O presidente interino da Síria apelou às tribos beduínas para respeitarem o cessar-fogo destinado a pôr fim aos confrontos com milícias associadas à comunidade drusa, que causaram centenas de mortos e ameaçaram desestabilizar a transição política após a guerra.

As forças governamentais, inicialmente destacadas para restaurar a ordem, mas que acabaram por apoiar os beduínos contra os drusos, foram reposicionadas para travar a retoma dos combates, que recomeçaram na noite de quinta-feira em Sweida, província no sul da Síria. A violência levou também a ataques aéreos de Israel contra forças sírias antes de ser alcançada uma trégua.

No seu segundo discurso televisivo desde o início dos confrontos, Ahmad al-Sharaa culpou "grupos armados de Sweida" por reacenderem o conflito ao "lançarem ataques retaliatórios contra os beduínos e as suas famílias". O presidente interino acrescentou ainda que a intervenção israelita "empurrou o país para uma fase perigosa".

Israel realizou dezenas de ataques aéreos contra comboios de combatentes do governo sírio e chegou a bombardear a sede do Ministério da Defesa em Damasco, afirmando apoiar os drusos --- uma minoria significativa em Israel, considerada leal e com muitos membros a servirem nas Forças Armadas israelitas.

Foram divulgados relatos de combatentes ligados ao governo sírio a executarem civis drusos, bem como a saquearem e incendiarem habitações durante os quatro dias de violência.

O enviado especial dos EUA para a Síria, Tom Barrack, anunciou hoje que Israel e a Síria chegaram a acordo para um cessar-fogo. Ahmad al-Sharaa não mencionou diretamente o acordo no seu discurso, mas afirmou que "mediações americanas e árabes intervieram" para restaurar a calma.

Dirigindo-se aos beduínos, Ahmad al-Sharaa afirmou que estes "não podem substituir o papel do Estado na condução dos assuntos do país e na restauração da segurança". Acrescentou ainda: "Agradecemos aos beduínos pelas suas posturas heróicas, mas exigimos que respeitem integralmente o cessar-fogo e cumpram as ordens do Estado."

Entretanto, um destacado líder druso, o xeque Hikmat Al-Hijri --- opositor do atual governo e que se distanciou dos dois cessar-fogos anunciados na terça e quarta-feira --- afirmou que o acordo inclui várias medidas destinadas a reduzir as tensões em Sweida.

Entre essas medidas estão o posicionamento de postos de controlo fora dos limites administrativos da província, para conter os confrontos e evitar infiltrações, a proibição de entrada, durante 48 horas, em aldeias fronteiriças por qualquer das partes, e a garantia de passagem segura para os membros das tribos beduínas que ainda permanecem na província.

Ahmad al-Sharaa reiterou que Sweida "continua a ser parte integrante do Estado sírio e que os drusos constituem um pilar fundamental do tecido nacional sírio", prometendo proteger todas as minorias no país.

Agradeceu também aos Estados Unidos pelo seu "papel significativo ao reafirmar o apoio à Síria nestes tempos difíceis", bem como aos países árabes e à Turquia, que mediaram a trégua de quarta-feira.

Mais de metade dos cerca de um milhão de drusos em todo o mundo vive na Síria. A maioria dos restantes reside no Líbano e em Israel, incluindo nas Colinas de Golã, território capturado por Israel à Síria na guerra do Médio Oriente de 1967 e anexado em 1981.

Segundo estimativas das Nações Unidas, mais de 87 mil pessoas foram deslocadas na província de Sweida desde 12 de julho, devido a intensos bombardeamentos e raptos.

Comunidades inteiras fugiram a pé, estando muitas agora concentradas em escolas, igrejas e edifícios públicos sobrelotados e em condições precárias, indicou o Gabinete da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA). Os danos nas infraestruturas cortaram o fornecimento de eletricidade, água e telecomunicações em grande parte da zona. O principal hospital de Sweida operava apenas com 15% da sua capacidade, devido à falta de pessoal e de combustível.