Os quase 20 deputados que assinam a Apreciação Parlamentar consideram que os dois diplomas do Governo - publicados no Jornal da República em janeiro - são inconstitucionais e "afetam negativamente o ensino da língua portuguesa em Timor-Leste".

No texto consideram que fazem "prevalecer o recurso às línguas maternas e ao tétum no ensino das disciplinas curriculares dos níveis de educação abrangidos pelo âmbito de aplicação material dos diplomas" referentes á educação pré-escolar e escolar.

Os deputados acham "flagrantemente contraditório" que o Governo, no mesmo diploma, proclame o objetivo de "garantir um sólido conhecimento de ambas as línguas oficiais" mas acabe por as discriminar "colocando em papel de destaque as línguas maternas e o tétum".

Isso, sublinham, faz "perigar a aprendizagem do português ao não lhe atribuir a devida importância na fase da vida da criança em que ela está mais predisposta à assimilação de conhecimentos".

A Apreciação Parlamentar foi agendada para debate no próximo dia 24 de fevereiro e o Governo timorense vai ser convidado a estar presente.

Em causa estão dois diplomas, ambos aprovados pelo Governo timorense em junho de 2014, promulgados pelo chefe de Estado em 24 de novembro último e publicados no Jornal da República a 14 de janeiro: o 3/2015 referente à educação pré-escolar e o 4/2015 ao currículo do 1º e 2º ciclo do ensino básico.

Os diplomas abrangem todos os estabelecimentos de educação da rede pública, incluindo as "escolas de referência" em Timor-Leste, projeto ao abrigo do qual estão deslocados em Timor-Leste, só no ano letivo 2014-2015, um total de 93 docentes portugueses.

Além de remeterem o português como língua principal para mais tarde, os textos introduzem o conceito do uso da língua materna nos primeiros níveis de ensino, algo que altera o modelo em vigor nos últimos anos e pode mesmo ser inconstitucional.

Os deputados apresentam argumentos jurídicos e políticos para rejeitar os decretos, que consideram promover a "discriminação entre a utilização no ensino das duas línguas oficiais do País".

Considerando que os diplomas padecem de "inconstitucionalidade material grave", os deputados recordam que em causa estão princípios que "têm a ver com a consagração ao mais alto nível normativo de uma componente do próprio Estado, relacionada com a identidade nacional do povo, politicamente organizado no território que corresponde à metade oriental da ilha de Timor".

Escolher as duas línguas oficiais timorenses (tétum e português), recordam, "não foi uma opção vã e caprichosa" mas "radicou em razões profundas, históricas, culturais e sociais, que justificaram a escolha feita".

"Sendo a língua um elemento essencial do Estado e havendo duas línguas oficiais, ambas têm a mesma dignidade constitucional e a sua aprendizagem deve decorrer em paralelo, sem que o ensino de uma se sobreponha ao da outra", refere o texto.

"Nem o ensino do português deve prevalecer sobre o do tétum nem o deste menorizar o ensino da língua portuguesa. É, ao invés, por um caminho de complementaridade das duas línguas que a identidade nacional se reforça e a soberania popular se reafirma e consolida", considera o texto.

A nível político os deputados dizem que os diplomas "colidem com as linhas orientadoras da política da língua preconizadas na Lei de Bases da Educação" (de 2008), cujo artigo 8 definia que "as línguas de ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português", não fazendo em nenhum momento qualquer referência a línguas maternas.

"Não vemos como é que afastando o uso da língua portuguesa na educação de uma criança, até ela terminar o primeiro ciclo do ensino básico, é possível garantir-lhe 'uma sólida base de literacia das duas línguas oficiais'", consideram.

Estes diplomas, referem ainda, travam o objetivo de conseguir que todos os estabelecimentos de ensino usem apenas as línguas oficiais, como define a lei de bases, e ao mesmo tempo implicam admitir que "nenhuma criança timorense tem condições para começar a aprender as duas línguas oficiais, ao lado uma da outra, desde a nascença".

"No que podemos também concluir que, nos casos de crianças à partida vocacionadas para aprender as duas línguas oficiais em simultâneo, o Estado, através de um sistema educativo centrado no papel preponderante das línguas maternas e do tétum, está a negar-lhe a possibilidade de desenvolvimento do português, o que também não deixa de ser inconstitucional", conclui.

ASP // DM.

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