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Acordo com Mercosul “está muito vivo e aguardamos janela política”, diz negociador da UE

Rupert Schlegelmilch visita países do bloco sul-americano e diz que a casa precisa precisa estar ‘arrumada’ para quando líderes voltarem a impulsionar tratado.
2 Maio 2024, 17h45

O acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul “está muito vivo” apesar de declarações contrárias de líderes como o presidente francês, Emmanuel Macron, e que pelo menos 95% do processo está concluído, disse à “Folha de São Paulo”, o negociador-chefe da UE, Rupert Schlegelmilch.

Este negociador efetuou uma série de reuniões no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai para ter aquilo que designa de “casa arrumada”: ter as negociações técnicas prontas caso se abra uma janela de oportunidade política e permita avançar com a tramitação do acordo.

“O acordo está muito vivo. O facto é que a Comissão Europeia continua a negociar. Temos um mandato de todos os Estados-membros, inclusive de França, para fazer isso. Quando tivermos concluído as negociações, vamos reportar ao Parlamento e aos Estados-membros, que vão dar a sua opinião. Mas é a Comissão que está a negociar e os Estados-membros esperam que entreguemos um pacote no final, que então será analisado”, afirma.

Um acordo preliminar foi alcançado em 2019 entre os países do Mercosul e a UE para o estabelecimento do que seria o maior tratado de comércio livre do mundo: abarcando um universo de 780 milhões de pessoas.

Desde então, a tramitação das etapas necessárias para tirar o tratado do papel tem-se arrastado. Primeiro, por preocupações do lado da Europa em relação à política antiambiental do ex-presidente Jair Bolsonaro. Depois, por exigências do Governo liderado por Lula da Silva pela renegociação de determinados aspetos do acordo e pela mudança de Governo na Argentina; e por fim, pela oposição liderada por Emmanuel Macron.

“O acordo está quase concluído. Tivemos um entendimento completo em 2019, estamos a negociar apenas alguns temas adicionais. Então, 95% ou mais de todo o processo está finalizado. Mas algumas questões são complicadas, porque envolvem temas como o desmatamento. Mas devemos usar o nosso tempo para estarmos prontos quando a janela política se abrir de novo. Serei muito honesto: neste momento, diante das eleições (para o Parlamento Europeu) e os produtores rurais nas ruas em vários locais da Europa, simplesmente não é um bom momento. Então precisamos esperar que as eleições (europeias) terminem”, diz Schlegelmilch.

“Mas precisamos estar prontos porque, se a janela abrir, o dever de casa precisa estar pronto. A filosofia agora é essa. Ninguém sabe quem será o novo presidente da Comissão (que será formada após as eleições europeias), qual será o resultado das eleições. Mas não queremos estar numa situação em que porventura o acordo seja acelerado após as eleições e nada tenha ocorrido (no nível técnico) nesse meio tempo”.

De acordo com o negociador, o Governo de Lula da Silva tem ganho créditos com os europeus por endereçar a questão ambiental com seriedade. Hoje, diz Schlegelmilchm o maior empecilho são as políticas agrícolas, embora estas, muitas vezes, sejam usadas como “bode expiatório” e haja “desinformação” no debate.

“(Os produtores rurais europeus) gostariam de ter um pouco mais de proteção porque sabem que o sector agrícola em outras partes do mundo, não só no Brasil, algumas vezes é mais competitivo. O argumento que os agricultores não querem ouvir é que exatamente por isso temos uma política agrícola comum que apoia esse sector massivamente com algo em torno dos 40 a 50 bilhões de euros todos os anos”, diz.

“Então, existe um mecanismo que garante que seguiremos competitivos, e a abertura de mercado em todos os nossos acordos, num sector como o da carne, não chega a 5% do consumo”, acrescenta.

O negociador da UE nega que o acordo possa desestabilizar massivamente os mercados europeus e afirma que os potenciais efeitos negativos são pequenos se comparados ao apoio oferecido aos produtores locais. “Até prometemos aos nossos agricultores mais apoio se houver disrupção”, afirma.

O europeu também contesta o discurso de que o tratado em negociação entre UE e o Mercosul não é moderno porque começou a ser discutido há mais de duas décadas. “Atualizamos sempre o acordo. Então, este está no padrão mais alto, tão bom quanto o acordo com o Canadá que toda a gente gosta. Quase todo o mundo gosta. Até Macron”, afirma.

Ao se colocar contra o acordo UE-Mercosul, o presidente francês apelidou o tratado de “antiquado”, “contraditório” e “péssimo”.

Ao lado de Lula, na visita ao Brasil em março, Macron voltou a demonstrar resistência em termos do tratado e disse que foram feitas alterações sobre “algo que é muito velho” e que precisaria de ser reconstruído. “Somos loucos em continuar nesta lógica de acordo e, em paralelo, fazer grandes reuniões como G20 e COP para dizer que vamos fazer grandes coisas pelo clima e pela biodiversidade”, disse o francês na ocasião.

Schlegelmilch, por sua vez, rejeita essa linha de argumentação e considera o acordo “muito progressista”. “Diria que o acordo é moderno, atualizado (…) É o que temos de mais mais avançado sobre questões como direitos trabalhistas, proteção ambiental e assim por diante”, reforça.

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