupante”. E apela ao “bom senso”, dizendo que “só quem não está no mercado de trabalho é que não entende isto. É uma visão retrógrada”. O presidente da Somelos defende ainda que “o banco de horas é essencial para quem opera num mercado global”.

O banco de horas é essencial para quem opera num mercado global.

Paulo Melo

Presidente da Somelos

De resto, os empresários, através da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, têm manifestado o seu descontentamento e esperam que seja ainda possível reverter esta medida que estava já inscrita no programa do Governo.

Ainda no setor têxtil, o patrão da Riopele, José Alexandre Oliveira, garante que “o banco de horas é essencial para as empresas e que não se devia mexer nesta medida”. Os dados oficiais apontam para um fraco recurso ao banco de horas individual, números que a CIP, no entanto, refuta.

“Podem estar a dar cabo da indústria”

Do têxtil para o calçado, as críticas têm o mesmo tom. Fortunado Frederico, presidente do grupo Kyaia, avisa que podem estar “a dar cabo da indústria”. E explica o seu alerta: “Temos no setor do calçado, como no do têxtil e noutros, picos de trabalho em que precisamos de mais horas”. Para o empresário, esta, no entanto, “é uma realidade que em nada prejudica o trabalhador, que depois é largamente compensado”.

“Temos no setor do calçado, como no do têxtil e noutros, picos de trabalho em que precisamos de mais horas”, explica Fortunato Frederico , presidente do Grupo Kyaia.Pedro Granadeiro/Global Imagens

A sazonalidade — seja pelo pico de encomendas, seja pela própria atividade, como é o caso da agricultura ou o turismo — é, de resto, um dos aspetos mais focados pelos empresários para defenderem o banco de horas.

Jorge Ortigão e Costa, administrador da Sugal, uma empresa que se dedica à transformação de tomate fresco, não podia ser mais contra a medida. “Uma atividade como a nossa, muito sazonal, quer na parte agrícola, quer até na parte industrial, nunca poderá concordar com esta medida”, afirma o empresário. “Com chuva, por exemplo, o trabalho do campo não se pode fazer, pelo que há épocas em que não temos quase nada para fazer e outras em que precisamos todos de trabalhar mais horas”, exemplifica. “E os trabalhadores percebem isto melhor do que ninguém”, garante.

Para o gestor, “esta é uma medida política e feita à medida dos sindicatos, mas que prejudica as empresas sobretudo em setores que vivem de atividades sazonais”.

Esta é uma medida política e feita à medida dos sindicatos, mas que prejudica as empresas sobretudo em setores que vivem de atividades sazonais.

Jorge Ortigão e Costa

Presidente da Sugal

Quem também tem uma atividade bastante sazonal é o turismo. José Roquette, administrador do grupo Pestana, não quer comentar as alterações propostas pelo Executivo, medida a medida, mas adianta: “O mercado de trabalho em Portugal é muito rígido e precisa de maior flexibilidade, logo tudo o que sejam alterações no sentido de reduzir a flexibilidade é contra a nossa atividade“.

José Roquette lembra que o “turismo é uma atividade muito sazonal e que vive também com horários muito incertos”. Para o gestor não está em causa a questão dos custos. Até porque “no grupo Pestana”, garante, pagam “bastante acima do salário mínimo, ou seja, do que está estipulado por lei”. Do ponto de vista global, diz Roquette, “isto vai levar a que os empregadores contratem com maior prudência“.

Nunca vi que se consiga gerar emprego com a rigidez do mercado de trabalho.

Carlos Barbot

Presidente das Tintas Barbot

Carlos Barbot, presidente da Tintas Barbot, é também defensor da medida que Vieira da Silva quer eliminar. “O banco de horas negociado caso a caso é importante para a empresa e para o trabalhador“, defende. Para o empresário é também essencial assegurar uma maior flexibilização laboral: “Nunca vi que se consiga gerar emprego com a rigidez do mercado de trabalho”.

Despedir também devia ser mais fácil

Na Frulact, o banco de horas não é uma preocupação. João Miranda explica que, por norma, “este não é um mecanismo utilizado na empresa”. Mas está preocupado com as medidas que incidem sobre a contratação a prazo, porque para a empresa — que tem uma taxa de contratados a prazo que ronda os 29% — o “novo prazo é curto”.

E justifica: “No nosso caso as pessoas recebem sempre entre seis a doze meses de formação“. Ainda assim, João Miranda garante que não tem problemas em contratualizar, mas defende que “a forma de quebrar esse vínculo deve estar mais agilizado”.

O Governo quer reduzir a duração máxima dos contratos a termo certo, de três para dois anos. Continuará a ser possível renovar o contrato três vezes, mas, por outro lado, a duração do conjunto das renovações não poderá ultrapassar a duração do contrato inicial. Já os contratos de trabalho a termo incerto passam a ter duração máxima de quatro anos, contra os atuais seis. Há ainda outras propostas na mesa para limitar a contratação a prazo.

João Miranda defende que o prazo de renovação de contratos é curto por que na Frulact os colaboradores têm uma formação de seis a 12 meses.D.R.

O patrão da Frulact entende que “a precariedade não é boa, mas manter pessoas nas empresas que não estão adaptadas também não”. E remata: “O que mais me preocupa é este olhar cego para a situação de precariedade“.

José Manuel Fernandes percebe a importância do clima de confiança entre empregador e empregado, mas adianta que, na Frezite, os novos trabalhadores “chegam com contratos a prazo”. Uma medida seguida na maior parte das empresas e que visa perceber se o trabalhador é adequado para as funções. Paulo Melo, numa nota de esperança e cautela, sublinha que “está tudo ainda em aberto”, já que as medidas ainda vão ser discutidas em sede de concertação social. “Vamos ver o que vai acontecer”, conclui.

As confederações da Indústria e do Turismo, por exemplo, estão para já em silêncio, mas nos corredores são unânimes: “O fim do banco de horas individual é a nossa linha vermelha”. Mais até do que as alterações ao regime do contrato a prazo, o banco de horas é o que centra as preocupações das duas confederações patronais. Ao ECO, fontes das duas organizações mostram-se céticas em relação à possibilidade de mudança nas propostas do Governo, mas, para já, vão manter-se em silêncio. No próximo dia 6 de abril, realiza-se uma nova reunião da concertação social, na qual será discutido o calendário de discussão destas propostas. E até lá, as confederações vão preparar as respostas às propostas do governo. “Vamos tentar apresentar alternativas ao banco de horas individual, com outro modelo de organização dos tempos de trabalho”, refere uma fonte de uma confederação ao ECO.

As confederações esperam, também, que Rui Rio entre na discussão sobre a revisão das leis laborais. “Há um acordo político no Parlamento, entre o PS, o PCP e o BE, o que limita a nossa ação na concertação”, diz ao ECO outro líder associativo. “Por isso, é importante que o líder da oposição apareça nesta discussão, isso também é importante para as confederações patronais”, acrescenta.

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