Como desenvolver uma cultura intra-empreendedora

Quando pensa na palavra intra-empreendedorismo, o que lhe vem à cabeça? Talvez seja a organização de uma hackathon, uma forma rápida e limitada de obter novas ideias pelo crowdsourcing. Ou talvez seja a atribuição de 15 a 20% do tempo previsto no plano estratégico para que os indivíduos se dediquem a projectos de inovação pessoal, um conceito introduzido pela primeira vez pela 3M em 1948 (e que levou ao desenvolvimento do icónico post-it).
Ambas as abordagens podem certamente inspirar as pessoas a melhorar o seu desempenho. Mas ambas são também frequentemente teatrais — mais dignas de nota pelo desempenho e experiência que criam do que pela sua capacidade de catalisar uma criação de valor sustentada. Isto deve-se ao facto de esses esforços estarem «no topo do negócio», como me descreveu um CEO, em vez de estarem totalmente integrados no mesmo. E é aqui que reside o problema: as empresas só podem obter valor através do intra-empreendedorismo se criarem uma cultura verdadeiramente intra-empreendedora. E isso é um processo — não um evento.

Falei com mais de 20 especialistas e executivos da área da gestão sobre a sua definição de intra-empreendedorismo. Muitos referiram o trabalho do professor Howard Stevenson, que ensinou empreendedorismo na Harvard Business School durante mais de 40 anos. A sua definição de empreendedorismo —  a procura de oportunidades para além dos recursos controlados —  também se adequa bem ao que é necessário para ser um intra-empreendedor. O intra-empreendedorismo, ou seja, o empreendedorismo no interior de uma organização existente, é uma busca inovadora especificamente concebida para fazer emergir novas oportunidades, ajudando a criar outros produtos, serviços e até empresas, muitas vezes fora dos canais habituais. Os intra-empreendedores desejam resultados. Jackie Villacci, do Babson College, refere-se ao facto de serem «obcecados por oportunidades».

Uma empresa que queira inspirar o intra-empreendedorismo precisa de conseguir mobilizar recursos em toda a organização para apoiar as oportunidades que surgem, o que pode acarretar riscos de execução e de reputação. Contudo, devido às potenciais vantagens substanciais, incentivar o intra-empreendedorismo deve ser fundamental para a missão de uma organização. Veja-se o exemplo do Happy Meal, que tem sido fundamental para o crescimento da McDonald’s: a ideia surgiu de uma equipa interna rebelde. A PlayStation da Sony tornou-se a primeira consola de jogos a vender mais de 100 milhões de unidades — embora tenha nascido porque uma equipa interna recuperou os restos de uma parceria externa falhada. Os engraçados anúncios de segurança da Southwest Airlines — introduzidos pelo fundador da companhia aérea como parte integrante do modelo de negócio — melhoraram a experiência do cliente e o negócio.

Quando o intra-empreendedorismo é encorajado, há provas de que as pessoas gozam de maior autonomia e de uma ligação mais forte ao objectivo da organização; não é de surpreender que isto crie mais produtividade e envolvimento. O que é necessário para desenvolver mais esta cultura e depois aplicá-la? Não é uma ciência exacta, mas há formas de dar aos seus intra-empreendedores uma vantagem.
Em baixo, delineei cinco elementos fundamentais para a cultura intra-empreendedora: (1) desenvolver uma visão inspiradora, (2) modelar comportamentos, (3) eliminar a burocracia e os atritos, (4) criar uma plataforma para oportunidades e (5) dissipar os receios e fazer com que valha a pena. As três primeiras são boas estratégias de gestão; são por vezes esquecidas ou pouco reconhecidas, mas são essenciais para incentivar o intra-empreendedorismo. As duas últimas centram-se nos recursos e incentivos: os esforços intra-empreendedores devem ser apoiados com os recursos necessários, e os líderes devem fornecer incentivos e uma rede de segurança para encorajarem a assunção de riscos.

Os elementos fundamentais
• Desenvolver uma visão inspiradora. As pessoas precisam de se sentir inspiradas, motivadas e energizadas por uma visão para a organização, se quiserem procurar novas oportunidades. Isto é particularmente verdadeiro para os intra-empreendedores. Assim, crie uma narrativa que articule esta visão e a estratégia de uma forma que permita aos colaboradores imaginarem como será o sucesso. As pessoas vão reagir.
Quando a Vimeo, uma plataforma de partilha de ficheiros sediada nos Estados Unidos, sentiu dificuldade em competir com o alcance e os orçamentos do YouTube e da Netflix, Anjali Sud, directora de marketing, lançou a ideia de criar uma plataforma que desse aos criadores de conteúdos e às empresas as ferramentas para fazer vídeos. Joey Levin, CEO da então empresa-mãe da Vimeo, a IAC, concordou e deu-lhe uma pequena equipa para desenvolver a ideia, que acabou por ser um grande sucesso. Foi nomeada CEO da Vimeo, e a empresa cresceu até se tornar uma empresa multimilionária cotada em bolsa.

• Modelar comportamentos. Se quer ter intra-empreendedores na sua organização, dê o exemplo com os seus comportamentos. Seja um “intra-empreendedor activista”, por exemplo, passando mais tempo com clientes e colegas para compreender as suas funções e as necessidades não satisfeitas dos clientes. Com o tempo, isso despertará o «gigante adormecido», como um CEO descreveu o potencial dentro da sua organização. Esta abordagem pode exigir uma grande mudança de mentalidade e de comportamento para alguns executivos. Um estudo recente da Harvard Business School mostrou que os CEO passavam apenas 3% do seu tempo com clientes (em comparação com 70% do seu tempo na organização), o que os autores reconheceram ser demasiado baixo.
O presidente de uma empresa que aconselhei compra café aos funcionários dos seus call centers e lojas e depois pergunta-lhes o que fariam de diferente para ajudar mais os seus clientes. Outros executivos que conheço trocaram de funções com os seus trabalhadores para obterem uma perspectiva em primeira mão e novas ideias. A ideia da Amazon Prime surgiu expressamente por a administração ter ouvido as ideias dos trabalhadores sobre o desenvolvimento de novas oportunidades de negócio.

• Eliminar a burocracia e os atritos. A necessidade de facilitar o caminho pode parecer evidente, mas não é fácil. As organizações tradicionais de grande dimensão envolvem-se frequentemente em reuniões, gestão e processos desnecessários. Ficam enterradas na gestão da actividade principal e esquecem-se de como criar outras actividades geradoras de valor. Por isso, seja intencional e simplifique a tomada de decisões, combatendo a burocracia que o inibe de desenvolver e expandir ideias inovadoras. Uma lista de verificação para identificar os obstáculos pode ajudar; pode incluir a identificação de obstáculos inúteis no processo de tomada de decisões e de funções de gestão que impedem que as ideias surjam e sejam desenvolvidas.
Um dos meus clientes, CEO de uma empresa de tecnologia, eliminou 20% das reuniões da organização, simplificou o processo de tomada de decisões e dedicou pelo menos dois dias da semana a estar com clientes e organizações parceiras (nos seus ecossistemas), após ter revisto cuidadosamente a sua agenda. Falou com os seus subordinados directos sobre o exercício, explicando o seu raciocínio e a mudança de prioridades. Em poucos dias, eles seguiram o exemplo, encorajados pelo seu exemplo. Sem muito estímulo, os gestores rapidamente viram ideias surgir em toda a organização.

• Criar uma plataforma para oportunidades. Os três elementos fundamentais que acabámos de discutir são críticos. É igualmente crítico complementá-los com orçamentos, autoridade e capacitação na organização. O intra-empreendedorismo deve ser explicitamente encorajado. Qualquer pessoa, em qualquer parte da organização, deve poder explorar uma ideia. Procure pessoas que tragam novas perspectivas e desafiem a sabedoria convencional. Concentre-se nos funcionários novos na empresa (tanto os recém-recrutados como os experientes), ou pessoas de grupos que têm sido sub-representados e “subestimados” (por exemplo, mulheres ou negros), para usar as palavras de Ruchika Tulshyan, autora do livro “Inclusion on Purpose”.
Há três medidas organizacionais que permitem este objectivo. Algumas podem ser introduzidas imediatamente; outras podem precisar de meses ou anos para surtir efeito, por exigirem uma mudança radical na cultura da empresa.
Investir mais recursos. Dedique dinheiro, pessoas e tecnologia à expansão para novos mercados e ao desenvolvimento de novos modelos de negócio. Isto indicará uma intenção estratégica clara e um incentivo à actividade intra-empreendedora; servirá também como catalisador para uma inovação eficiente na actividade principal.
Um mecanismo possível para o investimento são os fundos de capital de risco das empresas, que fazem investimentos minoritários em startups e podem ser um veículo eficaz para o intra-empreendedorismo. Certifique-se de que estes mecanismos de risco têm um objectivo claro e independência suficiente da empresa-mãe que lhes permita concentrarem-se no mundo das startups. Mas também precisam de estar suficientemente integrados nas funções empresariais habituais para beneficiarem dos recursos da empresa e partilharem a sua aprendizagem com as startups. Um estudo recente mostrou que o verdadeiro benefício das unidades de capital de risco das empresas reside na visão estratégica dos clientes e das novas tecnologias que as empresas obtêm, e não nos retornos financeiros.
Aumentar a autonomia. Dê às pessoas a convicção de que podem ser intra-empreendedores, dando-lhes responsabilidades, formação e oportunidades de aprendizagem que as ajudem especificamente a identificar oportunidades e a tomar decisões para estimularem o seu espírito intra-empreendedor. Introduza formas de trabalho que permitam uma maior autodeterminação em certas áreas, deixando a actividade principal centrada na definição de estratégias e na afectação de recursos. Faça-o com cuidado. Comece por atribuir mais responsabilidades às equipas que tiveram um bom desempenho e demonstraram conseguir funcionar de forma independente.
Várias empresas de grande sucesso utilizaram este modelo. A LVMH, um conglomerado de marcas de luxo, afirma no seu website que as suas “maisons” (por exemplo, a Veuve Clicquot, a Christian Dior) «são simultaneamente autónomas e reactivas. Isto permite-nos estar extremamente próximos dos nossos clientes, para garantir que podem ser tomadas decisões rápidas, eficazes e adequadas. Esta abordagem também sustenta a motivação dos nossos colaboradores, encorajando-os a mostrar um verdadeiro espírito empreendedor.» Na Haier, a pioneira fabricante chinesa de equipamentos, as estruturas de gestão burocráticas foram substituídas por unidades autónomas, microcomunidades e mini-empresas, ao longo de anos e décadas.
Rever e simplificar os processos centrais de inovação. Facilite aos intra-empreendedores a partilha, o teste, o desenvolvimento e a expansão das suas oportunidades. A empresa alemã de tecnologia e engenharia Bosch tem sido elogiada pela clareza e qualidade do seu quadro de inovação em oito fases, que se baseia na abordagem das “lean startups”. Os intra-empreendedores devem começar por garantir que a sua oportunidade está alinhada com a estratégia e define claramente o problema (do cliente) a resolver. Entre os aspectos a considerar, incluem-se a especificação das provas (por exemplo, do interesse do consumidor) necessárias para ter êxito, a explicação da base para a tomada de decisões, a concentração dos eventos de inovação nas prioridades estratégicas e a partilha de histórias de sucesso e de fracassos.

• Dissipar os receios e fazer com que valha a pena. Mesmo com mais oportunidades, algumas pessoas terão relutância em dar um passo em frente porque não há incentivo suficiente para arriscarem. Temem o fracasso, a rejeição e a falta de reconhecimento pelos seus esforços intra-empreendedores. No último inquérito da PwC sobre Esperanças e Dúvidas da Força de Trabalho Global, 65% dos trabalhadores afirmaram que os seus gestores não toleram fracassos de pequena escala. Em situações como esta, os colaboradores pensarão duas vezes antes de correrem riscos.
Para dissipar estes receios, crie condições para que as pessoas se sintam seguras em assumir riscos intra-empreendedores. Dê às pessoas as competências necessárias para utilizarem as ferramentas de inovação e incentive-as a desenvolverem novos acordos comerciais. Isto pode reflectir-se em métricas e incentivos que inspirem riscos criativos. A empresa norte-americana de maquinaria agrícola John Deere, por exemplo, mede o crescimento dos clientes antigos que adoptam novos modelos de negócio, a aceitação de novas ofertas experimentais, o número de novas opções testadas e a taxa de adopção interna de novos modelos de negócio (que vão além das vendas e das operações, incluindo os departamentos financeiro, de conformidade, de segurança e outros).
Estruture a compensação para que os intra-empreendedores tenham a oportunidade de ganhar uma vantagem com os resultados dos seus esforços (embora reconhecendo que estes dados de desempenho não serão o único factor que contribuirá para a sua remuneração). As empresas chinesas Ping An e Haier oferecem aos gestores de novos empreendimentos e unidades de negócio uma parte do capital. Demasiadas vezes, as pessoas são encorajadas a ser mais empreendedoras, mas são avaliadas e compensadas com base em medidas da sua proficiência operacional.

Incentive sempre as pessoas a partilharem os seus pontos fortes, competências e histórias. Isto cria confiança, um sentido de comunidade e uma maior propensão para correr riscos. Dê o devido reconhecimento generosamente, principalmente no início, quando uma ideia é nova e não foi testada, e muitas vezes não é claro se será bem-sucedida. E reaja aos erros e fracassos com gentileza, concentrando-se em captar e aplicar a aprendizagem.
No início do seu mandato, Tom Fussell, CEO da BBC Studios, a empresa de produção e distribuição comercial da BBC, estabeleceu uma visão arrojada para duplicar o negócio em sete anos. Para o conseguir, era fundamental desenvolver uma cultura de melhor desempenho onde as pessoas fossem a melhor versão de si próprias. Começou por partilhar a sua própria história, o que levou a que outros partilhassem as suas no que se tornou uma campanha viral “Isto sou eu”. Também encorajou um reconhecimento mais atempado e construtivo dos esforços, à medida que as pessoas procuravam novas oportunidades de negócio. Esta cultura desempenhou um papel fundamental no desempenho recorde da empresa em termos de vendas e lucros.
O desenvolvimento de uma cultura mais intra-empreendedora exige mais do que teatro ou simbolismo. Inspire, encoraje e dê poder aos seus colaboradores para desenvolverem novas ideias que criem valor para os seus clientes e para a sua organização. Estes cinco elementos fundamentais ajudá-lo-ão a desenvolver a mentalidade, as competências e as práticas necessárias para o fazer. 

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